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“Um café passou de 50 escudos para 50 cêntimos (aumento de 100%) na conversão para o Euro”, diz-se nas redes sociais

Economia
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Mais de 20 anos após a entrada em circulação do Euro em Portugal, substituindo o Escudo, as comparações de preços entre as duas moedas (e diferentes períodos temporais) continuam a motivar diversas publicações nas redes sociais. Uma das mais recorrentes incide sobre o preço do café (ou bica) que, supostamente, custaria apenas 50 escudos (equivalente a 25 cêntimos) antes da adesão ao Euro, em janeiro de 2002.

“Um mito recorrente na Internet é que uma bica ao balcão custaria 50 escudos (0,25 cêntimos) em 2001 e que teria aumentado generalizadamente para 0,50 cêntimos após a substituição do Escudo pelo Euro em 2002. Ora tal não é verdade, a minha experiência pessoal é de que pagava a bica, em 2001, a 90 ou 100 escudos. A minha experiência é corroborada pelo Banco de Portugal que aponta, num relatório, que o preço mais comum do café ao balcão era de 80 escudos em janeiro de 2001″, salienta um leitor em mensagem enviada ao Polígrafo, solicitando uma verificação de factos.

As comparações de preços entre as duas moedas (e diferentes períodos temporais) continuam a motivar diversas publicações nas redes sociais e, de facto, uma das mais recorrentes incide sobre o preço do café. A título de exemplo, recente, no Twitter: “Só uma pequena dica: Com a entrada no Euro, o café/bica passou de 50 escudos para 50 cêntimos, um pequeno aumento superior a 100%; na conversão para o Euro, todos os produtos e serviços essenciais sofreram enormes aumentos de preço.”

Afinal, qual era o preço deste produto em 2001?

O Instituto Nacional de Estatística (INE) garante ao Polígrafo que “o preço médio do café em 2001 era de 80-85 escudos. Esta informação é confirmada pelo estudo referido pelo leitor, publicado em setembro de 2002 e realizado por uma equipa de técnicos do Banco de Portugal e do INE, indica a mesma fonte.

O “Gráfico 12” do relatório mostra a distribuição dos preços do café ao balcão entre janeiro de 2001 e março de 2002. O preço de 90 escudos tornou-se “frequente a partir de janeiro de 2002, sendo inclusivamente a moda em março de 2002. Verifica-se ainda que, neste último mês, começa a adquirir uma representatividade significativa o preço de 100 escudos, correspondente a 0,50 euros, que é um preço eventualmente mais ‘conveniente’ do que 0,45 euros”, reporta-se no documento.

Atualmente, “a informação recolhida no âmbito do IPC [Índice de Preços no Consumidor] destina-se ao cálculo de índices tendo por base a nomenclatura COICOP [Classificação do Consumo Individual por Objetivo da OCDE] a cinco dígitos de modo a acompanhar a variação dos preços ao longo do tempo“. No entanto, realça o INE, “o IPC não permite obter informação sobre os níveis de preços dos produtos elementares consistentes ao longo do tempo”. Assim, apesar de se saber que o preço do café ao balcão aumentou, não há dados sólidos que permitam conferir os níveis de preços nos últimos anos.

Como é que se justifica este aumento de preços?

Questionado pelo Polígrafo, o economista Pedro Brinca, professor da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), classifica o aumento dos preços como “inequívoco” e esclarece que “não há um preço do café, mas sim uma distribuição de preços“.

“Ao longo do tempo existe uma relação fortíssima entre o nível de preços e o montante de moeda emitida, ou seja, a taxa de criação de nova moeda e a taxa de inflação. Isto é uma relação histórica a períodos de 40 anos, por exemplo, o que é extraordinariamente estável”, explica o investigador.

Depois, “como estamos a falar estritamente do café e não da inflação em geral, existem mudanças nos preços relativos“. Quer isto dizer que, segundo Brinca, “há bens que hoje se tornaram mais baratos do que eram antigamente, apesar de a inflação em geral ter sido positiva”. O especialista da Nova SBE dá o exemplo do decréscimo do preço dos bens de Informática: “Esses bens ficaram muito mais baratos relativamente aos bens de consumo como as maçãs, o café, a massa, o arroz, a alface. Enquanto, na década de 1980, se uma alface custasse 50 escudos precisávamos de 50 mil alfaces para comprar um computador, se calhar hoje só precisamos de 10 mil alfaces para comprar um computador.”

Além disso, é necessário avaliar os custos de produção do café. Acresce ainda a questão dos salários. “É preciso trabalho para fazer o café, principalmente num café que é servido ao balcão. Está lá o salário da pessoa que mete o café na máquina, o salário da pessoa que serve o café à mesa, o da pessoa que limpa a chávena de café e da pessoa que gere o café e faz as contas no fim. Tudo isto são fatores que contribuem para o aumento do preço dos produtos“, conclui.

Em suma, é falso que o café ao balcão custava apenas 50 escudos (25 cêntimos) na véspera da adesão ao Euro. Na realidade este produto custava, em média, entre 80 a 85 escudos, o que se traduz em 40 e 42 cêntimos, respetivamente.

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Avaliação do Polígrafo:

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