Desempenhou, ao longo dos últimos dois anos e meio, o cargo de representante permanente de Portugal junto da União Europeia. Quais foram os principais desafios que enfrentou ao longo desses anos na função?
Claramente o principal desafio nos últimos dois anos foi a agressão russa à Ucrânia e o que isso significou e significa para a União Europeia, porque viu-se na necessidade, perante uma agressão que é totalmente injustificada, sem qualquer razão, de defender uma democracia, às suas portas. De defender um país que procurava traçar um caminho democrático. Mas essa agressão também significou um acordar para uma ameaça que vem do atual regime russo.
Uma ameaça que já estava iminente.
Os sinais já existiam. Em 2014 a Rússia entrou no Crimeia, a guerra no leste da Ucrânia foi despoletada. Isto não é uma novidade, mas, de facto, uma invasão como aquela que foi tentada, e felizmente falhada, à Ucrânia mostrou que há uma ameaça do atual regime russo à Ucrânia, sem dúvida. Mas não apenas à Ucrânia: também àquilo que representa a Europa, como conjunto de países democráticos. Diria que nos últimos dois anos esta foi a questão que dominou a agenda e que fez ver que a União Europeia tinha que avançar, continuar a avançar, em várias áreas onde, ou estava relativamente parada ou adormecida, ou onde não tinha, à partida, desenvolvido essas competências.
As próprias instituições europeias estão agora no início de novos mandatos. Será esta, também, uma das prioridades deste novo ciclo político? Como se perspetiva esse período?
Neste momento, o mandato seguirá na continuação dos desafios que se viveram nos últimos anos e as suas prioridades foram já fixadas na Agenda Estratégica acordada pelo Conselho Europeu. Existem alguns desafios que vão ser evidentes, um deles é este que eu dizia. O mundo geopolítico mudou nos últimos anos e a União Europeia vai ter que dar resposta. Vai ter que se capacitar também do ponto de vista da defesa, para ganhar capacidade de se defender, dentro dos enquadramentos que existem, nomeadamente do da NATO, mas também com alguma capacidade de autonomia.
Além disso, esta agressão à Ucrânia reavivou todo o processo de alargamento, que estava relativamente adormecido, e por isso esse processo vai continuar. É um processo que, no passado, tem sido muito bem-sucedido e tem mostrado ser um dos principais instrumentos para alargar a segurança e a democracia, nomeadamente no continente europeu. Mas existirão também outros desafios, nomeadamente ao nível económico. É evidente que este mundo, onde as mudanças já vinham do passado, mas se tornaram mais perceptíveis recentemente, é diferente daquilo a que assistimos nos anos 90, de uma globalização um pouco sem limites, mais benévola. É um mundo mais geopolítico, onde alguns países, alguns blocos fazem uma defesa dos seus interesses, e a União Europeia tem que, com os seus valores, que são a democracia, a paz, o respeito pela pessoa humana e pelos direitos humanos, ganhar a capacidade e a autonomia estratégica para poder atuar nesse mundo.
A presidência do Conselho Europeu vai então, nesse sentido, também tentar dar resposta a estas prioridades?
Sem dúvida. Aliás, a Agenda Estratégica que inclui estas prioridades é, de certo modo, uma carta de missão para o Conselho Europeu e, obviamente, para o seu Presidente. A sua tarefa principal, enquanto Presidente dessa instituição europeia, que é a instituição que aponta a direção política da União Europeia, passará por construir a unanimidade, que é absolutamente fundamental. Por construir a unidade da União Europeia e apontar com ambição estes caminhos que esta vai ter que prosseguir. Tem sido relativamente comum na história europeia que, perante crises, a União Europeia responde em conjunto, muitas vezes com soluções que são inovadoras e que até parecem ir, e muitas vezes vão, para além daquilo que são as suas competências-base, tal como estão no seu Tratado. Eu julgo que esse será o grande desafio, o da unidade e da ambição.
Falou precisamente dessa questão da necessidade de garantir consensos. Sobre esse esforço em torno do tema da guerra na Ucrânia, também com países como a Hungria, que têm lideranças como Viktor Orbán, com um posicionamento um pouco mais favorável à Rússia, perspetiva que venha a ser uma tarefa particularmente desafiante? Como é que vislumbra o decurso desses processos negociais daqui em diante?
Vai ser desafiante, tal como tem sido. Mas a verdade é que, se olharmos para os últimos anos, é justo dizer que, naquilo que tem sido essencial e desde a primeira resposta que foi dada pela União Europeia – seja do ponto de vista de tentar limitar a capacidade da Rússia de prosseguir esta guerra, através das sanções, seja na ajuda à Ucrânia, tanto do ponto de vista militar como financeiro, seja no acolhimento dos refugiados ucranianos –, a mesma tem sido dada e tem sido dada por unanimidade. Agora, é evidente que não é fácil, não é segredo que existem perspetivas diferentes e esse será seguramente um dos papéis do Presidente do Conselho Europeu: tentar criar a unidade que é fundamental para que a União Europeia possa, nestas áreas, continuar a dar estas respostas que são necessárias.
O que pode Portugal ganhar com o facto de ter um português na presidência do Conselho Europeu? Existiram já conversações com o Governo nacional de modo a que algumas das prioridades do país sejam particularmente consideradas pela liderança desta instituição europeia durante o seu mandato?
Esta candidatura, que foi uma candidatura bem-sucedida do doutor António Costa, foi uma candidatura nacional, apoiada plenamente e ativamente pelo Governo português e essa foi uma das chaves do seu sucesso. Depois, é evidente que estes postos são assumidos numa perspectiva europeia, mas não é indiferente que haja, para Portugal, um português à frente de uma instituição como o Conselho Europeu, até porque há uma sensibilidade particular de Portugal, que é também uma sensibilidade muito central na forma como nós olhamos a Europa, que pode ser trazida para o diálogo. Há também aqui uma forma de como é que os outros nos olham nestes postos.
Numa perspetiva do reconhecimento internacional?
Traz um reconhecimento internacional importante e interessante para o país. É, de facto, extraordinário que nos últimos 20 anos tenhamos tido portugueses a presidir à Comissão Europeia, a presidir o Eurogrupo, e agora, daqui a três meses, a presidir o Conselho Europeu. É também exemplificativo da forma como os outros países nos olham, porque todos estes postos são eleitos e são escolhidos pelo conjunto dos Estados-membros e julgo que esse reconhecimento é muito interessante e mostra que Portugal mantém uma posição politicamente central nas questões europeias. É evidente que um presidente de uma instituição europeia não está lá para defender os interesses nacionais, está lá para defender os interesses da Europa. Mas esta sensibilidade portuguesa tem sido apreciada e julgo que é isso que também podemos trazer a este diálogo.