“É o melhor energizante!” Vídeo em que Zelensky assume consumir cocaína é fruto de manipulação
Os rumores sobre o consumo de drogas por Zelensky têm origem na campanha presidencial de 2019, mas voltaram a surgir em força nas redes sociais desde fevereiro de 2022, quando a Ucrânia foi invadida por forças militares da Rússia. Aliás, o próprio Vladimir Putin, presidente da Rússia, descreveu Zelensky e os seus ministros como “um gang de drogados e neonazis que se instalaram em Kiev e tomaram todo o povo ucraniano como refém”. No entanto, é totalmente falso que Zelensky tenha assumido, numa entrevista, que a cocaína é “o melhor energizante”.
O vídeo de uma entrevista em que Volodymir Zelensky terá confessado (de acordo com as legendas em inglês, suposta tradução a partir do original em ucraniano) que consome cocaína regularmente – “É o melhor energizante. (…) É a forma de vida que eu levo. Aconselho que todos o façam” – foi partilhado fora do contexto.
O vídeo baseia-se na sobreposição de dois excertos de uma entrevista que Zelensky concedeu ao jornal ” Ukrainskaya Pravda“, em janeiro de 2019. O vídeo original está disponível na plataforma YouTube. Nessa altura, Zelensky era candidato à Presidência da Ucrânia e foi entrevistado na sede da sua campanha eleitoral em Pechersk, no centro da capital Kiev. Ao minuto 7:40 do vídeo da entrevista, o jornalista refere ter ouvido dizer que Zelensky “consumia cocaína”. O entrevistado responde da seguinte forma: “Incrível! Incrível! Não, estou sentado em algo branco, mas é uma cadeira. Não é cocaína. Eu não me drogo.”
O jornalista insiste, perguntando se “cheira” ou “utiliza” cocaína, ao que Zelensky contrapõe, entre risos: “Cheiro café, porque sou realmente viciado em café. Eu gosto muito de café, de verdade”. Esta passagem corresponde ao primeiro excerto que é manipulado ou adulterado no clip que está a ser difundido nas redes sociais como suposta prova (falsa) de que Zelensky assumiu consumir cocaína.
A outra parte em que teria enaltecido os benefícios do consumo de cocaína, recomendando que “todos o façam”, baseia-se noutro excerto do vídeo original em que Zelensky, na realidade, falou sobre a prática de desporto.
“Essa é a rotina que eu sigo. Levanto-me às 7h da manhã, levo o meu cão a passear e pratico desporto. Para que serve o desporto? Trata-se de uma auto-obrigação. Dá-te energia para o dia todo, aconselho a todos, mas não através da prática intensa, pois dá-te vontade de dormir durante o dia. E essa descarga é suficiente para o dia, sim”, declarou.
Não, não foram vendidas velas de Zelensky “retratado enquanto um santo” em Fátima
Em maio de 2022, as redes sociais enlouqueciam com a seguinte imagem:
“Não, isto não é uma montagem. É Fátima, Portugal, 2022“, lia-se na legenda da imagem que estava a circular nas redes sociais e que foi enviada por vários leitores ao Polígrafo.
Na fotografia em causa observa-se um conjunto de velas em que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, é retratado enquanto um santo. “Acenda uma vela pela Ucrânia”, apela-se, em língua inglesa, num cartão visível na imagem.
Contactada pelo Polígrafo, à data, fonte oficial do Santuário de Fátima garantiu que as velas em causa “não estão nem estiveram à venda nas lojas oficiais do Santuário de Fátima”.
Além disso, uma pesquisa reversa da imagem revela que esta circula nas redes sociais, em vários blogues e sites desde o início de maio. Num site apresentado como de “curiosidades, informações proibidas e imagens amaldiçoadas”, a fotografia foi divulgada com a seguinte descrição: “algures na Grã-Bretanha.”
Zelensky não comprou uma mansão na Flórida por 35 milhões de dólares…
A alegação publicada em 2022 nas redes sociais é totalmente falsa, dado que não há nenhuma prova de que o presidente ucraniano tenha comprado uma mansão nos Estados Unidos da América.
O Polígrafo fez uma pesquisa pela fotografia da casa alegadamente comprada por Zelensky, através da ferramenta “Google imagens”. Um dos resultados desta busca remeteu para um artigo do site “Mansion Global”, publicado em dezembro de 2021, que descreve a mansão como uma “villa à beira-mar em Sunny Isles Beach, Florida, com interiores de todo o mundo”.
