“A UE quer proibir o cultivo de frutas e legumes em hortas. Ainda não está decidido, mas a UE planeia controlar todas as sementes. A Comissão Europeia pretende obrigar os agricultores e os horticultores a utilizar sementes normalizadas no futuro. As variedades antigas e raras têm poucas hipóteses de serem autorizadas e o seu cultivo será punido por lei – mesmo que sejam cultivadas em hortas privadas.”
Este é o texto de uma publicação no Instagram que gerou milhares de partilhas (e o seu conteúdo bastante indignação), apresentado na forma de fac-símile de um site (blog), que termina com a indicação da fonte: a notícia do jornal digital Deutsche Wirtschaftsnachrichten.
Seguindo esta pista, contata-se que a notícia tem já mais de 10 anos (abril de 2013) e, em relação ao que é publicado no Instagram e no blog, contém desde logo uma diferença fundamental: o seu título usa o verbo regulamentar (“regulieren”) e não o verbo proibir (“verbieten”).
Também no desenvolvimento da notícia há diferenças sensíveis entre a versão original e aquela que nela se inspira. Enquanto o Deutsche Wirtschaftsnachrichten refere que “os pequenos agricultores ou particulares deixarão de ser autorizados a oferecer as suas sementes cultivadas localmente no futuro”, a publicação agora verificada garante que o seu cultivo [variedades antigas e raras] será punido por lei – mesmo que sejam cultivadas em hortas privadas”.
O que diz afinal a legislação europeia?
A polémica remonta, de facto, a 2013, e desde então, periodicamente, surgem publicações nas redes sociais ou outros sites que referem que a UE irá proibir a plantação de certas espécies, inclusive por particulares para fins de autoconsumo. Nesse ano, Bruxelas avançou com uma Proposta de Regulamento “relativo à produção e disponibilização no mercado de material de reprodução vegetal (lei do material de reprodução vegetal)”, que ficou conhecido como o “regulamento das sementes”. Esse projeto legislativo tinha, efetivamente, um caráter restritivo, mas em nenhum momento previa que passasse a ser proibida a plantação de algum tipo de fruta ou legume por parte de particulares, na sua horta.
A Comissão Europeia sentiu-se mesmo obrigada a dissipar as dúvidas que começaram a levantar-se sobre o tema, emitindo (em abril de 2013) um comunicado que, no essencial, esclarecia: “Os horticultores privados podem continuar a utilizar as suas sementes como antes no futuro. (…) As novas regras aplicam-se exclusivamente a intervenientes profissionais, como agricultores ou empresas hortícolas que produzem sementes de plantas.”
Ainda assim, a proposta de regulamento foi rejeitada pelo Parlamento Europeu (março de 2014).
A política de cultivo das sementes voltou à esfera legislativa da UE somente em julho de 2023, com a apresentação de uma nova Proposta de Regulamento (“relativo à produção e comercialização de material de reprodução vegetal na União”), que, uma vez mais, não prevê qualquer interdição no cultivo de frutas ou legumes para consumo próprio. Aliás, segundo declarou ao CORRECTIV.Faktencheck, Herbert Dorfmann, o eurodeputado relator em primeira leitura das alterações à Proposta de Regulamento original da CE, a futura legislação nem sequer inibe o cultivo de sementes específicas: “O regulamento regula a produção e venda de material reprodutivo vegetal (…). A liberdade dos criadores de realizar a criação e disponibilizar variedades recém-criadas permanece inalterada.”
A porta-voz da Comissão Europeia, Anna Gray, garantiu igualmente que a nova legislação não imporá sementes-padrão ou penalizações pelo uso de sementes antigas ou não certificadas.
O Parlamento Europeu aprovou no dia 24 de abril algumas alterações à Proposta de Regulamento, mantendo ainda assim a sua matriz. O diploma seguirá agora as etapas habituais do itinerário legislativo (será apreciado pelo Conselho da União Europeia), antevendo-se que, desta vez, o “regulamento das sementes” tenha sucesso e seja uma realidade para os 27.
É, pois, falso que a UE pretenda determinar que frutas e legumes podem ser cultivados em hortas particulares. A nova legislação que está em vias de aprovação não interfere com o que é plantado para autoconsumo, nem sequer proibir o que tenha como destino a comercialização.
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Avaliação do Polígrafo: