
Quando, na última terça-feira, António Costa anunciou a sua demissão, depois de se saber envolvido na investigação do Ministério Público nos negócios do lítio e do hidrogénio verde, a questão central sobre a sua saída ainda morava em Belém: Marcelo Rebelo de Sousa já tinha garantido ao PM demissionário que aquela era a sua maioria absoluta (um alerta útil no caso de Costa seguir para um cargo Europeu, interrompendo o mandato), mas a crise política seguida de novas eleições parecia um cenário igualmente irresponsável.
Motivado pela improbabilidade, Costa foi a Belém substituir-se com um nome forte: Mário Centeno, o governador do Banco de Portugal e antigo ministro das Finanças, que, veio a garantir o PM já este sábado, seria uma "solução de respeito e elevada competência".
Costa ainda garantiu que "nunca houve" uma resposta final de Centeno. E mais: com a decisão de dissolver a AR, Marcelo tinha diluído por completo o cenário de prolongamento da maioria absoluta dos socialistas. As questões éticas que ainda pairavam sobre o convite de Costa a Centeno perdiam a relevância, mas apenas até Centeno falar.
O ex-ministro escolheu prestar declarações ao jornal económico britânico "Financial Times", este domingo: "Recebi um convite do Presidente e do Primeiro-Ministro para reflectir e ponderar sobre a possibilidade de liderar o Governo. Estive muito longe de tomar uma decisão."
"Refletir" e "ponderar" são dois verbos relevantes na frase que Centena escolheu para ilustrar a conversa que terá tido com Costa: afinal, o convite não foi oficial. E, por isso, não teve também que ser aprovado por Marcelo Rebelo de Sousa (apesar de o PM ter alegadamente transmitido a decisão ao PR).

Horas depois, em comunicado, Marcelo Rebelo de Sousa não desmentiu apenas Centeno: "O Presidente da República desmente que tenha convidado quem quer que seja, nomeadamente o Governador do Banco de Portugal, para chefiar o Governo, antes de ter ouvido os partidos políticos com representação parlamentar e o Conselho de Estado, e neste ter tomado a decisão de dissolução da Assembleia da República."
"Mais desmente que tenha autorizado quem quer que seja a contactar seja quem for para tal efeito, incluindo o Governador do Banco de Portugal", acrescenta o comunicado, numa menção ao PM demissionário. Até agora, Centeno foi o único a clarificar as declarações sobre o alegado "convite", tendo dito ser "inequívoco que o Presidente da República não [o] convidou".
Sobre a conversa com Costa, o governador do BdP, que vai aliás ser hoje alvo de uma avaliação por parte da Comissão de Ética do banco, referiu que o convite chegou no sentido de "reflectir sobre as condições que poderiam permitir" que este "assumisse o cargo de PM".
Centeno esclarece ainda, em comunicado esta manhã, que "não foi possível dirimir neste curto espaço de tempo todas as condições de exercício do que me era solicitado". Desta forma, acrescenta, "nunca houve uma aceitação do cargo, mas apenas uma concordância em continuar a reflexão e finalizá-la em função da decisão que o Senhor Presidente da República tomaria".
