Diogo tinha apenas quatro anos quando perdeu o pai, um ex-jogador de andebol da Académica de Coimbra que não teve uma carreira especialmente auspiciosa. A morte prematura impediu Paulo, era esse o seu nome, de acompanhar o filho às primeiras provas do circuito regional de cadetes, onde começou a competir, de assistir a todas as etapas da sua ascensão, de constatar que afinal havia um campeão em potência lá em casa.
Já adolescente, o jovem atleta quis tatuar no corpo a memória do pai. Alguém lhe disse que a estrela de David simbolizava a ligação entre o céu e a Terra. Foi o que lhe bastou para avançar, sobretudo porque provavelmente não lhe foi dada outra informação que na altura talvez parecesse irrelevante: a mesma figura é vulgarmente associada ao judaísmo e ao Estado de Israel, a besta negra da esquerda radical portuguesa, sobretudo desde que este decidiu retaliar – de forma brutal e desmedida, há que reconhecê-lo – contra um ataque – imperdoável, há que acrescentá-lo – do Hamas que resultou em centenas de mortos israelitas durante um festival de música.
Quando se tatuou, Diogo era um miúdo, não era o Diogo Ribeiro que agora faz capas de jornais. Tinha potencial e talento, mas faltavam-lhe títulos mundiais ou feitos transcendentais que justificassem o abandono da relativa discrição que experimentava no momento. Problema: estava escrito nas estrelas que, para ele, o anonimato seria como a saúde para os hipocondríacos: um estado transitório que não augura nada de bom. O sucesso esperado, massivo e musculado, chegou. E com ele trouxe um choque mediático que, como acontece sempre no admirável novo mundo da pós-verdade, inevitavelmente atraiu os vampiros das redes. E de repente o Dom Sebastião, aquele que, surgido das trevas, salvaria a nação da sua irremediável e infinita mediocridade, foi teletransportado para uma realidade alternativa em que subitamente se transformara, por causa de uma pequena tatuagem feita para homenagear o pai, num perigoso sionista que urgia evangelizar.
Yana – uma cidadã que se apresenta como uma “contemporary artist” mas que, a avaliar pelos soluços criativos que partilha entre o X, o Instagram e o Facebook, de contemporary tem poucochinho e de artist tem o equivalente ao cérebro de uma andorinha – sentenciou, supostamente em nome do bem comum: o campeão só o seria a partir do momento em que exibisse publicamente o seu desprezo face ao “Estado colonizador”. A brigada vermelha terá rejubilado furiosamente.
Não consta que Diogo tenha contribuído para a celebração neo-revolucionária com um like, mas – tristemente, digo eu – acaba de enviar, a partir daqui de Paris, um miminho para o seu pelotão de fuzilamento: a estrela de David foi entretanto objeto de um restyling e agora é uma imparável rosa dos ventos. Quando vi a sua imagem dentro da piscina com o ombro renovado, duvidei. Até uma “artista” – vamos chamar-lhe assim – do calibre de Yana é capaz de manipular uma imagem básica. Telefonei a Daniel Moedas, fisioterapeuta e tutor de Diogo desde a juventude. Do outro lado da linha, a reação chegou em três tempos: 1) a confirmação; 2) o embaraço; 3) o silêncio.
Entre o desejo de preservar no corpo a memória do pai e a certeza de que, se mantivesse a tatuagem, o processo de fuzilamento em curso prosseguiria, Diogo optou pela solução mais fácil. Não o julgo; não é ele que está do lado errado da história. No seu perfil do Facebook, a viçosa Yana aponta esta como sendo uma das suas citações favoritas: “My life needs editing.” O autor? Mort Sahl, um brilhante comediante canadiano, percursor da stand-up comedy, que, imagine-se, era assumida e militantemente judeu. Não é a tua vida que tem de ser editada, Yana – é o teu cérebro. O teu e, já agora, o dos milhares de génios instantâneos que, como se de coelhinhos se tratassem, reproduzem diária e furiosamente a sua iniquidade nas redes sociais.