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Há informação ambiental, mas não há conhecimento ambiental

Este artigo tem mais de um ano
Carmen Lima, engenheira do Ambiente e membro do Conselho Executivo da Confederação Portuguesa de Associações de Defesa do Ambiente, escreve sobre a importância da literacia ambiental.

Na última década, a informação sobre a temática ambiental tem sido veiculada em diversos canais. As crianças começam desde cedo com esta mensagem na escola, nas atividades, nos tempos livres, nas marcas de produtos infantis e nos brinquedos (que acompanham a tendência). Há quem diga que “o Ambiente está na moda”. 

Nos media tradicionais ou em plataformas digitais encontramos com facilidade documentários sobre a vida animal, sobre as alterações climáticas, a poluição ou o desperdício. Nas redes sociais encontramos bastante informação sobre o tema ambiental, até influencers motivados em abordar este tema.

Mas há uma grande diferença entre “informação ambiental” e “conhecimento ambiental”. Talvez por isso mesmo é que, apesar de existir imensa informação ambiental, as pessoas e as organizações continuem a cometer os mesmos erros, a consumir e a levar a sua vida como se os seus atos fossem inócuos para o Planeta e para a Humanidade.

Numa década em que a movimentação social tem sido marcada também pelas questões ambientais, com manifestações e compromissos globais, todos queremos parecer “verdes”, sem, na prática, sermos “verdes”. 

Não há político ou gestor empresarial que não inclua nos seus discursos alguma das seguintes palavras: sustentabilidade, economia circular, alterações climáticas, aquecimento global, descarbonização, reciclagem.

Não há marca que lance produtos no mercado sem utilizar qualquer uma destas palavras: ecológico, amigo do ambiente, verde, sustentável, reciclado, 100% reciclável, biodegradável. 

Mas saberão eles o que estes termos significam e por que são assim tão prementes?

Saberão as empresas o que significa cada uma destas classificações, e qual o verdadeiro impacte de cada um dos produtos ou embalagens? Sei que não há produto ou serviço que não possua impacte ambiental, que designação de “Zero resíduo” ou “Zero Impacte” é uma utopia em matéria de sustentabilidade ambiental, mas não será perverso usar este tipo de abordagem para parecer o que não se é? 

Nesta busca pela coloração verde, procuramos uma vida livre de excessos, optando por produtos “sustentáveis”. Deitamos fora o que temos em casa e compramos todos os produtos “sustentáveis” das lojas eco para sentirmos que, agora sim, estamos a diminuir a nossa pegada ecológica. 

O que deitámos fora, que, muitas vezes, estava em bom estado, não será reutilizado ou reciclado, acabando por contribuir para as taxas da produção de lixo. O que comprámos, por vezes, é produzido a quilómetros de distância com processos sem a exigência da proteção ambiental, e que na maioria das vezes não se consegue reciclar ou compostar, após terminar a vida útil. E aquelas coisas que deitámos fora, não dariam para serem utilizadas de forma mais sustentável, para evitar mais consumo ou mais produção de lixo, prolongando a vida útil destes produtos? Provavelmente sim!

Vejamos o bambu, alguém já pensou onde se deve colocar uma escova de dentes de bambu após o término da vida útil? Ecoponto? Não pode. Compostor para biorresíduos? Não pode. Na prática é mesmo o contentor cinzento para o lixo indiferenciado (lixo comum).

Fazer uma visita pelo supermercado ou hipermercado e observar os produtos que apresentam os rótulos “Eco”, “Verde” ou “Sustentável” é um verdadeiro desafio. Às vezes, esta falta de conhecimento leva a que muitas empresas adotem “Políticas Verdes”, que parecem, mas não o são!  Estas políticas são fáceis de analisar por quem tem o “conhecimento ambiental”. É como um nutricionista observar os produtos que se apresentam como “light” ou “zero açúcar” e conseguir perceber que o açúcar está lá, mas com outro nome. 

Este conhecimento ambiental é urgente. Chamamos-lhe “literacia ambiental” e é inclusive um dos objetivos da Estratégia Nacional de Educação Ambiental (ENEA). Após anos de educação e informação ambiental, foi identificada a falta de “literacia ambiental”, que permita dotar a população do conhecimento sobre o tema, que seja capaz para exercer uma cidadania mais inclusiva e visionária das situações e dos problemas, e capaz de garantir a mudança do paradigma social. Esta mudança será feita no dia a dia, com o diagnóstico e escolha por opções mais sustentáveis, em todas as dimensões da atividade humana.

A literacia ambiental é a ferramenta que as civilizações deveriam apostar para fazer a mudança, para preparar aliados capazes de garantir a transformação necessária, para se conseguir obter os resultados esperados, necessários e visíveis para a mudança ambiental global. 

Já dizia Francis Bacon, “O conhecimento é em si mesmo um poder”, e é esse “poder” que tem que ser transmitido a cada pessoa, em qualquer geração, em qualquer etapa da sua vida pessoal e profissional. Quando já se possui esse conhecimento (essa literacia ambiental) é criada em cada pessoa uma espécie de formatação para o tema, como que uma mudança de “chip”, porque para além da informação sobre os problemas ambientais, é-lhes dado a informação sobre o efeito de determinadas ações no Planeta e na Humanidade. Cada pessoa começa a olhar para as situações com o filtro da sustentabilidade. Para quem possui este conhecimento, torna-se fácil identificar os gritantes chapéus “verdes” que são colocados em determinados produtos ou serviços.

Estas perguntas que vos lanço têm o intuito de vos motivar a procurar este conhecimento e garantir que esta capacitação vos conceda este “poder” de serem mais críticos e exigentes com aquilo que vos é “vendido”, conseguindo ver o que os produtos são na prática. Desta forma, irão claramente identificar o que precisam ou não precisam de ajustar no vosso quotidiano e verificar que alguns hábitos ou conselhos das gerações mais velhas eram sábios. Irão confirmar que não precisam de comprar todos os produtos sustentáveis, mas sim de adotar os hábitos sustentáveis com os produtos que têm em casa. Esse poder irá ser a vossa bússola para a sustentabilidade, e conseguirão reconhecer facilmente aquelas situações que estão a ser “verdejadas”. 

No outro dia, vi um anúncio de uma garrafa reutilizável, que é uma boa solução para promover o consumo de água da torneira e reduzir o consumo de água engarrafada, evitando a produção de mais lixo. Mas e se vos disser que mais abaixo, o mesmo anúncio, apelava para que os consumidores fizessem a “coleção” das garrafas reutilizáveis? Fazer a coleção de garrafas reutilizáveis parece-vos uma opção sustentável? Precisamos de mais do que uma garrafa reutilizável para beber água? É o caso de uma política “verde” que acaba por deixar de o ser quando se apela ao consumismo desnecessário.

Encontro facilmente nos super e hipermercados, produtos com aquelas novas mensagens “embalagem 100% reciclável”, mas em embalagens que já são recicláveis há anos, e que era exatamente por isso que já as podíamos colocar no ecoponto amarelo! Essa mensagem não deveria já lá estar há anos?

Há ainda aquelas marcas que disponibilizam contentores para a recolha de têxteis usados (roupa usada) e dão em troca um vale para ser usado em novas compras apenas naquela rede de lojas. Qual é a ideia? Ajudar a dar uma solução à roupa usada ou apelar a mais consumo?

Poderia continuar a dar exemplos, uns mais caricatos do que outros, que passam muitas vezes por soluções “verdes” ou “ecológicas”, mas que se olharmos com literacia ambiental, pouco contribuem para a sustentabilidade da nossa vida ou do Planeta.

 

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EMIFUND

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

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