Líder do PSD desde o dia 1 de julho de 2022, Luís Montenegro é um dos sócios fundadores da Sousa Pinheiro & Montenegro (SP&M), sociedade de advogados sediada no Porto. Aliás, Montenegro manteve sempre essa atividade profissional, mesmo enquanto exerceu sucessivos mandatos de deputado à Assembleia da República.

De acordo com os dados registados no portal Base, a firma SP&M obteve 15 contratos por ajuste direto de entidades públicas desde 2014, perfazendo um valor total de cerca de 679 mil euros.

O mais recente data de 6 de janeiro de 2022 e foi adjudicado pelo Banco de Fomento, tal como o Polígrafo revelou (e verificou) em artigo de 16 de maio de 2022.

Recorde-se que a segunda candidatura de Montenegro à presidência do PSD só foi oficializada no início de abril de 2022. Ou seja, cerca de três meses depois da celebração do referido contrato com o Banco Português de Fomento, datado de 6 de janeiro, segundo o registo no portal Base.

Consiste num "contrato de aquisição de serviços de assessoria jurídica especializada" (pode consultar aqui a cópia do documento), adjudicado pelo Banco Português de Fomento (por ajuste direto, fundamentado com "ausência de recursos próprios") à firma SP&M.

O preço contratual é de 100 mil euros, "correspondendo a um preço máximo por horas - em regime de bolsa de horas - de 120 euros, ao qual acresce IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido".

Tem por objeto principal a aquisição de "serviços de assessoria jurídica especializada nas áreas de Direito Nacional e Europeu da Concorrência, Contratação Pública e Contraordenações, Comercial e Societário e Direito Laboral", com um prazo de execução de 730 dias.

Fundado em novembro de 2020, o Banco Português de Fomento é uma instituição que resulta da fusão, por incorporação, da PME Investimentos - Sociedade de Investimento e da IFD - Instituição Financeira de Desenvolvimento na SPGM - Sociedade de Investimento. Mais, é uma sociedade anónima de capitais detidos por entes públicos.

"O Banco de Fomento  está há meses numa situação de impasse, 'nem o pai morre nem a gente almoça', nem a administração anterior sai nem a que foi indicada inicia funções", critica Montenegro.

Questionado pelo Polígrafo sobre se mantém a quota de 50% na SP&M e prossegue a atividade profissional de advogado no âmbito dessa firma, mesmo após ter assumido a presidência do PSD, Montenegro - através da assessoria de imprensa - responde que "não, desde 30 de junho que deixou de ser sócio da sociedade de advogados em questão e suspendeu na Ordem dos Advogados a respectiva inscrição. A sociedade Sousa Pinheiro & Montenegro já não existe".

O contrato firmado entre o Banco de Fomento e a SP&M inibe-o de alguma forma, no exercício das funções de presidente do PSD, de escrutinar ou criticar a atividade dessa instituição? "Obviamente que não. Não só pelo respondido anteriormente mas também por nunca ter intervindo nessa relação que estava diretamente relacionada com a especialização dos outros sócios, doutorados nas respetivas áreas", assegura.

"Ainda na semana passada referiu em declarações ao 'Expresso' que 'nesta fase com instrumentos extraordinários de financiamento, como é o PRR, é escandaloso o nível tão baixo de execução: cerca de 700 milhões de euros, uma coisa quase irrisória face ao volume disponibilizado. De resto, um dos instrumentos para dinamizar mais a execução de projetos - o Banco de Fomento - está há meses numa situação de impasse, 'nem o pai morre nem a gente almoça', nem a administração anterior sai nem a que foi indicada inicia funções", conclui.

Ajustes diretos de autarquias do PSD

Em 2018, Montenegro renunciou ao mandato de deputado à Assembleia da República, prosseguindo a sua atividade profissional na SP&M. A qual, aliás, nunca tinha cessado.

De facto, ao mesmo tempo que exerceu os sucessivos mandatos de deputado, entre 2002 e 2018, Montenegro desenvolveu a atividade paralela de advogado na firma SP&M, sendo detentor de 50% do respetivo capital social.

