Os dois cenários parecem ter uma correlação direta: à medida que a tensão entre os Estados Unidos da América (EUA) e o Irão ia aumentando, nos primeiros dias do ano de 2020, cresciam também, nas redes sociais, as fotografias e os vídeos que reclamavam documentar os ataques militares entre os dois países, ocorridos em território do Iraque.
Algumas das publicações que ainda circulam, por exemplo, no Facebook, no WhatsApp e no YouTube, alegam mostrar os ataques do Irão a bases aéreas norte-americanas no Iraque, o momento exato em que o general iraniano Qassem Soleimani foi abatido junto ao aeroporto de Bagdad, no dia 3 de janeiro, e até as forças especiais dos EUA a matarem terroristas do Estado Islâmico na Síria.
Pois bem, quase todos esses vídeos são falsos, não por terem sido alvo de manipulação informática ou pertencerem a outros eventos reais que não aqueles a que dizem corresponder, mas por serem parte integrante de videojogos de guerra.
Comecemos pelas imagens que supostamente mostram o ataque que resultou na morte do general Qassem Soleimani, a 3 de janeiro. São dois clips de vídeo, difundidos no YouTube, e parecem ter sido gravados a partir do drone que lançou a ofensiva. Aparentemente vêem-se os mísseis a serem lançados e os carros, no solo, no preciso momento em que são atingidos.
Material mediaticamente espetacular, mas que não demorou muitas horas (inclusive pelo Polígrafo) a ser desmentido: fotografias captadas junto à viatura onde seguia Soleimani, instantes depois do ataque, reveladas por órgãos de comunicação social confiáveis, mostram que a paisagem dos vídeos não corresponde ao cenário real do ataque. Afinal, os clips que entretanto se tornaram virais fazem parte de um videojogo, o AC-130 Gunship Simulator, e já existem no YouTube, pelo menos, desde 2015. Um dos vídeos, cujo título associava as imagens ao ataque a Soleimani, ja foi retirado da plataforma de streaming por “violar as regras da comunidade”.
À semelhança destes exemplos, há muitos outros. Um deles alega mostrar um ataque a uma base dos EUA no Iraque, também nos primeiros dias do ano. Foi espalhado através do WhatsApp e seguia acompanhado por uma mensagem que dava como certo que se tratavam de “mísseis lançados pelo Irão em território iraquiano, onde estão as bases americanas”.
Também neste caso, o vídeo corresponde a um videojogo, mas o Arma III. O site de verificação de factos espanhol “Maldita.es” avança que as imagens têm origem numa gravação efetuada por um utilizador enquanto estava a jogar. Aliás, não é a primeira vez que são usadas para criar notícias falsas e boatos. Em setembro de 2019, o “Maldita.es” já as tinha desmentido, mas noutro âmbito, o de as imagens corresponderem a mísseis antiaéreos em Israel, no preciso em que o mecanismo de defesa impedia um ataque, como faziam então crer várias publicações no Facebook.
Destaque ainda para um terceiro vídeo, este um pouco mais antigo, mas que continuou a saltar de mural em mural ao longo de janeiro. Também partilhado sobretudo através do WhatsApp, mostra pessoas vestidas de negro na mira, ao que tudo indica, de um drone que, instantes depois, as executa.
A mensagem que antecede as imagens parece dar o contexto certo: “O vídeo seguinte mostra as forças especiais dos Estados Unidos a matar terroristas do Estado Islâmico na Síria, através de drones. (…) Agora estarão no paraíso, cada um, com as 42 virgens”. Há praticamente um ano, o “Maldita.es” já tinha garantido que as imagens nada tinham que ver com o Estado Islâmico e os militares norte-americanos. Na verdade fazem parte de um outro videojogo: Medal of Honor.
Ainda assim, e apesar dos boatos, é verdade que há vídeos a circular – geralmente partilhados por órgãos de comunicação social credíveis – que mostram os ataques às bases norte-americanos no Iraque, pelo Irão, nos primeiros dias de janeiro, além do ataque ao general Qassem Soleimani. Porém, as imagens reais têm muito menos detalhe e qualidade do que as falsas, uma vez que ou foram captadas por telemóveis à distância ou por câmaras de videovigilância.