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Omissões, mentiras evidentes e muitas contradições: a história das três audições mais importantes da comissão de inquérito à TAP

Este artigo tem mais de um ano
Às versões de Frederico Pinheiro e de Eugénia Carreira junta-se agora a de João Galamba. O ministro das Infraestruturas esteve ontem na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP a tentar coser algumas pontas soltas na polémica que envolve o seu ministério. O resultado não se pode dizer que tenha sido o melhor: apesar de se ter colado quase estritamente ao relato da sua chefe de gabinete, Galamba caiu em certas contradições, nomeadamente no que toca aos telefonemas que fez na noite de 26 de abril para acionar o SIS.

Clube de combate: quem agrediu quem? E quem ameaçou quem?

Sobre agressões, Eugénia Correia, a chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas, já tinha referido esta quarta-feira, 17 de maio, ouvida pela CPI à TAP, que “nunca houve intenção de agarrar Frederico Pinheiro” e que o objetivo era apenas “impedir a saída do computador que não lhe pertencia”. Eugénia Correia garantiu: “Não toquei nele. Agarrei na mochila e o dr. Frederico Pinheiro dá-me um murro a mim. Depois, a dr. Paula Lagarto tentou igualmente agarrar a mochila e recebeu vários murros.”

Frederico Pinheiro, ouvido horas antes, contou o contrário: “Não agredi ninguém. Apenas me libertei, em legítima defesa, de quatro pessoas que me empurraram, puxaram e me tentaram tirar a mochila. Sou o agredido e não o agressor e tenho um relatório médico que o comprova.”

Além de físicas, as verbais: segundo Frederico Pinheiro, o ministro usou “termos impróprios” durante as conversas telefónicas, nomeadamente na da noite de 26 de abril, quando o exonerou, e ameaçou-o “fisicamente”, mais concretamente, com “dois murros”: “O senhor ministro ameaçou-me fisicamente e creio que isso é comprovado com acesso a essa chamada.”

No carro com João Galamba, enquanto este falava com o então adjunto, seguia Eugénia Correia: “Ouvi o senhor ministro falar tranquilamente com o sr. Frederico Pinheiro e não acompanhei a totalidade da conversa porque ia também ao telefone. Trabalho com o senhor ministro há cinco anos e nunca testemunhei atos de violência [do ministro João Galamba] contra ninguém.”

Ontem, João Galamba desempatou as dúvidas com um relato expectável: “Nego categoricamente que tenha ameaçado Frederico Pinheiro. Foi uma conversa de exoneração, mas afirmo que fui ameaçado por Frederico Pinheiro e se havia alguém exaltado naquele momento não era eu. Estava aliviado por resolver aquele problema. Estava muito tranquilo”.

Quem mandou João Galamba ligar ao SIS, afinal?

O ministro das Infraestruturas começou por insinuar que foi a ministra da Justiça que sugeriu contacto com o Serviço de Informações de Segurança (SIS), mas depois de ser desmentido pela própria, no Parlamento, Galamba reordenou a fita dos acontecimentos e garantiu que foi a chefe de gabinete, Eugénia Correia, a ativar o SIS por iniciativa própria. Afinal, disse ontem o ministro, foi o gabinete do Primeiro-Ministro a incentivar a entrada do SIS na equação. Só que o SIS já lá estava, sem autorização expressa de Galamba.

“Liguei à ministra da Justiça às 22h53, foi um telefonema que durou dois minutos e vinte segundos e não me recordo se falei do SIS ou não à ministra da Justiça, porque, de facto, o objetivo daquele telefonema era análogo ao que tinha ocorrido uma hora e quarenta minutos antes com o senhor ministro da Administração Interna”, informou o ministro.

“Não me recordo mesmo se falei ou não do SIS ou do SIRP [Sistema de Informações da República Portuguesa, à ministra da Justiça], de qualquer modo o telefonema foi para pedir para me pôr em contacto com a PJ, coisa que aconteceu”, acrescentou, sem esclarecer de quem tinha partido, afinal, a sugestão de contacto com o SIS.

Quando Bernardo Blanco (IL) insistiu na questão, João Galamba disse já ter respondido. Foi incitado a fazê-lo novamente: “Quem é que lhe disse para contactar o SIS?”, questionou o liberal. “O gabinete do Primeiro-Ministro. O secretário de Estado Adjunto Mendonça Mendes“, respondeu Galamba.

“Apagão” foi provocado por Frederico Pinheiro, acusa Galamba. Foi?

Uma das grandes revelações da CPI de quarta-feira foi o “apagão” de mensagens comprometedoras no telemóvel de Frederico Pinheiro. Sobre o episódio, disse o próprio: terá sido Eugénia Correia, chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas, quem pediu “a um técnico informático para se tentarem recuperar” mensagens antigas. Resultado da intervenção foi o desaparecimento do arquivo.

