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Tese de Mestrado do líder dos “Super Dragões” repleta de frases impercetíveis e erros gramaticais?

Sociedade
O que está em causa?
As recentes cenas de pancadaria numa reunião da Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto (FCP) tiveram como efeito colateral elevar Fernando Madureira (líder da maior claque do clube) ao topo do “ranking” de temas mais discutidos no X/Twitter. E em muitos dos “tweets” há quem recorde a sua polémica Tese de Mestrado que supostamente padece de várias falhas. O Polígrafo pediu uma análise gramatical do texto a Manuela Gonzaga, consultora linguística.

A polémica em torno da Tese de Mestrado em Gestão Desportiva que Fernando Madureira, líder dos “Super Dragões” (a maior claque do FCP), apresentou no ISMAI – Instituto Universitário da Maia, em 2017, tendo sido aprovado com 17 valores, não é uma novidade. Logo na altura, Carlos Fiolhais, físico e professor universitário, apontou para sucessivos “erros de ortografia e pontuação”, entre outras “pérolas”, lamentando “o estado do ensino superior português, politécnico no caso”. Aliás, o reitor do ISMAI chegou a anunciar o envio da dissertação à Inspeção-Geral da Educação e Ciência com um pedido de averiguação.

Mas os recentes desacatos e violência numa reunião da Assembleia Geral do FCP, além de terem motivado uma petição que pedia a destituição de Madureira como sócio do FCP (entretanto cancelada), como que reacenderam uma série de controvérsias que envolvem o líder dos “Super Dragões”, incluindo a Tese de Mestrado. O visado atingiu mesmo o topo do “ranking” de temas mais discutidos no X/Twitter, onde se lançaram muitas suspeitas (e chacota) contra a dissertação de 17 valores.

Essas dúvidas em torno do “Projeto Bancada Total – Um Serviço Inovador para o Clube”, defendido por Madureira no ISMAI, têm fundamento? O Polígrafo pediu uma análise gramatical do texto a Manuela Gonzaga, consultora linguística.

Ortografia e pontuação

“Quando se começa a ler, parece que o autor utiliza o Acordo Ortográfico de 1990, pois logo na capa a palavra projeto não tem o ‘C’ mudo. Mas na página seguinte surge a dúvida, uma vez que a mesma palavra, em linhas consecutivas, tem grafias diferentes”, começa por detetar Gonzaga.

A dúvida é recorrente ao longo das 36 páginas da dissertação, com múltiplos exemplos de variações de grafia: objectivo; abstracto; factor; percepções; actual; efetuamos; aspeto; ações; etc.

“Relativamente à forma de pontuar também há falhas. A pontuação utiliza-se encostada à palavra, o que neste trabalho muitas vezes não acontece”, prossegue, apontando também para problemas com as citações, nomeadamente a colocação errada de aspas quando a citação é uma frase completa que começa com maiúscula e termina com ponto final (dentro das aspas seria a forma correta), e vice-versa.

Mais caricata é a “ausência de pontuação num parágrafo inteiro” que passamos a transcrever:

“No futebol actual é necessário haver uma estruturação do público em geral e sobretudo haver uma estratégia entre o clube e uma claque de apoio para que a simbiose entre os praticantes e os adeptos seja perfeita de forma a tirar o maior proveito e conseguir os resultados desportivos pretendidos.”

A consultora linguística identifica também exemplos de palavras juntas (“Apartir”), sem acento (“satisfaze-lo”, “interliga-los”) e formas verbais com pronomes mas sem hífen a ligá-los (“Desde há muitos anos atrás, o Desporto tem se tornado para a sociedade”).

“Um dos erros mais recorrentes, em geral, e neste trabalho, em especial, são as vírgulas a separarem constituintes da frase – entre sujeito e predicado, ou entre predicado e os complementos que este seleciona. A utilização de vírgula entre sujeito e predicado é muito frequente neste trabalho”, sublinha, fundamentando com múltiplos exemplos. Eis alguns dos mais óbvios:

– “Esta nova visão do desporto, rompe com os ideais anteriormente concebidos, que preconizavam a competição como objectivo único para o desenvolvimento de uma prática desportiva.”

