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Elections24Check: Mobilidade europeia e a desinformação poluidora sobre carros elétricos

Por: Polígrafo | 29 de junho, 2024, 12:43

Há algum tempo que o futuro da mobilidade europeia (e não só) é um tema recorrente nas redes sociais, nomeadamente no que concerne à dicotomia entre carros elétricos e carros a combustão. Porém, na antecipação às mais recentes eleições europeias, as falsidades e as narrativas que promovem a eletrificação como “mais poluidora” e “mais prejudicial” para o clima ganharam tração, não só em Portugal, mas noutros países, como podemos analisar na base de dados do projeto Elections24Check, uma iniciativa da European Fact-Checking Standards Network (EFCSN) que junta um consórcio de mais de 40 organizações de fact-checking em toda a Europa.

 

O relatório de abril de 2024 do Observatório Europeu dos Media Digitais (EDMO, na sigla inglesa) identificava que uma das principais verificações de factos realizadas em França teria sido sobre um alegado estudo que demonstrava que os veículos elétricos poluíam 1.850 vezes mais do que veículos movidos a combustível.

Várias publicações no Facebook e no X levaram a AFP a analisar os dados – ainda em março deste ano – e a demonstrar que tal não era verdade. Em Portugal, a narrativa chegou às redes sociais meses depois, em maio, e o Polígrafo desconstruiu a falsidade num fact-check que pode ser consultado na base de dados do Elections24Check.

“Os carros eléctricos poluem 1850 vezes mais do que os carros a gasolina, de acordo com um estudo do Reino Unido e do Canadá. Porquê investir tantos milhares de milhões na poluição? O imposto sobre o carbono é um tabarnak.” O texto desta publicação no Facebook enquadrava a partilha de um vídeo de uma outra conta, que apresentava a mesma informação, suportada pela imagem daquilo que parece ser uma notícia, em formato digital, sobre o tema.

Através da pesquisa por outras contas no Facebook e no X é possível saber que aquela informação começou a circular em meados de março, como notícia, em diversos sites – de natureza diferente, mas não em grandes órgãos de comunicação social – e que o estudo a que aludia era da Emissions Analytics, uma empresa britânica especializada na medição científica de emissões de substâncias poluentes por parte de todo o tipo de veículos.

Num desses sites, detalha-se que o estudo fez a comparação entre as partículas emitidas por um carro a gasolina e um carro elétrico durante 1.000 milhas, concluindo que o veículo elétrico poluía 1.850 vezes mais que o movido a combustível, devido aos pneus: “Embora muitos pensem nas emissões de gases de escape, o desgaste dos pneus desempenha um papel significativo na emissão de poluentes. A borracha sintética usada para criar pneus inclui certos produtos químicos que são liberados no ar, e os veículos elétricos pesam cerca de 30% mais do que os veículos a gasolina, logo liberam muito mais partículas.”

O Polígrafo confirmou que sim, o referido estudo existe. Mas será que foi mesmo esse o seu resultado e as suas conclusões?

Existe, de facto, um estudo da Emissions Analytics que envolve vários elementos da investigação que é citado nas redes sociais e outros sites já mencionados, designadamente a emissão de gases poluentes pelos veículos a combustão e o valor 1.850 como referência de uma comparação. O site da Emissions Analytics publicou uma nota sobre essa pesquisa a 8 de maio de 2022, pelo que se depreende que tenha sido concluída nesse mês ou em abril.

Essa mesma nota permite perceber que o sentido do estudo foi adulterado nas informações que foram veiculadas, quase dois anos depois. O que a Emissions Analytics compara é o dano ambiental causado pelo uso de pneus com o provocado pelos veículos a gasóleo ou gasolina. Isto é, não há qualquer confronto direto entre as emissões da combustão e as emissões dos elétricos, uma vez que, num dos termos da comparação – o que media a poluição proveniente dos pneus –, os motores a gasolina, gasóleo ou elétricos foram tratados de forma indiferenciada, todos contribuindo para uma cifra final comum.

À agência noticiosa AFP, Nick Molden (link arquivado), o fundador e CEO da Emission Analytics, refutou de forma categórica que aquele estudo da sua empresa tenha comparado carros a combustão e carros elétricos e que estes últimos fossem, afinal, mais poluentes: “O nosso estudo compara a massa de partículas finas produzidas pelos pneus à medida que se desgastam com a emitida pelos tubos de escape (…). É completamente falso inferir que o estudo demonstra uma maior poluição dos veículos elétricos em comparação com os carros não elétricos, particularmente tendo em conta as consideráveis emissões de CO2 dos tubos de escape.”

Mas esta falsidade esteve longe de ser caso único. Numa pesquisa pelo site do Elections24Check encontramos mais de três dezenas de verificações de factos sobre o tema, maioritariamente com duas narrativas principais: a de que os carros elétricos poluem tanto ou mais do que os carros a combustão e a de que os veículos elétricos são mais propensos a incendiarem-se, criando fogos mais difíceis (ou impossíveis) de extinguir com intervenção humana.

A desinformação sobre o tema mereceu a atenção dos verificadores de factos em vários países além de Portugal, como por exemplo, Albânia, França, Bélgica, Bósnia, Polónia, Croácia ou Espanha.