No final do texto, encontra-se uma hiperligação que remete para o anúncio originalpublicado no site da corretora de imóveis “ONE Sotheby’s International Realty”. Nessa página é possível verificar que a casa está à venda atualmente por 11 milhões e meio de dólares (mais de 10 milhões de euros).
Através do chat disponível na página da corretora, uma assistente online da empresa confirmou ao Polígrafo que a casa ainda se encontrava disponível para venda naquele dia (6 de junho de 2022), ou seja, nada indica que a mansão tenha sido comprada por Volodymyr Zelensky.
… e a sua mulher não gastou 40 mil euros em compras durante uma visita a Paris…
A mulher de Volodymyr Zelensky, Presidente da Ucrânia, viajou até Paris, França, entre os dias 12 e 14 de dezembro de 2022. Olena Zelenska, primeira-dama ucraniana, foi recebida no Palácio do Eliseu pela primeira-dama francesa, Brigitte Macron. Depois da visita propagou-se nas redes sociais uma história sobre alegados gastos de Zelenska numa loja de luxo em Paris: “A mulher de Zelensky, Olena Zelenska, gastou 40 mil euros durante uma visita de uma hora a uma loja de luxo em Paris, enquanto visitava a França para pedir mais recursos para a resistência pró-aliados dos EUA.” Mas é falso.
Segundo apurou a revista norte-americana “Newsweek”, em artigo de verificação de factos sobre esta história, o boato teve origem numa “notícia” de um site que costuma difundir fake news e desinformação.
Na maior parte das publicações nas redes sociais mostra-se apenas a imagem do título e destaque da notícia, mas no texto original não é indicada qualquer fonte de informação, apontando somente para um tweet da página “SGM World News” que, por sua vez, alega basear-se em “informação avançada por um funcionário” que não é identificado.
O facto é que não há qualquer prova da suposta despesa de 40 mil euros. A “fonte fiável” é anónima e não verificável. Neste último caso remete-se até para um artigo do jornal “La Depeche” em que não se faz qualquer referência à despesa, ou sequer à eventual passagem de Zelenska por uma qualquer loja, mas informando somente que visitaria Paris entre os dias 12 e 14 de dezembro.
… e não, Zelensky não comprou dois iates de luxo durante a guerra com a Rússia…
Ao que tudo indica, um dos “sites” citados para sustentar esta teoria será o “NewsBreak“, que cita uma “investigação jornalística independente” que revelou “que os dois colaboradores mais próximos do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky compraram recentemente dois iates de luxo – um em Abu Dhabi (EAU) e outro em Antibes, França, em outubro de 2023”.
Para sustentar a afirmação, apresenta-se o que se dizem ser documentos comprovativos da compra, com datas, preços dos barcos em causa e os nomes dos irmãos Shefir, figuras próximas de Zelensky. Porém, os documentos não são verdadeiros, visto que os barcos ainda não foram vendidos.
Em dezembro de 2023, o tema foi alvo da atenção por parte de vários meios de comunicação social, como a “Associated Press” e o “Logically Facts”, devido à grande repercussão que a narrativa tem tido nas redes sociais. Primeiramente, a Burgess, empresa especialista em iates de luxo, confirmou que a embarcação “My Legacy” “está atualmente à venda com a Burgess como corretora exclusiva”. A informação foi dada por Nicci Perides, porta-voz da empresa, que acrescentou: “Podemos confirmar que o iate não foi vendido e, portanto, continua à venda.”
Já no que toca à embarcação “Lucky Me”, a BehneMar, também ela uma empresa de iates de luxo, classificou de “totalmente erradas e falsas“, confirmando que também este barco “não foi vendido e ainda está à venda com a BehneMar como empresa exclusiva de listagem”.
A mesma confirmação foi dada por estas duas empresas ao “Logically Facts”. De facto, o “My Legacy” e o “Lucky Me” permanecem à venda nos “sites” da Burgess e da BehneMar, respetivamente – o que enfraquece a alegação que aqui analisamos.
Portanto, é inteiramente falso que Volodymyr Zelensky tenha comprado dois iates de luxo, no valor de cerca de 75 milhões de dólares, em pleno contexto de guerra com a Rússia.
… nem a vivenda de Goebbels por 8 milhões de euros
Mais recentemente, uma publicação no YouTube garantia que Volodymyr Zelensky tinha comprado por 8 milhões de euros, em outubro de 2023, a célebre vivenda que fora de Joseph Goebbels, o ministro da propaganda da Alemanha dirigida por Adolf Hitler (1933-1945).
Para provar o que era afirmado, foram apresentados fac-símile de várias páginas do suposto contrato de aquisição e para credibilizar todo o conteúdo a autora da publicação, Sabine Mels, garantia ser uma ex-funcionária da imobiliária que tinha tratado da transação – a Berliner Immobilienmanagement GmbH (BIM) – e que tinha obtido toda aquela informação através de uma antiga colega de trabalho.
No entanto, a venda da chamada “Goebbels Villa” foi negada categoricamente tanto pelo BIM à BBC como pelas autoridades locais ao “t-online”. Não houve qualquer transação ou, tão pouco, manifestação de intenção do Estado em vender a particulares aquele espaço, até pelo perigo do aproveitamento simbólico que dele poderia fazer algum grupo de extrema direita.
É, assim, falso que Zelensky tenha comprado a vivenda de férias do antigo ministro nazi Joseph Goebbels. O perfil do autor da publicação e os documentos apresentados são forjados e não correspondem a uma existência real.
Não, este vídeo de Zelensky a fazer a dança do ventre não é real
“Votaram neste palhaço e nomearam-no presidente da Ucrânia. Os EUA transformaram-no no seu fantoche e na sua arma para atacar a Rússia. O resultado: centenas de milhares de seus compatriotas mortos numa guerra desnecessária e um país destruído”, destaca-se num tweet publicado a 3 de janeiro deste ano.
Mas não só o vídeo partilhado não é atual, como não é Zelensky que dança nestas imagens. Através de pesquisa pelas imagens do vídeo verifica-se que o original foi publicado numa conta de Tik Tok de um bailarino russo chamado Vusal Mehdiev, sendo que, a primeira publicação data a 16 de outubro de 2020. No vídeo vê-se que o rosto de Mehdiev foi substituído pelo de Zelensky.
A versão mais popular deste vídeo foi publicada novamente a 12 de janeiro de 2022pelo próprio bailarino e conta com mais de 20 milhões de visualizações.
Assim sendo, conclui-se que o vídeo não é verídico, trata-se de um deepfake. O indivíduo a dançar o ventre não é Zelensky, mas sim um bailarino russo a animar um aniversário. Por já ter sido ator e dançarino, é comum circularem online vídeos do presidente da Ucrânia a atuar, mas muitos deles são manipulados.
Carnaval em Itália não representou Zelensky com uma bandeira nazi
“Os italianos ousaram no Carnaval de Viareggio”, comenta-se numa das múltiplas publicações que exibem a imagem em causa. “Até no Carnaval de Viareggio eles entenderam que ele [Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia] era um besta”.
Na imagem vê-se um suposto carro alegórico que terá participado no Carnaval de Viareggio, em Itália. Destaca-se um boneco com o rosto de Zelensky com a bandeira dos Estados Unidos da América (EUA) numa mão e o que parece ser uma bandeira nazi na outra mão. Mais, o boneco de Zelensky está como que a sair do rabo de um outro boneco que representa o “Tio Sam”, símbolo nacional dos EUA.
Comecemos pelas datas. A publicação original foi feita no dia 3 de fevereiro, mas o Carnaval de Viareggio só começou no dia seguinte. O evento realizou-se nos dias 4, 12, 16, 19, 21 e 25 desse mês. Através de ferramentas de análise de imagens verificamos que se trata de uma fotografia manipulada, a partir de uma outra datada de março de 2003. Na imagem original, o boneco tem o rosto não de Zelensky, mas sim de Angela Merkel, chancelerda Alemanha entre 2005 e 2021.
A imagem foi captada no desfile de Carnaval da cidade de Düsseldorf, na Alemanha, em 2003. Nessa altura, Merkel ainda não era chanceler, mas já liderava a CDU, principal partido da oposição ao Governo do SPD então liderado por Gerhard Schröder.
Foi caricaturada desta forma no Carnaval de Düsseldorf por causa do seu apoio à Guerra no Iraque (2003) desencadeada pelos EUA, sob a liderança de George W. Bush e sob o falso pretexto das supostas armas de destruição maciça do regime de Saddam Hussein que nunca foram encontradas.
Schröder opôs-se à Guerra no Iraque, ao contrário de Merkel.
Importa ainda notar que, além da troca de rostos, a imagem também foi manipulada numa das bandeiras. Na original, Merkel empunhava duas bandeiras dos EUA. Na manipulada, Zelensky surge com uma bandeira nazi.
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Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto “EUROPA”. O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar.