A 4 de outubro de 2019, numa arruada do Partido Socialista (PS) que começara no Chiado, em Lisboa, e tivera o seu grand finale nas galerias do Terreiro do Paço, António Costa, prestes a ser reeleito Primeiro-Ministro, confrontou um popular que o acusou de estar de férias durante o incêndio de Pedrógão Grande, em 2017. Estava eleita a "Mentira do Ano" (um concurso-tradição criado pelo Polígrafo precisamente dois meses depois).

A acusação era falsa, mas o estrago estava feito: a fotografia que marca a campanha de Costa desse dia põe-no de dedo em riste, de cara fechada, a olhar para um homem que tinha acabado de dizer uma mentira. O PM, ali em campanha, não gostou e esteve perto de agredir o eleitor que, viria a saber-se, tinha até ligações ao CDS.

Por inédita que pudesse parecer, a teoria sobre as férias "inoportunas" de Costa tinha meses. As redes sociais já a conheciam: foi partilhada milhares de vezes e o Polígrafo avaliara, inclusive, esta acusação como falsa: Costa tinha regressado a Portugal na semana dos incêndios, entre os dias 17 e 24 de junho de 2017.

Em novembro de 2019, um mês depois de voltar a ser eleito, Costa era alvo de nova mentira: desta vez menos intrusiva, o PM era acusado de ter comprado um novo automóvel Mercedes por 140 mil euros. Agora como antes, Costa foi confundido com José Sócrates, o homem que adquiriu, enquanto PM, o topo de gama por mais 10 mil euros do que o valor apontado.

"Hoje vi um senhor idoso a tomar uma bica no café. Eu disse que aquele aumento de 60 cêntimos nas pensões ia mudar a vida das pessoas". Não, o PM nunca escreveu esta frase, ao contrário do que se argumentava nas redes sociais em 2020. Mas também nunca escreveu esta: "Portugal em si não tem Covid-19, vocês é que o têm." Nem esta: "O coronavírus teve o azar de encontrar pela frente um Governo capaz." Ou esta: "Quem recusar a vacina da AstraZeneca pode não vir a ser vacinado." Vítima da pandemia da desinformação, Costa chegou a pedir alguns reforços.

Em São Bento - na residência onde ontem se demitiu quatro anos depois - o PM celebrou o 25 de Abril com destaque para as fake-news e para o jornalismo de combate: "Qualquer pessoa pode produzir informação, mas também pode produzir desinformação. Isso é um fator de preocupação, mas também de enorme valorização do jornalismo como profissão." E então o fenómeno cresceu.

Numa altura em que Joe Biden substituía Donald Trump na Presidência de uns Estados desunidos pela guerra das fake-news, em Portugal ela só aumentava: lá como cá, grupos organizados nas redes sociais criavam teorias - cada vez mais e melhor suportadas pela evolução da Inteligência Artificial - que ajudavam a certos cenários políticos. Costa deixara de ser a única vítima: entravam agora para a equação pessoas do seu círculo pessoal.

No Facebook, a filha do PM tinha casado em plena pandemia no "Resort Penha Longa", num evento com 280 convidados: mas era falso e, na realidade, o casamento tinha sido adiado para o ano seguinte. Durante o recolhimento obrigatório, chegou a afirmar-se ainda que Costa, a aproveitar o fim-de-semana prolongado, tinha levado a família de férias para uma herdade na Comporta: esta informação também não se confirmou. 

Já este ano, na sequência da celebração do feriado de 10 de Junho, onde Fernanda Tadeu, a mulher do PM, marcou presença, utilizadores do Twitter garantiam que esta se tinha reformado aos 53 anos: tudo porque uma das docentes que chegou à conversa com Costa afirmou que esperava estar reformada a essa idade. A informação sobre Fernanda Tadeu era falsa e mereceu um "Pimenta na Língua".

É também falso que Costa não tenha conta à ordem mas pague as compras com cartão bancário, assim como é falso dizer que o PM é proprietário de uma casa num condomínio de luxo em Sintra. Também não é verdade que, durante as cheias do ano passado em Lisboa, António Costa tenha mobilizado meios dos Sapadores Bombeiros para um prédio do qual era dono, e tampouco se comprovou que António Costa tenha gasto 9.400 euros em almoço de celebração do centenário de José Saramago.

Mas este conjunto de mentiras não acaba aqui: ao longo dos últimos oito anos o PM demissionário teve a cara em capas manipuladas, em contas falsas nas redes sociais e em várias citações que se viriam a confirmar apócrifas. Para equilibrar, Costa também esteve do outro lado.

Durante a campanha para as eleições legislativas de janeiro de 2022, o PM arrecadou nove falsos n'O Jogo do Polígrafo, ficando apenas atrás de André Ventura, que conquistou o primeiro lugar. Ontem, depois de conhecido o seu potencial envolvimento no caso do Lítio e do Hidrogénio, Costa pôs fim a um mandato de maioria absoluta ao qual tinha recomendado "habituação". Por cumprir ficam várias das promessas que também o Polígrafo foi seguindo de perto: a dos médicos de família ou todas aquelas relacionadas com a habitação.

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