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Trump vs. Harris. Nove fact-checks ao debate presidencial que pode decidir o rumo dos EUA

Foram 90 minutos decisivos para Kamala Harris, do Partido Democrata, que obrigou Donald Trump a um discurso especialmente populista e repleto de mentiras. No debate transmitido esta madrugada, a vice-presidente norte-americana também errou em alguns tópicos importantes. Mas depois de um debate facilitado em junho contra um Joe Biden apagado, Trump volta à estatégia de 2016: mentir. E, nesse campeonato, foi mesmo o vencedor do frente-a-frente.
© EPA/DEMETRIUS FREEMAN / POOL

Donald Trump: “Deixámos 85 mil milhões de dólares em equipamento militar no Afeganistão”

A afirmação do ex-presidente é falsa. Embora uma quantidade significativa de equipamento militar fornecido pelos EUA às forças afegãs tenha sido, de facto, abandonada para os talibãs após a retirada dos EUA do Afeganistão, o Departamento de Defesa estimou que este equipamento valia cerca de 7,1 mil milhões de dólares – uma parte dos aproximadamente 18,6 mil milhões de dólares em equipamento fornecido às forças afegãs entre 2005 e 2021. Além disso, parte do equipamento deixado para trás foi tornado inoperável antes da retirada das forças americanas.

Segundo a CNN, os “85 mil milhões de dólares” são um número aproximado referente ao montante total de dinheiro que o Congresso destinou durante a guerra para um fundo de apoio às forças de segurança afegãs. Uma parte minoritária deste financiamento foi destinada a equipamento.

Avaliação do Polígrafo: Pimenta na Língua

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Kamala Harris: “Donald Trump, o candidato, disse nesta eleição que haverá um banho de sangue se o resultado não for do seu agrado”

Esta alegação faz referência a declarações proferidas por Donald Trump durante um discurso de campanha, em março passado. Mas, tal como tinha já constatado o Polígrafo, o ex-presidente dos Estados Unidos fazia tal alusão em referência aos problemas da indústria automóvel no país – e às consequências que um novo mandato de Biden poderia ter nesse âmbito, na sua perspetiva.

Consultando a versão integral do discurso de Trump, divulgado pela cadeia de televisão norte-americana C-SPAN, a afirmação seguiu-se a um aviso deixado à China, sobre as “grandes e monstruosas fábricas de automóveis que estão a construir” no México: “Vamos impor uma tarifa de 100% a todos os carros que atravessarem a linha de demarcação, e não vão poder vender esses carros.”

Tendo acrescentado imediatamente: “Isto se eu for eleito. Agora, se eu não for eleito, vai ser um banho de sangue para toda a gente, isso vai ser o mínimo. Vai ser um banho de sangue para o país. Isso será o mínimo. Mas eles não vão vender esses carros.”

Avaliação do Polígrafo: Descontextualizado

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Donald Trump: “Kamala Harris quer confiscar as tuas [do eleitor] armas”

Esta afirmação é maioritariamente falsa. Kamala Harris não pretende confiscar todas as armas. Durante a sua candidatura às presidenciais de 2019, Harris disse o seguinte: “Apoio um programa obrigatório de recompra de armas” no caso de armas de assalto. Isto não abrangeria todas as armas: por exemplo, as pistolas são as mais populares. A campanha de Harris esclareceu ainda, em declarações ao “The New York Times”, que a vice-presidente apoia a proibição de armas de assalto, mas não a exigência de as vender ao Governo federal.

Avaliação do Polígrafo: Descontextualizado

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Donald Trump: “Inflação sob a presidência de Joe Biden foi a maior que já tivemos”

A afirmação de Trump é falsa. A taxa de inflação atual, de 2,9% em julho de 2024, está longe do recorde histórico de 23,7%, estabelecido em 1920. Apesar de a taxa de inflação ter atingido um máximo de 40 anos em junho de 2022, quando chegou aos 9,1%, o facto é que esta tem vindo a cair drasticamente desde então.

Há de resto outras taxas de inflação anual mais elevadas, como as registadas nas décadas de 1970 e início de 1980, quando o aumento de preços variou entre 12% e 15%.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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Donald Trump: “Migrantes de instituições mentais ou prisões estão a ser enviados para os EUA ilegalmente”

A afirmação já tinha sido verificada – e desmentida – em maio pelo jornal de verificação de factos “Politifact”, mas Donald Trump voltou a recorrer à alegação como se fosse verdadeira.