– “Neste contexto, tem havido nas sociedades modernas, uma grande proliferação das claques dos clubes de futebol, pretendendo-se com este…”

– “Um bem, é um objecto físico, geralmente transportável, que se pode armazenar e que perdura durante algum tempo.”

– “Esta divisão estrita entre o que é serviço e produto, não é por vezes muito clara e fácil de ser definida.”

Também encontrou vários exemplos de vírgula entre predicado e complemento:

– “Essas expectativas são determinadas, basicamente por experiências anteriores, pelo processo de comunicação…”

– “Meios estes que podem ser, site, redes sociais, plataforma e-commerce…”

Problemas de construção e organização das ideias

Noutra vertente, Gonzaga adverte que “o primeiro parágrafo do resumo começa com uma redundância: “Desde há muitos anos atrás…” Explica a consultora linguística que “desde há muitos anos” já transmite “a ideia de antiguidade” que “atrás” vai apenas “repetir”.

“O segundo parágrafo do resumo tem várias ideias sem qualquer hierarquização entre elas com recurso a pontuação”, assinala. “Outro problema identificado é o uso errado de verbos, nomeadamente: “Corroborando com Nelson Mandela, que disse um dia que ‘O Desporto tem o poder de mudar o mundo!’ Sá (2014) refere que o desporto é uma peça fundamental para que consigamos ter uma boa qualidade de vida em todas as…”

“Corroborar é um verbo transitivo, pelo que a preposição ‘com’ que no excerto o acompanha está a mais”, corrige. “Além disso, começando o excerto com uma expressão gerundiva, esta deve obrigatoriamente separar-se da oração principal através de vírgula. Assim, a referência do que terá dito Mandela devia estar entre vírgulas, por ser comentário adicional. A vírgula depois de Mandela não tem outra que feche a explicação do que disse Mandela.”

O novo logótipo está há meses nas plataformas digitais do Governo: mas, esta quarta-feira, na rede social X, foram vários os "tweets" a colocar em causa o valor contratual de 74 mil euros para este novo símbolo que, diz-se, "é muita massa".

Também há problemas com a utilização errada de vocabulário – “Nesta linha de conduta, citando Cook (1983, cit. in Vieira, 2000), refere ainda que a dicotomia ‘serviços/produtos’ carece de sentido”, a par de erros de concordância entre sujeito e verbo – “Numa tentativa para resumir as diferentes definições de serviço dadas ao longo de 30 anos, Grönroos (2000) define serviço como sendo uma actividade, ou série de actividades de maior ou menor intangibilidade, que normalmente, mas nem sempre, acontecem através do contacto entre clientes e funcionários ou produtos” – e entre sujeito e predicado – “A satisfação do cliente seria a reacção afectiva a um serviço, o que quer dizer, a satisfação ou insatisfação derivam do facto de experimentar um encontro com a qualidade do serviço e comparar esse encontro com aquilo que era esperado…”

Dá ainda nota de frases ambíguas e confusas, como por exemplo: “De acordo com a análise da literatura, verificamos que existem diferentes dimensões da qualidade relativamente aos diversos autores, bem como aos estudos por eles realizados.”

Além de erros de regência verbal: “O que os clientes entendem com as interacções com a empresa é claramente importante para eles e para a sua qualidade de evolução.”

Ou ausência de concordância numa expressão nominal: “A qualidade é uma palavra que faz parte do vocabulário do dia-a-dia das pessoas e pode significar diferentes coisa para diferentes pessoas.”

Gonzaga conclui a análise com mais um exemplo de “problemas frásicos e de raciocínio”, a ter em atenção:

“Há uns anos a esta parte, várias discussões científicas e práticas resultaram no consenso de que o serviço de qualidade deveria ser entendido nos termos de percepção da qualidade para o consumidor. As definições de qualidade de serviços são inúmeras, porém, quase todas se baseiam nas necessidades, nas expectativas, nas percepções e satisfação dos…”

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Avaliação do Polígrafo:

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