“A água é o bem maior da humanidade e é uma necessidade vital à vida no Planeta”, aprendemos todos nos primeiros anos de escola e não há qualquer dúvida sobre isso. Percebemos mais tarde o verdadeiro significado destas palavras: a água é um recurso fundamental que vai muito além de nos saciar e hidratar. É a base do desenvolvimento dos nossos alimentos, faz parte de praticamente todos os gestos do nosso dia-a-dia, é um input insubstituível em muitas indústrias e processos produtivos. Incluindo na construção civil, e usamo-la inclusive para minimizar muitos impactes ambientais destes setores, sem nunca nos lembrarmos de como é escasso este recurso.

A escassez de água afeta atualmente quatro em cada dez pessoas, e para agravar, a sua distribuição no planeta não é uniforme, o que leva a que, com a aceleração das mudanças climáticas e das suas consequências extremas, muitas regiões venham a sofrer mais com o efeito da seca, assim como com a dificuldade de acesso a este bem.

Os períodos de seca têm sido mais constantes e a cada ano que nos vimos a braços com este problema soam os sinais de alertas. Este problema tem sido “resolvido” com campanhas de sensibilização, nas redes sociais e nos media tradicionais, onde são feitos apelos à população para reduzir o seu consumo, durante pelo menos 1 minuto. 

Foi assim em 2018, com as campanhas de sensibilização do Ministério do Ambiente e outras entidades (como a Agência Portuguesa do Ambiente – APA e das Águas de Portugal) e repete-se o modelo este ano com a campanha de sensibilização lançada pela APA e pelo grupo Águas de Portugal, em parceria com a ERSAR, financiadas pelo Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente e da Ação Climática e aprovadas pela Comissão Permanente de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca.

São louváveis estas campanhas, como todas as campanhas de sensibilização ambiental. Mas é importante perceber que não iremos resolver este problema apenas com campanhas de sensibilização. Olhemos o caso da Cidade do Cabo, na África do Sul, em que a população teme o dia em que as torneiras deixarão de deitar água, tornando-se a primeira Cidade do Mundo a ficar sem água potável. 

Aqui já se percebeu que as campanhas de sensibilização não são suficientes, é preciso regular, limitar e promover o uso eficiente. Para já, adotaram-se medidas de resseção do acesso à água potável e a Cidade do Cabo reduziu a quantidade de água de 87 litros/dia para 50 litros/dia por habitante. Este é apenas um sinal de alerta, porque outras Cidades irão enfrentar os mesmos problemas se não forem adotadas medidas urgentes na gestão deste recurso. É preciso que a Humanidade esteja toda ela envolvida – população, autarquias, empresas e governo.

Porque continuamos a regar jardins ou espaços verdes com água potável? Porque continuamos a regar estes espaços em plena hora de calor? Porque limitamos o uso de água reciclável na rega destas zonas? Porque não adotamos sistemas inteligentes que adotam a rega às necessidades (temperatura, evapotranspiração, humidade)? Porque regamos os espaços verdes e tudo o que os rodeia, numa total falta de eficiência? Porque queremos ter carros impecavelmente brilhantes em tempo de seca? Por que não implementar uma rede de monitorização eficaz, e a alocação de meios financeiros para a sua manutenção, como uma das prioridades para gerir este recurso? 

Quem de nós não se revolta com estes exemplos, depois de ouvir ou ler que devemos “dar 1 minuto para parar a seca”?

Se a chuva regressar e encher os reservatórios, se a seca deixar de assombrar o nosso território, se 2023 voltar ao padrão normal, numa falsa normalidade hídrica, deixamos novamente de pensar sobre o problema, desaparecem as campanhas de sensibilização, e nem por um 1 minuto é feito o apelo para que nos lembremos que este recurso continua a ser limitado, que os efeitos climáticos extremos irão regressar e que a água continua a ser fundamental à vida.

E quando chegar o dia em que a seca nos obrigue a fechar a torneira mais do que 1 minuto por dia?

Na Cidade do Cabo, na África do Sul, vive-se o receio de chegar o dia em que cada pessoa terá direito a apenas 25 litros de água potável/dia, como medida para implementar o racionamento. Se nos lembrarmos que as Nações Unidas estimam que cada ser humano precisa de pelo menos 110 litros de água/dia para satisfazer as suas necessidades básicas, e que uma torneira aberta durante 1 minuto pode gastar cerca de 12 litros de água, termos uma ideia bem real da dimensão do problema que enfrentamos atualmente.

Não nos apercebemos de como usamos a água que sai da torneira, e que é potável. Os consumos de água/dia para cada atividade do quotidiano podem ultrapassar os 240 litros:

  • Duche de 15 minutos, com a torneira meia aberta - 180 litros; 
  • Lavar as mãos ou os dentes com a torneira aberta - 24 litros; 
  • Manter a torneira aberta enquanto faz a barba - 48 litros; 
  • Lavar o carro com mangueira - 500 litros de água; 
  • Cada descarga de autoclismo - 15 litros; 
  • Uma torneira a pingar de 5 em 5 segundos, durante 24 horas - 30 litros/dia. 

Os impactes da seca são graves e identificáveis. Afetam não só as necessidades básicas à vida, mas também são críticas para a agricultura, provocando quebras de produtividade ou danos relevantes para a indústria, num momento em que a Europa se vê a braços com uma recessão crescente, com um conflito armado sem fim à vista, numa trilogia com efeitos que poderão levar a um cenário catastrófico.

O consumo não tem sido eficiente e a situação de seca extrema tem sido cada vez mais frequente, o que tem levado à necessidade de reforçar a aposta no uso sustentável deste recurso, colocando a “água” no centro dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU (Objetivo 6), que reforça a importância, o direito e a necessidade de garantir o acesso universal e equitativo à água potável e ao saneamento até 2030.

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EMIFUND

Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

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