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Utilização de máscaras para evitar contágio de Covid-19 é prejudicial à saúde?

Coronavírus
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Em vídeo publicado no YouTube, visualizado e partilhado por milhares de pessoas, um suposto médico brasileiro alega que a utilização de máscaras "só é boa para o vírus, porque ele se propaga graças a isso". Mais, alerta que é prejudicial à saúde, na medida em que "acidifica o sangue", entre outros riscos ou efeitos nocivos. Verificação de factos.

“A máscara serve para você usar quando estiver falando com alguém com menos de 1,5 metros de distância. Fora isso, não tem serventia. Só é boa para o vírus, porque ele se propaga graças a disso. Com a máscara, o gás carbónico não sai com facilidade, e na próxima vez em que você mandar o ar para os pulmões, você vai levar partículas de gás carbónico novamente para dentro dos pulmões. Essas partículas voltam para o sangue na troca gasosa e esse gás carbónico, misturando com a água, forma o ácido carbónico. Acidifica o sangue. E acidificando, você vai ter um meio propício, ideal para o vírus, que precisa de ácido”.

Estas são algumas das declarações proferidas por um suposto médico brasileiro, em vídeo publicado no YouTube, no qual defende que a utilização de máscaras é prejudicial à saúde.

médico brasileiro

O protagonista do vídeo até indica o seu número de telemóvel para quem pretender marcar consultas. Mas será que as principais alegações veiculadas no vídeo, em torno da utilização de máscaras, têm validade científica?

Questionado pelo Polígrafo, o virologista Celso Cunha, professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, garante que “ a explicação do médico brasileiro para os eventuais efeitos prejudiciais do uso de máscara é pura e simplesmente mentira”.

“Quando respiramos, com ou sem máscara, o dióxido de carbono e outros gases são expelidos e a quantidade que é reinalada é negligenciável porque a máscara deixa espaço para o ar sair”, explica, apresentando depois um exemplo prático: “Os óculos podem ficar embaciados devido ao ar quente dos pulmões que é expelido”.

Além disso, acrescenta, “mesmo que fosse verdade que com máscara o CO₂ (dióxido de carbono) é reínalado, o pH do sangue não seria muito alterado, nomeadamente acidificado”. Isto porque se o fosse, “as células sanguíneas poderiam ser danificadas e poder-se-ia eventualmente morrer”.

O especialista garante ainda que “mesmo que o pH do sangue fosse muito alterado e se conseguisse sobreviver, o que não acontece, para o vírus seria quase indiferente, porque é capaz de se manter viável numa gama de pH relativamente alargada”. 

Segundo Celso Cunha, abaixo de pH 3  e acima de pH 12, o vírus pode ser inativado com alguma eficácia, mas estes valores são “incompatíveis” com a vida das células do sangue.  “Por isso, não é possível inativar o vírus manipulando o pH do sangue, porque estaríamos a prejudicar seriamente a nossa saúde e poderíamos morrer”, esclarece.

O virologista Tiago Marques, em declarações ao Polígrafo, também assegura que “cientificamente não é possível” que o vírus se alimente de ácido, ao contrário do que alega o protagonista vídeo, “tal como também não é possível proliferar na máscara uma vez que os vírus não têm metabolismo próprio”. Ou seja, “necessita de células vivas – neste caso pulmonares – para se multiplicar, aproveitando a maquinaria celular”.

Por outro lado, Tiago Marques sublinha que a quantidade de CO₂ retida pela máscara “é muito insuficiente para causar esse tipo de desequilíbrios no pH”. A excepção, pondera, talvez sejam os doentes respiratórios muito graves, mas o virologista duvida que um paciente desses “tolerasse o uso da máscara por várias horas”.

Relembrando as epidemias de síndrome respiratória aguda grave (SARS) no passado, o especialista relembra ainda que o uso de máscaras N95 pelos profissionais de saúde por períodos prolongados foi “associado a cefaleias, dores de cabeça, mas não mais do que isso”.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente Falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

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