Numa altura em que todos os dias ouvimos os termos “identidade” ou “ideologia” de género, habitualmente para designar o mesmo, importa esclarecer que, apesar de referirem à mesma coisa, estes dois conceitos têm conotações diferentes associadas e o termo correto é identidade de género.
O que quer então dizer identidade de género?
A “identidade de género” refere-se ao “autorreconhecimento pessoal e profundo enquanto homem ou mulher, enquanto ambos, ou enquanto pessoa trans e/ou não binária”, como refere o glossário da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.
Esta não coincide necessariamente com o sexo, que se distingue de “género”. Enquanto “sexo” refere-se às características biológicas que definem os seres humanos como feminino ou masculino, o “género” diz respeito às construções sociais, papéis, comportamentos e expectativas do que a sociedade considera “adequado” para homens ou mulheres numa determinada cultura.
De uma forma mais direta, o sexo são as “características biológicas e fisiológicas (genéticas, endócrinas e anatómicas) utilizadas para categorizar as pessoas como sendo integrantes da população masculina ou feminina”, lê-se nas Orientações Técnicas Internacionais sobre Educação em Sexualidade, documento produzido pela ONU e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Mas, esta é apenas uma parte da identidade de um ser humano, é a parte física e/ou biológica do indivíduo. Já o género é determinado pela maneira como o mesmo se sente e se percepciona, assim como a forma como este deseja ser reconhecido pelas outras pessoas.
O termo é muitas vezes atropelado pela chamada “ideologia de género”, que visa o mesmo, mas que é frequentemente utilizado de forma controversa para descrever questões de género que divergem das visões tradicionais ou conservadoras.
Mas qual a origem do termo “ideologia de género”?
De acordo com um artigo dos investigadores Richard Miskolci e Maximiliano Campana, da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, – publicado em 2017 na Revista Sociedade e Estado – o termo “ideologia de género” surgiu inicialmente em textos doutrinários da Igreja Católica em 1997, escritos pelo então cardeal e futuro papa Bento XVI, o alemão Joseph Ratzinger.
Escrevia o seguinte: “Atualmente se considera a mulher como um ser oprimido; assim que a liberação da mulher serve de centro nuclear para qualquer atividade de liberação tanto política como antropológica com o objetivo de liberar o ser humano de sua biologia (…). Tudo isso, no fundo, dissimula uma insurreição do homem contra os limites que leva consigo como ser biológico.”
Miskolci e Campana defendem, nesse artigo publicado em 2017, que este parágrafo “se constituiria uma peça-chave para começar a desenhar uma contraofensiva político-discursiva poderosa contra o feminismo e sua proposta de reconhecimento e avanço em matéria de direitos sexuais e reprodutivos”.
Esta era uma reação direta às resoluções da Conferência Mundial de Beijing sobre a Mulher, em 1995, que orientou a substituição do termo “mulher” por “género” nos documentos da ONU. Segundo o artigo, a discussão adensa-se na América Latina em 2007 com o relatório da V Conferência Geral do Celam, o “Documento de Aparecida“.
Este afirmava que a “ideologia de género” não considera diferenças dadas pela natureza e “tem provocado modificações legais que ferem gravemente a dignidade do matrimónio, o respeito ao direito à vida e a identidade da família”.
Em suma, a “ideologia de género” tem sido usada como expressão depreciativa por grupos conservadores contrários às discussões relacionadas com o feminismo, a sexualidade e diversidade. Por trás deste uso pejorativo está a crença de que a “ideologia” faz parte de um plano para destruir a família cristã tradicional e a heterossexualidade. No entanto, este não é um termo reconhecido pelos académicos que utilizam antes “identidade de género”.
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Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto “Geração V – em nome da Verdade”, uma rede nacional de jovens fact-checkers. O projeto foi concretizado em parceria com a Fundação Porticus, que o financia. Os dados, informações ou pontos de vista expressos neste âmbito, são da responsabilidade dos autores, pessoas entrevistadas, editores e do próprio Polígrafo enquanto coordenador do projeto.
*Texto editado por Marta Ferreira.