Apelidou-o de ditador por evitar eleições, acusou-o de fazer “um trabalho horrível” e culpou-o pelo início da guerra na Ucrânia. Donald Trump marcou um ponto de rutura com Volodymyr Zelensky ao fazer acusações graves sobre o homólogo ucraniano no que toca à gestão do conflito. Já são consideradas as mais duras declarações do presidente dos Estados Unidos da América à Ucrânia e estão a ser repudiadas por vários republicanos.
Desde que regressou à Casa Branca – fez esta quinta-feira um mês – Donald Trump tem sido protagonista de diversas polémicas, seja pelo recorde em ordens executivas ou pelas medidas controversas da sua administração. Desta vez, com a aproximação do terceiro ano de guerra na Ucrânia, Volodymyr Zelensky não escapou às críticas. O Polígrafo reuniu algumas das mentiras ditas, nos últimos dias, pelo líder norte-americano sobre a guerra na Ucrânia.
Ucrânia começou a guerra
“Estão lá há três anos. Deviam ter acabado com isto. Nunca o deviam ter começado. Podiam ter feito um acordo”, disse Donald Trump, visando Volodymyr Zelensky.
A alegação de que foi a Ucrânia que “começou” a guerra e de que o país é o culpado pela invasão provocou uma forte indignação na Ucrânia e nos seus aliados.
A cobertura noticiosa e as Nações Unidas registaram a invasão russa da Ucrânia em tempo real. A 24 de fevereiro de 2022, às 6h00 da manhã, o exército russo atravessou a fronteira, dando início àquilo que Vladimir Putin classificou como “operação militar especial”, já descrita por analistas como a maior desde a Segunda Guerra Mundial.
“O objetivo desta operação é proteger as pessoas que, há oito anos, enfrentam a humilhação e o genocídio perpetrados pelo regime de Kiev. Para o efeito, procuraremos desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia, bem como levar a julgamento aqueles que perpetraram numerosos crimes sangrentos contra civis, incluindo contra cidadãos da Federação Russa”, referiu o presidente russo à data dos factos.
O ataque seguiu-se a semanas de manobras russas que incluíram a realização de um exercício militar em grande escala ao longo da fronteira da Rússia com a Ucrânia, que os EUA estimaram incluir 190 mil soldados russos, recorda o “Politifact”.
Zelensky tem uma taxa de aprovação de 4%
Em declarações em Mar-a-Lago, Trump considerou que a Ucrânia deveria realizar eleições porque o líder ucraniano tem, alegadamente, um baixo índice de aprovação.”Temos uma situação em que não houve eleições na Ucrânia, em que temos uma Lei Marcial, em que o líder da Ucrânia, detesto dizê-lo, mas tem um índice de aprovação de 4%”, apontou.
No entanto, a percentagem apresentada pelo líder norte-americano está errada. O índice de aprovação mais baixo que Zelensky teve foi de 37%, e foi registado antes da invasão russa à Ucrânia.
De acordo com o Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, o índice de aprovação de Volodymyr Zelensky atingiu os 57% em fevereiro. Estes dados foram baseados em entrevistas telefónicas, em que foram entrevistadas mil inquiridos com idade igual ou superior a 18 anos, que viviam em território controlado pela Ucrânia.

Esta quarta-feira, em Kiev, Zelensky disse que o número apresentado por Donald Trump era “desinformação” com origem na Rússia. “Infelizmente vive neste espaço de desinformação”, considerou. O Presidente da Ucrânia disse ainda que vai pedir a especialistas em sondagens que partilhem os dados com a administração Trump.
EUA gastaram 350 mil milhões de dólares na guerra na Ucrânia
“Pensem nisto: um comediante de sucesso modesto, Volodymyr Zelensky, convenceu os Estados Unidos da América a gastar 350 mil milhões de dólares [cerca de 335 mil milhões de euros] para entrar numa guerra que não podia ser ganha, que nunca teve de começar, mas uma guerra que ele, sem os EUA e ‘Trump’, nunca conseguirá resolver”, escreveu Donald Trump na Truth Social.
A verdade é que existem diferentes dados sobre o montante destinado pelos EUA à Ucrânia, mas não há registo de que tenham sido disponibilizados 350 mil milhões de dólares.
Segundo o Instituto Kiel para a Economia Mundial, os EUA comprometeram um total de cerca de 124 mil milhões de dólares (cerca de 118 mil milhões de euros) em ajuda militar, financeira e humanitária à Ucrânia entre o final de janeiro de 2022, pouco antes da invasão russa, e o final de dezembro de 2024.
De acordo com o “Ukraine Oversight”, a 30 de setembro de 2024 o financiamento da resposta dos EUA à Ucrânia totalizava quase 183 mil milhões de dólares (cerca de 175 mil milhões de euros).
O dinheiro da ajuda “desaparecido”
“Zelensky admite que metade do dinheiro que lhe enviámos está ‘desaparecido’”, escreveu ainda Donald Trump.
A verdade é que Zelensky não fez tal admissão. Numa entrevista à “Associated Press”, o presidente ucraniano explicou que uma grande parte do total do financiamento dos EUA à guerra na Ucrânia não foi entregue ao Governo ucraniano sob a forma de numerário.
“Quando se diz que a Ucrânia recebeu 200 mil milhões de dólares para apoiar o exército durante a guerra, isso não é verdade. Não sei para onde foi todo esse dinheiro. Talvez seja verdade no papel, com centenas de programas diferentes. Mas, na realidade, recebemos cerca de 76 mil milhões de dólares (72 mil milhões de euros). É uma ajuda significativa, mas não são 200 mil milhões de dólares (cerca de 190 mil milhões de euros)”, explicou na entrevista, traduzida pelo Ukrainska Pravda.
Guerra com milhões de mortos
“Quando se vê o que aconteceu na Ucrânia, com milhões de pessoas mortas, incluindo soldados, e uma grande percentagem das suas cidades destruídas, não sei como é que alguém consegue viver lá”, referiu Donald Trump.
Embora sejam desconhecidos os números exatos das vítimas mortais da guerra na Ucrânia, não há registo de nenhuma estimativa credível que coloque o número de mortos na casa dos milhões.
Em janeiro, Zelensky afirmou que mais de 46 mil soldados ucranianos e que outras “dezenas de milhares de civis” morreram durante a guerra. No entanto, apontou que não conseguiria precisar um número exato até que o conflito terminasse.
Segundo a “AP News”, os dados mais recentes do Ministério da Defesa russo, publicados em janeiro de 2023, apontavam para pouco mais de seis mil mortes de militares, embora os relatórios das autoridades dos EUA e do Reino Unido indiquem um número significativamente superior.