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Uso prolongado de máscaras pode provocar hipoxia?

Coronavírus
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Em mensagem viral nas redes sociais alerta-se para o perigo da utilização de máscara durante longos períodos de tempo. De acordo com o texto da publicação, respirar sob a máscara pode provocar hipoxia, ou seja, a redução do oxigénio no sangue e a intoxicação por dióxido de carbono. Verdade ou falsidade?

Tornou-se obrigatório o uso de máscara em espaços públicos, transportes e estabelecimentos comerciais. No âmbito do processo em curso de desconfinamento gradual, as autoridades implementaram medidas de proteção visando evitar uma nova vaga de propagação do coronavírus, com destaque para as máscaras.

Entretanto começou a espalhar-se pelas redes sociais uma mensagem – em várias línguas – que alerta para o perigo da utilização de máscara durante longos períodos de tempo, sublinhando que “o uso prolongado da máscara pode provocar hipoxia”.

“Respirar repetidamente o ar exalado torna-se dióxido de carbono. Isso pode intoxicar o utilizador e fazê-lo ficar estonteado provocando desconforto, perda de reflexos, consistência de pensamento e gerando grande cansaço (…). É recomendável só usar a máscara se tiver em contactos muito próximos. É importante levantar a máscara a cada 10 minutos para que o ar que respira possa ser considerado saudável”, indica-se no texto da publicação.

Esta informação é falsa. Apesar dos sintomas descritos serem, de facto, as consequências de uma intoxicação por CO2, isto não acontece com a utilização de máscaras.

“O que é descrito [na mensagem] era o que aconteceria se respirássemos para um saco pequeno durante uma hora”, explica Tiago Alfaro, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e professor de Pneumologia na Universidade de Coimbra, questionado pelo Polígrafo. “Respirar para dentro de um saco durante uma ou duas horas tem riscos. Nesse caso, a pessoa está sempre a respirar o mesmo ar – o oxigénio reduz, o CO2 aumenta – e, em última análise, a pessoa acaba por morrer asfixiada”.

“Isso nunca acontece com a máscara porque a máscara não é um saco”, ressalva Tiago Alfaro. “A máscara deixa o ar entrar e sair e todas as máscaras utilizadas, naturalmente, são permeáveis ao ar. Numa máscara que é permeável, ainda assim, pode existir uma pequena quantidade de ar que fica mesmo em frente à boca – atrás da máscara – e essa quantidade de ar acaba por ser inalada e exalada. Mas é uma quantidade tão pequena que não faz diferença nenhuma. Nunca teria esses efeitos dramáticos que são descritos”.

As máscaras regularmente utilizadas nos hospitais – desde as máscaras cirúrgicas até aos respiradores – têm sido alvo de vários estudos ao longo do tempo. “Há estudos sobre a possibilidade de que haja redução do oxigénio ou aumento do CO2”, mas nunca foi encontrada nenhuma relação entre os dois fatores, salienta o pneumologista. “Aquilo que se encontrou é que, especialmente nas máscaras P2, dão alguma dor de cabeça, principalmente quando utilizamos os óculos associados – quando estão apertados ou quando utilizamos muitas horas. O que acontece é desconforto, não é propriamente redução de oxigénio e elevação de CO2”, assegura.

De resto, Tiago Alfaro avisa que a recomendação de retirar a máscara de 10 em 10 minutos poderá ser perigoso e contraproducente, na medida em que “traz o risco grave de a pessoa pôr as mãos na frente da máscara e, com isso, fazer exatamente o que não se quer com a máscara. Um dos objetivos da máscara é evitar levar a mão à cara”. Nesse âmbito explica que a máscara deve ser sempre colocada e posta pelos atilhos que prendem às orelhas, “precisamente para não colocar a mão na parte da máscara que pode estar infetada”. 

Existem três tipos de máscaras: os respiradores, as máscaras cirúrgicas e as máscaras não-cirúrgicas, comunitárias ou de uso social. Cada uma delas tem níveis de permeabilidade diferentes, com base na função que irão desempenhar. Os dispositivos médicos e equipamentos de proteção individual reutilizáveis – segundo as especificações técnicas da utilização de máscaras no âmbito da Covid-19, publicadas pelo Infarmed e pela Direção-Geral da Saúde – devem ter uma “respirabilidade de 8l/min”, resistir a uma pressão de “40Pa/s” e permitir “4h de uso ininterrupto sem degradação da capacidade de retenção de partículas nem da respirabilidade”.

O limite das quatro horas de utilização está relacionado com a humidade da máscara. Quando expiramos, além de CO2 é também libertado vapor de água que, ao embater na máscara, poderá condensar e humedecer o equipamento de proteção. “A humidade pode tornar as máscaras um bocadinho menos permeáveis e também reduz a filtração. Isso é um problema. Esse é o nosso principal limitante no hospital: quando utilizamos a mesma máscara muitas horas, ela fica húmida e nós sentimos isso. Temos de tirar e substituir a máscara porque ela já não está a fazer o seu papel de filtração”, esclarece o pneumologista.

No entanto, há máscaras sociais que estão a ser feitas em casa com recurso a diferentes tecidos e, por vezes, incluindo filtros de café. As autoridades indicam que estas máscaras também deverão ser testadas segundo os parâmetros especificados para os equipamentos de proteção individual, de forma a avaliar o desempenho da filtração. “Aquilo que tem sido recomendado nas notícias é utilizar uma camisola ou uma t-shirt de algodão e um filtro de café. Isso dá perfeita noção de que serão invariavelmente permeáveis e não trará complicações”, conclui Tiago Alfaro.

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebookeste conteúdo é:

Falso: as principais alegações dos conteúdos são factualmente imprecisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Falso” ou “Maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafoeste conteúdo é:

 

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