Já nessa altura, a campanha do ex-presidente não forneceu qualquer informação ou evidência que comprovasse as declarações de Trump. E o que é certo é que os o desmentem: as autoridades de imigração dos EUA detiveram cerca de 103.700 não-cidadãos (onde se incluem imigrantes legais, mas que não são cidadãos dos EUA) com condenações criminais entre 2021 a 2024, segundo dados federais. Ou seja, ficaram impedidos de entrar.

Apesar de os dados darem conta apenas das pessoas de que há registo, ou seja, de que o Governo federal tem conhecimento, os especialistas em imigração consideram que, apesar das limitações, não há provas que sustentem a declaração de Trump.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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Donald Trump: “Democratas querem executar bebés após o nascimento”

Donald Trump repete a acusação de que o Partido Democrata ambiciona matar bebés depois do nascimento, o que não representa um aborto, mas sim infanticídio, prática ilegal em todos os estados do país.

De referir que com a revogação de Roe vs. Wade, o poder de regular o aborto passou a dizer respeito a cada estado com limites e exceções distintas. Atualmente, há 14 estados com proibição total ou quase total do aborto, tais como o Alabama, Texas ou Oklahoma (ver aqui outros exemplos), com exceções diferentes, mas limitadas. Por exemplo, a exceção a esta proibição no Alabama é o risco de vida, saúde ou anomalias fetais. Já no Arkansas, a exceção é única e exclusivamente o risco de vida.

Além disso, não há qualquer registo público de que o Partido Democrata defenda a legalização do aborto (ou interrupção voluntária da gravidez) aos oito, nove meses ou “até depois do nascimento”, como indicou o ex-Presidente dos EUA.

A maioria dos Democratas apoia o acesso ao aborto até à viabilidade fetal, quando o feto é capaz de sobreviver fora do útero, normalmente por volta das 24 semanas de gravidez. O aborto além das 24 semanas é extremamente raro e apenas permitido em circunstâncias excecionais. Mesmo nessas circunstâncias, há estados que exigem o parecer de um segundo médico, por escrito, a concordar com a prática.

Avaliação do Polígrafo: Pimenta na Língua

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Kamala Harris: “Trump deixou a presidência dos EUA com a pior taxa de desemprego desde a Grande Depressão”

A alegação é exagerada. Trump não deixou o país com a pior taxa de desemprego desde a Grande Depressão, como esclareceu o jornal “Politifact”. A taxa de desemprego atingiu um recorde pós-Grande Depressão de 14,8% em abril de 2020, quando a pandemia começou a escalar e Trump ainda estava no cargo. Mas não “deixou” Biden ou Harris com uma taxa de desemprego recorde pós-Depressão uma vez que, em dezembro de 2020 (um mês antes de deixar o cargo), a taxa de desemprego tinha caído para 6,4%, sendo este um nível elevado, mas bem abaixo dos numerosos picos durante as recessões.

Avaliação do Polígrafo: Falso

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Donald Trump sobre imigrantes haitianos: “Em Springfield (Ohio), os imigrantes estão a comer os cães e os gatos. Estão a comer os animais de estimação das pessoas que lá vivem”

A alegação já tinha sido proferida, noutras ocasiões, pelo candidato do Partido Republicano, mas não tem qualquer tipo de fundamento. Foi essa a garantia que um porta-voz da cidade deixou ao “PolitiFact”. Segundo essa fonte, não foram recebidas quaisquer queixas que apontem para ocorrências desse tipo.

Além disso, em comunicado emitido esta terça-feira, após alegações semelhantes terem circulado nas redes sociais, a polícia de Springfield deixou a seguinte garantia, aqui citada pela Reuters: “Em resposta aos recentes rumores que alegam atividades criminosas por parte da população imigrante na nossa cidade, gostaríamos de esclarecer que não houve quaisquer relatos credíveis ou alegações específicas de animais de estimação que tenham sido agredidos, feridos ou abusados por indivíduos da comunidade imigrante.”

Avaliação do Polígrafo: Pimenta na Língua

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Kamala Harris: “A administração Trump provocou um défice comercial – um dos mais elevados de sempre na história da América”

Na verdade, de acordo com os cálculos do “PolitiFact”, o défice comercial de bens e serviços atingiu, durante os anos de governação de Trump, um máximo de cerca de 654 mil milhões de dólares – no ano de 2020. Um valor que, de facto, supera os atingidos durante a maioria dos executivos que se sucederam no período após a Segunda Guerra Mundial.

Porém, segundo nota também o “New York Times”, esse é um valor que fica abaixo do registado ao longo dos quatro anos da administração de George W. Bush – mas também dos três primeiros anos do executivo de Joe Biden, com Kamala Harris a vice-presidente (de 2021 a 2023). Em 2022, aliás, esse indicador atingiu um recorde.

Avaliação do Polígrafo: Impreciso

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