Entre fevereiro de 2014 e janeiro de 2018, de acordo com os dados registados no portal Base, a firma de Montenegro celebrou 10 contratos por ajuste direto com as câmaras municipais de Espinho (seis) e de Vagos (quatro), ambas lideradas pelo PSD, faturando um valor total de 400 mil euros (média de 100 mil euros por ano).

O último contrato antes de Montenegro ter saído da Assembleia da República data de 8 de janeiro de 2018, adjudicado pela Câmara Municipal de Espinho e visando a "aquisição de serviços de assessoria e informação jurídicas" por 54 mil euros.

Cerca de três semanas antes, no dia 20 de dezembro de 2017, a mesma Câmara Municipal de Espinho tinha celebrado outro contrato por ajuste direto com a mesma SP&M, visando "serviços de representação jurídica" por 72 mil euros.

Na semana anterior, a 15 de dezembro de 2017, tinha sido a Câmara Municipal de Vagos a contratar a SP&M por ajuste direto, visando a "aquisição de serviços de assessoria jurídica e representação em juízo" por 74.700 euros.

Importa salientar que, na altura dos contratos, as autarquias de Espinho e Vagos eram lideradas pelo PSD, sob as presidências de Joaquim Pinto Moreira e Silvério Regalado, respetivamente. Aliás, o próprio Montenegro foi presidente da Assembleia Municipal de Espinho (2009-2013) e vereador na Câmara Municipal de Espinho (1997-2001).

De resto, a atividade paralela do então deputado Montenegro foi um dos oito casos analisados pela Subcomissão de Ética em março de 2017, na sequência de uma investigação do "Jornal Económico".

A Subcomissão de Ética concluiu - apesar dos votos contra de deputados do BE e do PCP - que os casos envolvendo advogados não configuravam "impedimento", tratando-se de uma profissão liberal que não se integra na atividade de "comércio ou indústria" prevista no Estatuto dos Deputados que estava em vigor (esta regra acabou por ser alterada em 2019).

Até 2019, de acordo com o Artigo 21.º (Impedimentos) era vedado aos deputados "no exercício de atividade de comércio ou indústria, direta ou indiretamente, com o cônjuge não separado de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e designadamente superior a 10% do capital social, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas coletivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens ou serviços, empreitadas ou concessões".

De resto, em 2020 e 2021, a SP&M voltou a obter mais dois contratos por ajuste direto dos municípios de Espinho e Vagos. A nova lei em vigor impediria essa situação, mas Montenegro já não exercia o mandato de deputado desde 2018.

"Neste momento, o importante nem é mudar a lei nem é comentá-la. É aplicá-la. É verificar se foi ou não violada", defende Montenegro, relativamente aos casos de potenciais incompatibilidades no Governo.

Questionado sobre se a acumulação de funções como advogado e sócio da SP&M e deputado terá gerado situações de potenciais incompatibilidades ou conflitos de interesses, Montenegro limita-se a indicar que "a sociedade de advogados de que fez parte só foi constituída em 2012 e nunca gerou nenhum conflito de interesses e nenhuma incompatibilidade".

Mais especificamente sobre os contratos com as autarquias de Espinho e Vagos, lideradas pelo PSD e tendo em atenção a passagem de Montengro pela Câmara e Assembleia Municipal de Espinho, garante que "esses contratos foram sempre celebrados com total e escrupuloso cumprimento da lei e de todas as regras de transparência. Isso mesmo foi alvo de uma apreciação da Comissão de Ética da Assembleia da República que atestou exatamente isso em 2017. No que se refere ao município de Espinho, os contratos foram todos posteriores ao exercício de funções no município e, quer num caso quer noutro, os assuntos desses clientes foram sempre acompanhados por outros colegas do escritório".

Perante a sucessão de casos de potenciais incompatibilidades ou conflitos de interesses no Governo, considera que a atual lei que regulamenta esta matéria deve ser alterada? Na sua perspetiva é demasiado permissiva ou demasiado restritiva? "Os casos que vieram a público devem merecer o tratamento que mereceu o caso da sociedade em que participou, isto é, uma verificação do cumprimento da lei. Neste momento, o importante nem é mudar a lei nem é comentá-la. É aplicá-la. É verificar se foi ou não violada".

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