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Nadal e Djokovic: a última ceia em Paris (com Federer à espreita)

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São 14h49. Estou no interior do estádio Philippe Chatrier, um dos templos do ténis mundial. O silêncio é quase total. Estranho. Há apenas 20 minutos, 15 mil pessoas em total euforia prestaram tributo de pé a dois dos três melhores tenistas de sempre – a faltar ficou apenas um conhecido suíço para que a Santíssima Trindade do ténis se sentasse à mesa com a sua multidão de fiéis.

Há vários anos que este trio – Roger Federer entretanto reformou-se mas é tão eterno que ninguém sente que o tenha feito – é mais relevante pelo que significa do que pelo que joga na prática. Saltaram do campo de jogo para o campo das ideias – e esse é o barómetro da sua importância e da sua aura, na definição que lhe atribuiu o filósofo alemão Walter Benjamin quando reflectiu sobre o motivo pelo qual as obras de arte originais, por serem tão únicas, não são passíveis de reprodutibilidade.

Os três representam, todos de uma forma diferente, um ideal de força, talento e resiliência ao serviço da superação humana no desporto – e sendo este quase sempre um espelho das forças e das fraquezas humanas, percebe-se o facto de se terem transformado em modelos inspiradores para homens e mulheres anónimas que um pouco por todo o mundo procuram a sua própria individualidade.

Esta tarde, Djokovic, que é tão único como Nadal mas que ao dia de hoje é um jogador melhor, aproveitou o facto de o espanhol, mais perto dos 40 do que dos 30, já não ter pernas para chegar às bolas criminosamente apontadas para cima das linhas. Depois de um primeiro set arrasador em que o sérvio atropelou Nadal, este, arrastado pelos 15 mil fiéis que sonhavam com o prolongar do culto, equilibrou no segundo, recuperando de uma desvantagem de 1-4 para 4-4.

A turba tentou convencer-se de que no ritual escrito por alguém seguir-se-ia o momento da remontada naquele que muito provavelmente foi o último desafio entre os dois jogadores, mas esqueceu-se de que do outro lado do rectângulo estava um tubarão implacável. Djokovic decidiu ser Djokovic e, farejando o sangue talvez já arrefecido de um adversário cansado, fechou o jogo como o seu rival gostaria que o fizesse se lhe pudesse pedir: com rapidez e sem piedade. Federer, amigo íntimo de Nadal e conhecedor dos  meandros da ética entre heróis, seguramente terá erguido um cálice à distância. A lenda – a sua e a deles – prossegue.

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