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Vítimas portuguesas da queda de avião na Índia obtiveram a nacionalidade sem terem vindo a Portugal?

Política
O que está em causa?
"Assim é impossível ser um país a sério", condena o líder do Chega nas redes sociais. Em causa estão as últimas atualizações sobre sete vítimas portuguesas da trágica queda de um avião na Índia, que não só não tinham qualquer família em Portugal como nem precisaram de se deslocar até ao país em causa para obter a nacionalidade. No entanto, a lei portuguesa prevê esta possibilidade.
© EPA

Se inicialmente a notícia de que sete passageiros portugueses seguiam a bordo do avião que se despenhou na Índia gerou um sentimento de solidariedade nacional, à medida que foram sendo conhecidas mais informações, o caso ganhou novos contornos. As vítimas receberam a nacionalidade portuguesa sem terem vindo ao país, o que levou André Ventura, presidente do Chega, a criticar publicamente as políticas de atribuição da cidadania.

“Aparentemente os ‘portugueses’ que perderam a vida na queda de um avião na Índia obtiveram a nacionalidade sem nunca sequer terem vindo a Portugal. Eram portugueses de passaporte comprado no supermercado. Assim é impossível ser um país a sério!”, escreveu o líder do Chega nas redes sociais.

Em causa está uma notícia da Rádio Renascença que, citando a Polícia Judiciária, refere que as vítimas obtiveram a nacionalidade sem terem vivido em Portugal e que residiam no Reino Unido. Antes disso, o Ministério dos Negócios Estrangeiros já tinha informado que nenhum dos sete cidadãos tinha familiares a residir em Portugal.

Contudo, importa ressalvar que a lei prevê situações em que cidadãos possam requerer a nacionalidade sem a obrigação de estar no país. E que tal não é algo exclusivo em Portugal.

Contactado pelo Polígrafo, o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) confirmou que seis dos sete cidadãos adquiriram a nacionalidade portuguesa por serem filhos de cidadãos portugueses nascidos nos territórios do antigo Estado Português da Índia. Já o sétimo cidadão, nascido numa antiga colónia africana, obteve a nacionalidade ao abrigo do Decreto-Lei n.º 308-A/75, de 24 de junho, um regime legal especial que regulou a situação de pessoas nascidas nas ex-colónias aquando da independência.

Os processos de obtenção de nacionalidade destes sete cidadãos decorreram entre 2009 e 2015.

A advogada Ana Sofia Lamares, sócia-fundadora da Lamares, Capela & Associados, explica ao Polígrafo que “a Lei da Nacionalidade portuguesa, tal como outras leis internacionais similares, prevê há décadas que a nacionalidade portuguesa pode ser atribuída por filiação (ius sanguinis) – ou seja, por laços de sangue, independentemente do local de nascimento ou de residência do requerente”.

A situação dos seis descendentes de cidadãos nascidos nos territórios do antigo Estado Português da Índia está enquadrada na alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei da Nacionalidade, que diz que são portugueses “os filhos de mãe portuguesa ou de pai português nascidos no estrangeiro se tiverem o seu nascimento inscrito no registo civil português ou se declararem que querem ser portugueses”.

Segundo esclarece a especialista em Direito da nacionalidade, a norma aplica-se mesmo sem qualquer exigência de ligação efetiva a Portugal – ou seja, não é necessário ter visitado, vivido ou mantido qualquer contacto com o país para que o direito à nacionalidade exista.

“Na prática, isto significa que o filho de um cidadão português é automaticamente elegível para obter a nacionalidade portuguesa, seja ele nascido em Portugal, na Índia, nos Estados Unidos ou em qualquer outro país. E não há limite de gerações: desde que se comprove a filiação a um cidadão português, o direito mantém-se”, refere Ana Sofia Lamares.

A advogada destaca ainda que este princípio que não é exclusivo da lei atual nem uma uma inovação portuguesa: “Já constava da legislação anterior e é comum em muitos ordenamentos jurídicos europeus e latino-americanos”.

Também no caso do outro cidadão mencionado, nascido numa ex-colónia africana, a atribuição da nacionalidade ao abrigo do regime especial legal não depende de qualquer deslocação a Portugal.

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Avaliação do Polígrafo:

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