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Ventura diz que o Estado “virou completamente as costas” aos “retornados” depois do 25 de abril. Confirma-se?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
No dia em que se celebrou o 48.º aniversário da "Revolução dos Cravos", André Ventura - que saiu do Parlamento quando se ouvia a "Grândola, Vila Morena" - foi entrevistado na CNN Portugal. Relativamente ao 25 de abril, o líder do Chega reconheceu algumas conquistas, mas lembrou também os "milhares, quase um milhão, de retornados que vieram de Angola, de Moçambique e a quem o Estado virou completamente as costas". Tem razão?

Confrontado com as principais conquistas do fim da ditadura em Portugal, como a criação de um salário mínimo garantido, André Ventura assumiu, esta segunda-feira à noite na CNN Portugal, que essas foram vitórias importantes. Mas não sem referir alguns dos problemas que vieram com a “Revolução dos Cravos”:

“Nós podemos dizer isso e ao mesmo tempo fazer a crítica do que falhámos. E não só dizer assim: ‘Pronto, está tudo bem, estamos no caminho certo. Foi um caminho extraordinário.’ Mas também houve expropriações, também houve nacionalizações forçadas, também houve prisões arbitrárias, houve pessoas que perderam tudo. E eu hoje toquei num ponto que nunca tinha sido dado na Assembleia da República, no 25 de abril, e que eu acho que é da mais elementar justiça. Os milhares, quase um milhão, de retornados que vieram de Angola, de Moçambique e a quem o Estado virou completamente as costas. Estas pessoas onde é que estão no âmbito das conquistas do 25 de abril?”

No que concerne aos “retornados”, Ventura tem razão?

Não. É de facto verdade que a revolução e subsequente independência das colónias africanas fizeram com que milhares de cidadãos portugueses (e não portugueses) regressassem a Portugal durante os anos de 1974 a 1976. Foram, pelo menos, meio de milhão de cidadãos desalojados, que chegavam das antigas colónias, e que o país se viu obrigado a ajudar. De acordo com informação divulgada pelo Arquivo Distrital do Porto, “o fim da guerra colonial implicou o processo de descolonização e o nascimento de novos países” e, a par com “a provável crise de emprego nos principais países destinatários da emigração portuguesa e a crescente instabilidade e segurança indiciavam o retorno em massa de emigrantes ao país”, o Estado Português “sentiu a necessidade de apoiar a integração na vida nacional desses cidadãos“.

Na prática, as prioridades incluíam encontrar habitação, emprego e integrar essas pessoas. Para isso foi criado o Grupo de Apoio aos Desalojados do Ultramar (GADU), “o qual prestou auxílios de emergência“, informa o arquivo do Museu da Presidência.

“Este Grupo desenvolveu atividades múltiplas, e cada vez mais exigentes, perante o crescente afluxo de pessoas e famílias. Esse afluxo mostrou-se muito grave logo no início de 1975 e o GADU não encontrou respostas necessárias nas diversas estruturas da Administração Pública, as quais resolveram ignorar o problema. Foi preciso criar um serviço nacional que desse respostas“.

Neste contexto, através “do Decreto-Lei nº 169/75 de 31 de Março foi criado, na Presidência do Conselho de Ministros, o Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN)”. Este instituto tinha como objetivo “estudar e propor superiormente as medidas necessárias para a integração na vida nacional do todos os cidadãos portugueses” e “dar parecer ou encarregar-se dos assuntos que lhe forem cometidos e que dentro da sua esfera de ação possam estar diretamente ou indiretamente ligados aos processo de descolonização em curso e ao possível retorno de emigrantes”.

“Na prática, estas diretivas traduziram-se nas seguintes atividades: empréstimos para integração; prestações sociais de apoio à infância, terceira idade e deficientes; facilidades no retorno de bagagens e viaturas; subsídios de emergência; apoios nos transportes, alojamento, habitação; concessão de bolsas de estudo, géneros alimentícios e vestuário. No entanto, em virtude da conjuntura política nacional caraterizada pela sucessão de acontecimentos e da função a curto prazo acometida ao referido Instituto, o seu quadro jurídico institucional foi sendo sucessivamente objeto de alterações e adaptações, todas elas visando adequar o serviço a essa evolução e às necessidades dela decorrentes”, informa o mesmo portal.

Mais tarde, e por necessidade de uma “estrutura mais complexa em articulação com a globalidade da política económica e social do país”, a 10 de Setembro de 1976 foi criado, na Presidência do Conselho de Ministros, o Comissariado para os Desalojados, que tinha como objetivo “o estudo, coordenação, e efetivação das medidas necessárias à completa inserção na vida nacional e, eventualmente, a fixação, em país estrangeiro, dos cidadãos portugueses provenientes dos antigos territórios ultramarinos. A sua ação era exercida no território nacional, podendo trabalhar em colaboração com instituições e organismos públicos e privados, com o intuito de promover a descentralização de serviços e competências”.

Este Comissariado viria a ser extinto a 30 de agosto de 1979 e o IARN a 2 de maio de 1981, através do Decreto-Lei nº 97/81, nomeando-se uma “comissão liquidatária”.

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