Eugénia Correia nega esta versão dos acontecimentos. Aliás, diz a chefe de gabinete que foi o próprio Frederico Pinheiro a proceder a essa intervenção: “O doutor Frederico estava sentado na sua secretária com o telemóvel na mão e estava de pé junto a ele o informático a dar-lhe indicação de como instalar o programa que tentaria fazer a recuperação de uma coisa que não sabíamos se existia, a recuperação de mensagens trocadas com a senhora presidente da Comissão Executiva da TAP, para se tentar obter um comprovativo de que efetivamente tinha sido ela a solicitar a reunião.”

Muleta de grande parte da audição de Galamba, também esta versão da sua chefe de gabinete foi reiterada pelo ministro: Ninguém tocou no telemóvel” de Frederico Pinheiro, disse, acusando o seu ex-adjunto de prestar declarações “falsas” na CPI.

O convite? Qual convite? O convite…

João Galamba já tinha desmentido a ex-CEO da TAP, Christine Widener, garantindo que não tinha sido ele a solicitar a sua presença na reunião de 17 de janeiro. Na CPI, Frederico Pinheiro garantiu, no entanto, que foi o próprio ministro das Infraestruturas a convidar a então CEO: “Na reunião de 16 de janeiro, o senhor ministro das Infraestruturas convida a CEO da TAP a participar, no dia seguinte, numa reunião preparatória.”

Eugénia Correia negou peremptoriamente esta intervenção de João Galamba no pedido. Na CPI, leu uma troca de mensagens com o antigo adjunto, a 13 de janeiro, na qual Frederico Pinheiro afirma que a CEO pediu uma reunião de preparação da audição, com agendamento pedido para 17 de janeiro, um dia antes da audição de Christine Widener. A chefe de gabinete terá respondido: “Sim, pode.” E acrescentou: “A mensagem é clara. É a senhora CEO que quer ir falar. Se quer ir falar não vejo que constitua problema ou que o facto de querer ir lá falar implique que tivesse de receber indicações sobre perguntas. É normal que, querendo ir lá falar, o ministro quisesse focar a situação económica da TAP. Isso não implica combinações e instruções.”

Ontem, o principal interveniente desta história prestou declarações contraditórias: se Galamba sugeriu, a 16 de janeiro, que Christine Widener poderia estar presente na reunião do dia seguinte, com o GPPS, da qual ele se ausentaria, hoje não considera que se tenha tratado de um incentivo: “Perguntou-me: ‘Posso ir?’ e eu respondi ‘Pode’.”; “A CEO da TAP manifestou a vontade e pediu para vir à reunião. Eu autorizei.”

Galamba participa em reunião… para verificar se tudo está bem

Sobre a reunião de 5 de abril, onde supostamente esteve presente João Galamba, que terá então feito questões a Frederico Pinheiro sobre a existência de notas, há agora novos dados. Na CPI de quarta-feira, o ex-adjunto do ministro disse o seguinte: “No dia 4 de abril, nesta CPI, é tornado público na audição à então CEO da TAP, a existência de uma reunião preparatória do dia 17 de janeiro. Tendo em conta o impacto político e mediático que tal informação gerou, no seu seguimento o ministro das Infraestruturas reuniu comigo, no dia 5 de abril, para abordarmos o tema da reunião preparatória com a TAP, estando presentes nessa reunião o senhor ministro, a chefe de gabinete e a engenheira Cátia Rosas.”

Eugénia Correia desmentiu-o assim: “Não esteve presente o senhor ministro, ao contrário do que ainda tive oportunidade de ouvir transmitir hoje a esta CPI.”

João Galamba confirma que não esteve na reunião, mas que entrou na sala algumas vezes: “Não participei nessa reunião. Se me recordo, entrei duas vezes para perguntar se estava tudo bem e se já tinham acabado. Essa reunião é típica de gabinete, coordenada pela chefe do meu gabinete, e a minha única intervenção foi a colaboração política que dei.”

Ministro omitiu chamada a José Luís Carneiro

Na sua primeria conferência de imprensa, João Galamba tinha referido a sequência dos acontecimentos desta forma: “Eu não estava no Ministério quando aconteceu a agressão [quando Frederico Pinheiro foi ao Ministério buscar o portátil]. Liguei ao Primeiro-Ministro, que estava a conduzir e não atendeu, liguei ao secretário de Estado adjunto do Primeiro-Ministro e disse que eu devia falar com o Ministério da Justiça, coisa que fiz, e disseram-me que o meu gabinete devia comunicar esses factos àquelas duas entidades [SIS e PJ].”

Esta quinta-feira, porém, o ministro das Infraestruturas revelou que o seu primeiro contacto, na noite de 26 de abril, foi o ministro da Administração Interna, a quem pediu para falar “com muita urgência com a PSP” sobre as “agressões e roubo de um computador” no ministério.

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