“A Comissão Europeia disse ao Governo para NÃO realizar eleições até ao próximo ano, de modo a poderem adotar o Pacto para os Migrantes, o Tratado da OMS e as leis relativas ao discurso do ódio. Disseram-me que Varadkar se demitiu a conselho da Comissão Europeia para libertar alguma pressão …. Fonte fiável [versão traduzida].” Esta publicação na rede social X que mereceu milhares de partilhas surgiu no dia 27 de março, três dias depois de se saber quem seria o novo Primeiro-Ministro da Irlanda e que a demissão do seu antecessor (Leo Varadkar) não provocaria eleições antecipadas.
Government has been told by the EU commission NOT to hold an Election until next year so they can get the Migrant Pact, WHO Treaty and Hate Speech laws in.
I have been told that Varadkar resigned as per EU commission advice to release some pressure ….
Reliable source !
— Dom Wildy (@domwildly) March 27, 2024
O pressuposto do seu autor é o de que perante a renúncia do Primeiro-Ministro o mais natural – ou até mesmo obrigatório – seria a queda do Executivo e a realização de eleições. E que tal não aconteceu por pressão ou imposição (o texto não é conclusivo quanto a este ponto) da UE, que pretenderia a adesão da Irlanda àqueles três compromissos transnacionais.
A 20 de março, Leo Varadkar apresentou o seu pedido de demissão, no que foi interpretada como uma consequência das derrotas nos referendos realizados 11 dias antes – o partido de Varadkar defendeu alterações na Constituição ao conceito de família e às referências constantes à mulher, mas ambas as pretensões foram chumbadas. Quatro dias depois, o seu partido (Fine Gael) escolheu o sucessor: Simon Harris. Finalmente, a 9 de abril, o parlamento indigitou Harris como novo chefe do Governo, após a votação dos seus membros (88 a favor e 69 contra).
A demissão do Primeiro-Ministro deveria redundar em eleições?
Nem do ponto de vista da obrigatoriedade formal, nem na perspetiva da prática comum, a demissão do Primeiro-Ministro conduz a eleições em governos como o do Reino Unido ou o irlandês.
A Constituição irlandesa (Artigo 16.º, ponto 5) prevê que o mandato da Câmara dos Representantes (e consequentemente do Governo) “não excederá sete anos a partir da data da sua primeira reunião” e que “a lei poderá estabelecer um prazo menor”. O que acontece, de facto, com a Lei Eleitoral de 1992 (na Parte VI, ponto 33), que estipula um período máximo de cinco anos, findo o qual é decretada a dissolução e marcado o ato eleitoral para uma data não posterior a três semanas. Como a primeira reunião de um Executivo após as últimas eleições na Irlanda ocorreu a 20 de fevereiro, o novo sufrágio terá de ocorrer até meados de março de 2025.
Por outro lado, no Reino Unido, desde 2015, demitiram-se cinco chefes de Governo (David Cameron, Theresa May, Boris Johnson e Liz Truss), e nenhuma dessas renúncias ao cargo precipitou eleições. A prática é assim contrária àquela que é seguida em Portugal.
Recorde-se ainda que a UE não dispõe de qualquer poder de interferência na data das eleições dos seus Estados-membros. Quanto aos três temas que alegadamente levariam Bruxelas a pressionar Dublin para não realizar eleições sem antes a Irlanda aderir a acordos internacionais e transpor legislação, dois deles estão já em processo de aprovação (Pacto Europeu de Migração e Asilo e leis sobre o incitamento ao ódio) e o outro não tem sequer a sua redação final concluída nem é da esfera europeia (Tratado da OMS – Organização Mundial da Saúde).
Com efeito, é falso que a UE não tenha deixado a Irlanda convocar eleições até 2025, após a demissão do Primeiro-Ministro. No Reino Unido e Irlanda, a renúncia do chefe de Governo não origina eleições, procedendo-se à sua substituição por um elemento do mesmo partido, de forma a não interromper a legislatura.
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