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A torrente de desinformação e “fake news” sobre a epidemia do novo coronavírus na China

Este artigo tem mais de um ano
Vídeos de pessoas a caírem mortas nas ruas, registos de 2,8 milhões infetados e 112 mil mortos, teorias de conspiração em torno de hábitos alimentares dos chineses (sobretudo cobras, ratos, cães e morcegos), programas secretos de armas biológicas na China e pedidos de imposição da lei marcial nos EUA. O coronavírus originou uma série de conteúdos falsos ou enganadores nas redes sociais, à escala global.

As pessoas estão literalmente a cair mortas nas ruas

Espalharam-se pelas redes sociais diversos vídeos que supostamente mostram pessoas a colapsar nas ruas por causa do coronavírus, sobretudo na cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, epicentro do surto. Muitos desses vídeos são falsos. E alguns não são manipulados, nem antigos, nem captados noutros países, mas não é possível verificar se o aparente colapso das pessoas (deitadas no chão) se deveu ou não ao coronavírus.

No caso deste tweet, por exemplo, além de difundir um desses vídeos, indica que o diretor da Organização Mundial de Saúde terá dito que “cada país está por sua conta” relativamente à epidemia em curso. Ora, não há registo de que Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, tenha proferido tal afirmação. Trata-se de uma citação apócrifa.

Contabilizam-se 2,8 milhões infetados e 112 mil mortos

Publicado no dia 23 de janeiro, um artigo em língua inglesa, com origem nos EUA, apresenta números falsos e alarmistas sobre a amplitude da epidemia do novo coronavírus na China: 23 milhões de pessoas em quarentena; 2,8 milhões de pessoas infetadas; 112 mil pessoas mortas. Os dados oficiais mais recentes (divulgados no dia 28 de janeiro pelas autoridades chinesas) apontam para 5.974 pessoas infetadas e 132 pessoas mortas. Ou seja, números muito inferiores.

A culpa é da sopa de morcego

A origem do novo coronavírus (apelidado pela OMS como “2019-nCoV”) tem motivado diversas teorias de conspiração, nomeadamente em torno de hábitos alimentares dos chineses. A ingestão de cobras, ratos, cães e morcegos tem alimentado histórias tão macabras quanto preconceituosas, xenófobas/racistas ou simplesmente falsas.

Este vídeo partilhado no YouTube e outras plataformas, por exemplo, mostra supostamente uma mulher chinesa a segurar um morcego cozinhado em frente à câmara, dizendo a certa altura que “sabe a carne de frango“. Originou uma série de comentários insultuosos e odiosos, além de ser apresentado como ilustração da “origem” do surto de coronavírus, mas o facto é que o vídeo em causa foi filmado em 2016, no arquipélago de Palau, região da Micronésia, e não na China.

A mulher que aparece no vídeo é uma popular blogger chinesa, Wang Mengyun, que entretanto já pediu desculpa, em reação às muitas críticas que recebeu através das suas páginas nas redes sociais, ressalvando que não sabia que os morcegos podem ser portadores de vírus. Importa salientar que a origem ou causa deste novo coronavírus ainda não é conhecida, numa altura em que prosseguem as investigações.

O programa secreto de armas biológicas

Outra teoria de conspiração amplamente disseminada nas redes sociais aponta o dedo indicador a um suposto “programa secreto de armas biológicas” da China, sugerindo que o novo coronavírus terá sido criado no âmbito desse programa e o surto terá resultado de um derrame ou contaminação no Instituto de Virologia de Wuhan.

Na maior parte das publicações com esta história remete-se para dois artigos do “The Washington Times” que se baseiam numa fonte anónima apresentada como sendo “um ex-oficial de intelligence israelita”. A BBC sublinha que tal alegação não tem qualquer sustentação factual e que a própria fonte anónima é citada como dizendo que “até agora não há evidência” de que tenha ocorrido um derrame no Instituto de Virologia de Wuhan. Noutras variantes da história indica-se que a contaminação teve origem num “laboratório secreto”.

Agência federal pede lei marcial nos EUA

Retomando a vertente do alarmismo, destaque para uma notícia de 23 de janeiro dando conta de que a Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA) dos EUA terá pedido ao presidente Donald Trump para impor a lei marcial em território norte-americano, de forma a conter a propagação do coronavírus. Trata-se de uma clara fake news já sinalizada pela PolitiFact, plataforma norte-americana de fact-checking, mas entretanto foi difundida por milhares de pessoas nas redes sociais.

A médica/enfermeira chinesa que “revela a verdade”

Destaque também para um vídeo viral de uma suposta “médica” ou “enfermeira” (varia mediante diferentes versões do vídeo) chinesa da província de Hubei que “revela a verdade” sobre o coronavírus, desde logo que há cerca de 90 mil pessoas infetadas na China – e não 5.974, de acordo com os últimos dados oficiais.

A BBC salienta que o fato de proteção da mulher não coincide com os que são utilizados em Hubei e coloca em dúvida que se trate mesmo de uma médica ou enfermeira. No vídeo, a mulher também diz que o vírus tem um “segunda mutação” que pode infetar até 14 pessoas. No entanto, a OMS apresentou uma estimativa preliminar segundo a qual o número de infeções que podem ser causadas por um indivíduo portador do vírus situa-se no intervalo entre 1,4 e 2,5, pelo que essa alegação também não tem sustentação factual ou científica.

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