- O que está em causa?Em publicação nas páginas do Bloco de Esquerda no Instagram e no Facebook apresentam-se cinco estereótipos de "discurso contra os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI)" - "custam-nos imenso dinheiro"; "ganham muito mais do que eu"; "só não trabalham porque não querem"; "são pobres porque querem"; "é muito fácil viver-se à custa do Estado" - supostamente desconstruídos através de factos. A pedido de vários leitores, o Polígrafo verifica este conteúdo partilhado por milhares de pessoas nas redes sociais.

"O discurso contra os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) tem ganho terreno. Porém, os dados dizem-nos que estes não correspondem aos estereótipos aclamados pela demagogia. Vamos aos factos: - Uma grande parte dos beneficiários são cuidadores informais e menores de idade; - Num país em que o limiar da pobreza está definido nos 502 euros, o valor médio mensal da prestação de RSI é de 119 euros; - Existindo uma oferta de emprego, o beneficiário de RSI tem de a aceitar; - A despesa da Segurança Social com o RSI é de 281 milhões de euros, o que corresponde a 1,27% do seu orçamento", salienta-se na introdução do post, difundido no Instagram e no Facebook.
O Polígrafo consultou as fontes citadas pelo Bloco de Esquerda, verificou os números e fez as contas. Cinco alegações, cinco verificações de factos.

1. "'Custam-nos imenso dinheiro'" - Apenas 1,29% do orçamento da Segurança Social corresponde a despesa com o RSI".
O Polígrafo consultou a mais recente Síntese de Execução Orçamental, do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), relativa a novembro de 2020. No que respeita ao valor total gasto pelo Estado em RSI no ano de 2020, verifica-se que, de um montante orçamentado de cerca de 355 milhões de euros, foram executados, entre janeiro e novembro, cerca de 310 milhões de euros. Ao todo, o montante do orçamento da Segurança Social destinado ao RSI registou uma queda de 3,1%, em comparação com 2019.
Se atentarmos na despesa efetiva total correspondente à Segurança Social, o valor ronda os 26.450 milhões, mais 12,9% do que no período homólogo de 2019. Contas feitas, até novembro de 2020. o RSI correspondeu a apenas 1,17% do orçamento executado para a Segurança Social, um valor ainda mais baixo do que o apontado pelo Bloco de Esquerda e inferior ao registado e executado em 2019 (1,37%).
O Polígrafo já tinha verificado o valor total gasto pelo Estado no RSI em recente artigo de verificação de factos, incidindo na altura sobre uma declaração proferida no debate televisivo entre Tiago Mayan Gonçalves e André Ventura na campanha para as eleições presidenciais.

2. "'Ganham muito mais do que eu' - Em média, o valor do RSI é de 119 euros por pessoa por mês".
Analisando a Síntese Estatística disponibilizada no portal da Segurança Social, citada como fonte na publicação do Bloco de Esquerda, confirma-se que a prestação média de RSI, em 2020, foi de 119,07 euros por beneficiário, mais 0,1% do que no mês anterior (118,96 euros) e mais 2,3% do que em dezembro de 2019 (116,40 euros). No que respeita à família, a prestação média de RSI foi de 261,96 euros, registando-se um decréscimo mensal de 0,1% e um aumento de 1,0% face ao mês homólogo do ano transacto.
De acordo com as tabelas oficiais do Instituto da Segurança Social (ISS), ao longo de 2020 o valor médio processado de prestação de RSI por beneficiário variou entre um mínimo de 116,48 euros em janeiro e um máximo de 119,43 euros em julho. Quanto ao valor médio processado de RSI por família, ao longo de 2020, variou entre um mínimo de 259,35 euros em janeiro e um máximo de 264,45 euros em julho.
Os 119 euros apontados pelo Bloco de Esquerda correspondem, portanto, à média registada do valor processado por beneficiário em todos os últimos cinco meses de 2020, tendo indicado como fonte o mês de novembro, no qual o valor médio se cifrou em 118,96 euros.

3. "'Só não trabalham porque não querem' - Um terço das pessoas que recebem RSI são menores de idade, ou seja, não podem trabalhar".
Em dezembro de 2020, a Segurança Social dava conta de 211.540 beneficiários de RSI, valor que aumentou 0,8% face ao mês anterior (mais 1.670) e 5,1% em relação a dezembro de 2019. Mais uma vez, dados relativos à idade dos beneficiários podem ser consultados na Síntese Estatística da Segurança Social, fonte utilizada pelo Bloco de Esquerda, mostrando que os beneficiários de RSI com menos de 18 anos de idade constituíram 32,3% do total, cerca de um terço, seguindo-se os jovens-adultos, entre os 18 e os 29 anos, que representaram 14,0%. A população acima dos 30 anos representa, ao todo, 53,5% dos beneficiários, dos quais quase 20% são adultos entre os 50 e os 59 anos.
Em Portugal, embora a legislação considere que a maioridade só é atingida aos 18 anos, a idade mínima de admissão para prestar trabalho contempla diferentes requisitos: é possível os jovens começarem a trabalhar dois anos antes, aos 16 anos. Ainda assim, a Lei n.º 7/2009 do Código do Trabalho salvaguarda que "só pode ser admitido a prestar trabalho o menor que tenha completado a idade mínima de admissão, tenha concluído a escolaridade obrigatória ou esteja matriculado e a frequentar o nível secundário de educação e disponha de capacidades físicas e psíquicas adequadas ao posto de trabalho".
Os dados mensais de RSI disponibilizados pela Segurança Social não permitem, no entanto, discriminar por idades os beneficiários abaixo dos 18 anos, fazendo desse grupo etário um intervalo único, composto por cerca de 68.000 jovens. Assim sendo, torna-se estatisticamente impossível afirmar que um terço das pessoas que recebem o RSI não podem trabalhar, não obstante serem menores de idade. Parte da afirmação carece, portanto, de sustentação factual.

4. "'São pobres porque querem' – O RSI chega apenas a uma pequena parte do universo dos pobres: cerca de 10% dos que vivem abaixo do limiar de pobreza".
A taxa de risco de pobreza em 2018, último ano com dados disponíveis, corresponde à proporção de habitantes com "rendimentos monetários líquidos anuais por adulto equivalente" inferiores a 6.014 euros (ou seja, 501 euros por mês). Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e pela Pordata, 17,2% dos portugueses têm rendimentos abaixo desta linha de pobreza de 501 euros mensais.
Neste valor são já consideradas transferências sociais como "reformas, subsídios de desemprego, pensões de doenças e invalidez, rendimento social de inserção (RSI) ou apoios às famílias". Se estes rendimentos não existissem, a taxa de risco de pobreza subiria para mais do dobro (43,4%) e englobaria a esmagadora maioria da população com 65 ou mais anos (88,8%). Quantos aos jovens com menos de 18 anos, a taxa de risco de pobreza após transferências sociais cifra-se nos 18,5% (pode conferir aqui).
O Polígrafo utilizou o valor médio (17,2%), deixando de lado os intervalos etários, que corresponde a cerca de 2 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza (1.768.160). Como verificámos anteriormente, os beneficiários de RSI em Portugal são, ao todo, 211 mil (211.540), equivalendo a cerca de 12% do total da população carenciada. Assim sendo, a alegação do Bloco fica, mais uma vez, próxima daquela que é a realidade e verifica-se que o RSI chega apenas a uma pequena parte do universo dos portugueses que vivem abaixo do limiar de pobreza.

5. "'É muito fácil viver-se à custa do estado' - A maior parte (52%) das pessoas que recebem RSI são mulheres (muitas delas cuidadoras de filhos com deficiência, doentes crónicos e idosos acamados)".
De acordo com os dados mensais do RSI, disponibilizados pela Segurança Social, ao todo, em dezembro de 2020, dos 211.540 beneficiários de RSI, 109.790 eram mulheres. São assim 52% do valor total, como apontou o Bloco de Esquerda na publicação em causa. Jovens raparigas abaixo dos 18 anos continuam a preencher uma grande fatia da distribuição, com cerca de 33.000 beneficiárias registadas em dezembro do ano transato.
Ainda assim, o Polígrafo não conseguiu encontrar dados que sustentem a última alegação indicando que muitas das mulheres que beneficiam do RSI são "cuidadoras de filhos com deficiência, doentes crónicos e idosos acamados". A fonte indicada pelo Bloco de Esquerda refere-se apenas a indicadores como o escalão etário, o género e o mês de processamento, deixando de lado a ocupação dos beneficiários.
O Polígrafo contactou o Bloco de Esquerda, onde foi divulgada a publicação, no sentido de apurar a origem dos dados. Fonte oficial do partido indica que "não há nenhum estudo exaustivo sobre os cuidadores informais em Portugal" e, consequentemente, sobre a sua presença entre os beneficiários de RSI.
"É possível induzir a existência de um elevado peso de cuidadoras informais entre as mulheres beneficiárias do RSI, ressalvando-se contudo que não existem dados extensivos ao nível nacional, até porque a categoria de 'cuidador informal' infelizmente só agora começa a ganhar relevância, o que faz com que os estudos de caracterização da população existentes tenham invisibilizado esta realidade na recolha de dados e caracterização das populações (está em curso o debate acerca da sua inclusão nos próximos Censos, o que permitira aí sim ter dados muito mais fiáveis)”, explica o Bloco de Esquerda na mensagem enviada ao Polígrafo.
Em resposta à origem da alegação, o partido enumerou seis estudos recentes, entre eles um da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicando que "as mulheres acumulam a esmagadora maioria dos cuidados (76%), incluindo o apoio prestado a crianças e a idosos". Segundo o Bloco de Esquerda, "no conceito de ‘cuidados’ a OIT inclui o conjunto das atividades de reprodução social não pagas (ou seja, a guarda das crianças, a confeção de refeições, a limpeza do espaço doméstico e das roupas, fazer as compras, além do apoio às atividades de manutenção diárias de crianças e pessoas dependentes e do apoio emocional), o que permite dizer que a generalidade das mulheres são cuidadoras, mesmo que não sejam todas a tempo inteiro".
O Polígrafo consultou os dados e confirma estarem corretos. De acordo com o estudo da OIT, em 2018 as mulheres realizavam 76,2% do total do trabalho de cuidador não remunerado, despendendo 3,2 vezes mais tempo do que os homens. Mais, "em nenhum país do mundo os homens e as mulheres fornecem uma parte igual do seu tempo ao trabalho de cuidador não remunerado. As mulheres dedicam em média quatro horas e 25 minutos por dia, face à uma hora e 23 minutos que dedicam os homens. Ao longo de um ano, isso representa um total de 201 dias de trabalho (numa base de oito horas diárias) para as mulheres, em comparação com os 63 dias de trabalho para os homens".
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Avaliação do Polígrafo:
