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Ter um défice de 0,2% é fundamental para as contas públicas?

Economia
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
António Costa e Mário Centeno definiram os 0,2% como objetivo do défice para 2012. O argumento é conhecido: para que as contas públicas estabilizem, o défice deve evoluir para os 0%. Economistas contactados pelo Polígrafo dividem-se sobre a matéria.
  • 0,2% é um objectivo razoável?

Se para o economista e porta-voz do PSD para as Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, a meta de 0,2% do PIB para o défice, calculada pelo Governo para 2019, “é imprescindível e peca por ser pouco ambiciosa”, na visão de Ricardo Paes Mamede, economista e de esquerda, esse compromisso não é sequer necessário.

Miranda Sarmento defende que o défice zero deve estar no centro de uma estratégia de equilíbrio das contas públicas, “mas não apenas o défice zero em termos nominais”. Será preciso, “sobretudo, ter contas públicas equilibradas do ponto de vista estrutural”. O especialista desenvolve a ideia: “Este equilíbrio nominal em 2019 é fruto de uma conjuntura extraordinária. Metade da redução do défice entre 2015 e 2019 vem da redução da despesa em juros e o aumento dos dividendos e do IRC pago pelo Banco de Portugal. Isto somado a um crescimento económico, receitas do turismo e quebra do desemprego. Mas se nesta conjuntura muito favorável apenas se consegue equilíbrio nominal e não estrutural – e para isso é preciso degradar os serviços públicos e colocar o investimento público em mínimos históricos – como vai ser quando a economia arrefecer e os efeitos sobre os juros e o Banco de Portugal desaparecerem?”

Miranda Sarmento defende que o défice zero deve estar no centro de uma estratégia de equilíbrio das contas públicas, ‘mas não apenas o défice zero em termos nominais´. Será preciso, ‘sobretudo, ter contas públicas equilibradas do ponto de vista estrutural’

De acordo com Paes Mamede, a conjuntura internacional também é claramente essencial para analisar a problemática, no entanto, o economista defende que “não há país nenhum que à partida necessite de ter um défice próximo de zero para conseguir assegurar a sustentabilidade das contas públicas”. O que determina a evolução da dívida e a sustentabilidade das contas públicas, em geral, resulta da combinação de um conjunto de variáveis, nomeadamente “a relação entre receitas e despesas mas também as taxas de juro que vigoram sobre a dívida pública e o crescimento económico”. Tendo em conta o quadro actual do país, “seria perfeitamente possível ter um défice superior, de 0,5% ou até de 1% ”, defende o economista.

  •  Porquê o foco nesta meta?

Segundo o professor do ISCTE, “existe uma percepção do Ministério das Finanças de que uma redução progressiva dos níveis do défice constitui um sinal positivo para os investidores externos e parceiros europeus de que há um esforço das autoridades portuguesas no sentido de pôr as contas em ordem”.

  •  É preciso fazer subir impostos para aumentar a receita do Estado?

Para o professor no ISEG, seria preferível atuar do lado da despesa, uma vez que “o esforço fiscal em Portugal já é muito elevado”. “Embora a carga fiscal esteja ainda ligeiramente abaixo da média Europeia, ela concentra-se, sobretudo no IRS, numa pequena parte dos cidadãos. 70% do IRS é pago por 10% dos contribuintes. É difícil exigir ainda mais a essas pessoas”, considera. No entanto, também não deverá existir “grande margem para reduzir impostos, dado o peso da dívida pública”.

  •  O crescimento de 2,2% do PIB é realista?

Paralelamente a uma meta de 0,2% do PIB para o défice, o Governo também lançou uma redução da dívida para 117% e um crescimento económico estimado de 2,2%. Quanto a este ponto, Paes Mamede frisa que “o Governo não determina qual vai ser o nível de crescimento económico”, chamando a atenção para o peso das circunstâncias externas. Ainda assim, assumindo este valor, o economista não crê “que fizesse uma diferença muito grande perseguir um objectivo de 0,2% ou de 0,5%” no que diz respeito ao défice orçamental. Já Joaquim Miranda Sarmento acredita que “o crescimento de 2,2% em 2019 pode ser algo optimista”.

 O “falso” défice

O grande problema de assumir esta meta para o défice é que o valor de 0,2% “é, em larga medida, falso”, comenta Paes Mamede, defendendo que, “para o Estado atingir uma meta dessa ordem, não está a cumprir um conjunto de compromissos financeiros que são uma forma oculta de dívida”. Dívidas a fornecedores, falta de investimento nos serviços públicos e incumprimento de responsabilidades em relação aos trabalhadores do Estado “são formas ocultas de dívida, que não estão a ser assumidas”.

O grande problema de assumir esta meta para o défice é que o valor de 0,2% “é, em larga medida, falso”, comenta Paes Mamede

Miranda Sarmento não tem dúvidas de que, para atingir um défice próximo de zero, “será necessário que se mantenha uma política de contenção de despesa nos serviços públicos e no investimento público”, e acusa o Governo de ter preferido “fazer ‘campanha eleitoral’ desde o início do mandato”, favorecendo “determinados segmentos do seu eleitorado ao invés do interesse do país”.

Por tudo isto, defender que o défice tem de se situar em 0,2% para que as contas na nação sejam equilibradas é…

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