A insistência das bancadas parlamentares e o estado crítico do ministério da Saúde aliam-se há semanas para dificultar a vida a Luís Montenegro, que só ontem à tarde admitiu atrasos nas cirurgias oncológicas. O Primeiro-Ministro tem evitado falar sobre indicadores importantes para medir o avanço das suas próprias promessas, como o número de doentes oncológicos com cirurgia agendada mas com o TMRG ultrapassado.
Desde outubro, Montenegro já falou em zero, 148 e agora quase dois mil doentes à espera de cirurgia. Vale a pena destacar que, ao longo destes quatro meses, o PM manteve sempre o pressuposto inicial: não há listas de espera na oncologia. Mesmo ontem, quando assumiu no Parlamento uma lista de espera bastante longa, Montenegro garantiu que, mesmo com tempo de espera ultrapassado, todos os doentes já tinham cirurgia agendada, o que não é suficiente para os eliminar das estatísticas como tem feito o Governante.
Congresso do PSD – 20 de outubro de 2024
“O cancro é uma doença devastadora. Não inventámos a cura, mas hoje, ao contrário do que acontecia há seis meses, nenhum doente oncológico espera mais do que o tempo recomendado para ter uma cirurgia“, disse o líder do PSD na abertura do 42.º Congresso Nacional do partido em Braga. Luís Montenegro ocupou os mais de vinte minutos de discurso a apontar as principais diferenças entre o seu Governo e o Executivo de António Costa: criticou a herança deixada pelos socialistas e vendeu os seus feitos. “Estamos a falar de situações onde a cirurgia muitas vezes significa viver. Quando nos dizem que somos iguais àqueles que aqui estiveram antes, olhem para decisões destas e percebam: estamos a fazer diferente e estamos a fazer a diferença”.
Naquela altura, a diferença era óbvia: depois de pôr em prática o plano OncoStop, entre 1 de maio e 30 de agosto foram feitas 25.800 cirurgias a doentes com cancro e, segundo o então director executivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), António Gandra d’Almeida, no final de agosto numa entrevista à SIC Notícias, o programa de regularização de lista de espera para cirurgia oncológica estava já concluído e não havia, a essa data, doentes oncológicos a aguardar acima do prazo considerado clinicamente aceitável.
Apesar disso, e de acordo com a presidente da Federação Nacional dos Médicos, Joana Bordalo e Sá, numa entrevista ao semanário “Expresso” publicada a 5 de setembro, o “OncoStop” não passou de “uma medida de propaganda“. Segundo Bordalo e Sá foram realizadas cirurgias, mas a verdade é que a lista aumentara, àquela data, 0,3%. “Os doentes oncológicos têm cirurgia agendada, mas entre agendar e realizar vai uma grande distância”.
Debate do OE25 – 31 de outubro de 2024
“Teremos total transparência do posto de vista da saúde. Posso dizer-lhe, e é verdade, não há hoje doentes oncológicos em lista de espera com TMRG ultrapassado. Não há. Não há”. Palavras de Primeiro-Ministro no debate do Orçamento do Estado para 2025, perante dúvidas apresentadas por Pedro Nuno Santos.
Debate quinzenal – 15 de janeiro
No debate quinzenal, em janeiro, Luís Montenegro indicou, em resposta ao deputado Paulo Raimundo, que não havia nesse dia “lista de espera” de doentes oncológicos, ou seja, não havia “tempo máximo de resposta garantido ultrapassado” para nenhum doente. Ainda assim, o PM lembrou que em 148 casos não podia haver intervenção cirúrgica por “razões clínicas”.
“Relativamente às cirurgias oncológicas, estou em condições de dizer que, tirando os casos onde clinicamente não é possível proceder à cirurgia, não há lista de espera na cirurgia oncológica. Isso acontece em 148 casos que, por razões clínicas, não podem ser alvo de uma intervenção”, afirmou Luís Montenegro.
Debate quinzenal – 5 de fevereiro
“Quanto às cirurgias oncológicas, há três situações possíveis: temos aqueles doentes que ultrapassaram o TMRG e não têm nem a sua cirurgia realizada nem o seu agendamento; temos aqueles que ultrapassaram o TMRG, mas já têm a sua cirurgia programada, calendarizada e marcada; e temos os outros que entretanto foram intervencionados dentro do TMRG”. O resumo de Luís Montenegro foi o mais claro, até agora, e deixa adivinhar a distinção que o PM faz entre os três conceitos, já que, para as estatísticas do Governo, só o primeiro parece importar.
“Para tentar ser mais direto”, precisou Montenegro em resposta a Paulo Raimundo (PCP), “vou dar-lhe os dados de que disponho”. Os números mostram que, a 31 de janeiro de 2024, “havia 2.660 portugueses com um TMRG ultrapassado nas cirurgias oncológicas. Desses, 1.568 estavam por agendar”. A 31 de janeiro deste ano, “havia 1.846 pessoas doentes em oncologia com o TMRG ultrapassado, dos quais 1475 já estavam agendados. Ou seja, só estão por agendar 371″.
“Eram 146 da última vez que aqui estive, se não estou em erro”, errou Montenegro, confiando logo depois no número 148 que Pedro Nuno Santos disse minutos antes. “E eu disse-lhe, nessa ocasião, que estes casos, a grande maioria, não teve a sua intervenção agendada por razões clínicas”, completou o PM.
Entre 15 de janeiro e 5 de fevereiro, várias notícias davam conta de que havia, à data de 31 de dezembro de 2024, 1291 doentes a aguardar cirurgia oncológica para lá do tempo máximo de resposta garantida. Montenegro, com um jogo de palavras, disfarçou o “agendamento” das cirurgias com a intervenção efetiva. Ou seja, em janeiro, quando disse que não havia “lista de espera” de doentes oncológicos, esqueceu-se de dizer que a lista não só existia como superava o milhar de utentes. Ainda que tivessem as cirurgias agendadas, o TMRG já tinha sido ultrapassado e a promessa do Governo já tinha sido “quebrada”.
Dados enviados ao Polígrafo pelo SNS já mostravam, em novembro de 2024, que havia nesse mês 8.881 inscritos a aguardar cirurgia oncológica (8.921 em novembro de 2023), 1.082 dos quais com TMRG ultrapassado e 168 na mesma situação mas sem data de agendamento. Ou seja, um total de 1250 doentes.
Tendo em conta os dados fornecidos pelo PM ao Parlamento, este número até aumentou em janeiro de 2025 para os 1.846 doentes.
É, assim, verdade que Luís Montenegro tem fornecido ao país números (e indicadores) diferentes quando aos doentes oncológicos à espera de cirurgia. Além disso, o PM omitiu ao país o número de doentes que, mesmo com cirurgia agendada, já tinham ultrapassado o TMRG. Recorde-se que era este o objetivo do Executivo: acabar com os tempos de espera nas cirurgias oncológicas.
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Avaliação do Polígrafo: