
“Tenho a absoluta tranquilidade de saber que no Bloco de Esquerda (BE) há muitas pessoas com capacidade, força e preparação para assumir estas funções, portanto, sei que vamos ter, seguramente, uma convenção tão participada como capaz de criar as condições de unidade no partido”, frisou Catarina Martins no discurso em que anunciou que não se recandidataria à liderança do BE.
Desde novembro de 2018, quando o Polígrafo foi lançado, que as afirmações de Catarina Martins têm vindo a ser escrutinadas. Fique com alguns dos ‘fact checks’ feitos às declarações da bloquista.
1.
A declaração: Os investimentos na JMJ deviam ser pagos, “como no resto do mundo, pela própria Igreja”
Quando a fez: 27/01/2023
Recentemente, a coordenadora bloquista pronunciou-se sobre as polémicas relacionadas com os custos associados à preparação da Jornada Mundial da Juventude (JMJ 2023), que se realizará em Lisboa, no mês de agosto. Dizia então que em Portugal os investimentos na JMJ deviam ser pagos, "como no resto do mundo, pela própria Igreja".
Mais, Martins indicava que havia outras questões, como aquelas que têm a ver com a requalificação do território onde a jornada se vai realizar, que deveriam ser discutidas "de forma democrática" e "transparente".
No entanto, como pode ler de forma aprofundada aqui, em todas as edições da Jornada Mundial da Juventude, com exceção da realizada em Madrid, existiu investimento público, em menor ou maior dimensão. Portanto, a comparação feita por Catarina Martins não se aplica à generalidade do evento. O financiamento da JMJ, ao longo dos anos, tem sido feito através de várias fontes, tanto com a contribuição dos peregrinos como por via de doações e de patrocínios. Fica também, em parte variável, a cargo da própria Igreja, mas não se confirma que a instituição católica tenha assumido a totalidade dos gastos em todas as edições do evento a nível mundial.
Avaliação do Polígrafo: Falso
2.
A declaração: "O IRC é um imposto que poucas empresas pagam sobre os lucros"
Quando a fez: 11/01/2022
Em debate com Inês Sousa Real (PAN) no dia 11 de janeiro, na RTP3, durante a campanha para as eleições legislativas de 30 de janeiro, Catarina Martins entrou em desacordo com a adversária no que diz respeito ao tema "impostos".
"O IRC é um imposto que poucas empresas pagam sobre os lucros. Nós concentramo-nos muito na necessidade de aliviar a população portuguesa em impostos como o IVA da energia, que paga uma taxa de luxo e na verdade é um bem essencial. Precisamos também de aliviar quem vive do seu trabalho e ir buscar mais recursos onde ele está, porque o pagamento de impostos é muito desequilibrado em Portugal", destacou a bloquista.
De acordo com os mais recentes números à altura, disponibilizados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), relativos a 2019, no triénio em análise (2017, 2018 e 2019), o número de declarações do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas entregues à AT registou um aumento significativo. Só em 2019, chegaram à AT 510 158 declarações, um crescimento de 3,5% face a 2018.
Relativamente ao número de declarações com e sem pagamento, a variável relevante para avaliar a declaração de Catarina Martins, no relatório da AT verifica-se que, "apesar de, no período de tributação de 2019, apenas 42,6% dos sujeitos passivos apresentarem IRC liquidado", cerca de 60,5% dos sujeitos passivos efetuaram pagamentos de IRC por via de outras componentes positivas do imposto, "designadamente Tributações Autónomas, Derrama, Pagamento Especial por Conta (PEC), IRC de períodos de tributação anteriores (...)".
Em suma, são mais as empresas que pagam IRC do que aquelas que não pagam, segundo os dados mais recentes da AT. Este dado aumentou, aliás, significativamente no ano de 2019 (39,5%), não tendo no entanto ultrapassado a percentagem de entidades que estão sujeitas a esse pagamento (60,5%).
3.
Nesse sentido, prosseguiu: "Reequilibrar a relação do trabalho foi sempre e continuará a ser. Quando a esquerda desistir disso, desiste de ser esquerda. Em Portugal, os salários representam 40% do PIB, é muito pouco. Quer dizer que a maior parte da riqueza foge a quem a cria, a quem trabalha. Trabalhar não chega para sair da pobreza, esse é o principal problema do nosso atraso".
Tinha razão?
No estudo "A Pobreza em Portugal - Trajetos e Quotidianos", promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e coordenado por Fernando Diogo, professor de Sociologia na Universidade dos Açores, informa-se que um quinto da população portuguesa é pobre e a maior parte das pessoas em situação de pobreza trabalha, sendo que a maioria dos trabalhadores nessa condição tem vínculos laborais sem termo. A análise - que suporta a alegação de Catarina Martins - concluiu que um terço dos pobres são trabalhadores. Juntando-lhes os precários, percebe-se que mais de metade das pessoas em situação de pobreza trabalha, o que significa que "ter um emprego seguro não é suficiente para sair de uma situação de pobreza".
4.
Os dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) confirmam que ficaram por ocupar, naquele ano, cerca de 30% das vagas para médicos no SNS.
O Polígrafo analisou os resultados dos concursos dos últimos quatros anos para todas as especialidades - medicina geral e familiar, hospitalares e saúde pública - e constatou que o maior número de vagas por preencher registou-se em 2016. Nesse ano foram disponibilizados 1.531 postos de trabalho, dos quais apenas 945 foram ocupados. Desta forma, 38% dos lugares à disposição não foram preenchidos. No ano seguinte, de acordo com o Relatório Social do Ministério da Saúde e do SNS, foram ocupadas 610 das 903 vagas disponibilizadas. Ou seja, 35% das vagas ficaram por ocupar em 2017.
Em 2018, de acordo com o mesmo relatório anual, verificou-se uma situação quase idêntica. Foram anunciadas 1.647 vagas, mas apenas 1.100 médicos concorreram (66%), deixando 547 por preencher (34%).
5.
Num debate televisivo que a opôs a Rui Rio na TVI, a líder do Bloco de Esquerda colocou um enfoque muito especial nas questões relativas à saúde – e, nesse domínio, no que se refere às Parcerias Público Privadas, um modelo de gestão privada de hospitais públicos com o qual a bloquista nunca se identificou.
“(...) Temos os hospitais de Cascais e Loures, PPP, a serem investigados precisamente por manipularem indicadores, ou seja, é uma má ideia do ponto de vista do princípio e ruinosa para o SNS”, afirmou Catarina Martins.
No entanto, apenas o Hospital de Cascais estava a ser alvo de investigação pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde e pelo Ministério Público pela alegada manipulação de indicadores.
A situação, logo desmentida pela administração daquela unidade hospitalar, tinha sido denunciada em maio do mesmo ano numa reportagem da SIC em que um grupo de antigos e atuais profissionais do Hospital de Cascais acusou a administração de falsear resultados clínicos e algoritmos do sistema de triagem da urgência para aumentar as receitas que são pagas à parceria público-privada gerida pelo Grupo Lusíadas.
