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Sintomas de Mpox são resultado da fase inicial de VIH?

Geração V
O que está em causa?
Na rede social X difunde-se a ideia de uma aparente relação entre o Mpox (varíola dos macacos) e o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). De acordo com um "tweet", os sintomas do vírus Mpox são resultado da fase inicial do vírus do HIV. Será possível estabelecer esta relação?
A medical worker in protective overalls holds a test tube with a sample of blood infected with monkeypox.Epidemic of monkeypox in Europe and the USA.Selective focus,close-up.

“A lavagem cerebral às pessoas está a chegar ao fim. Os sintomas cutâneos do Mpox são o resultado da fase inicial do vírus HIV [VIH] e isso deve-se à destruição do sistema imunológico pelas vacinas da Covid-19. [As vacinas] Também são responsáveis por mortes súbitas e cancro. Vocês são criminosos”, lê-se num tweet que é acompanhado por imagens relativas a erupções na pele, aparentemente, causadas pelos vírus. 

A alegação surge em resposta a um tweet do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, que dava conta do primeiro caso da nova variante de Mpox (Clade I) na Suécia. 

Será que os dados veiculados na publicação correspondem à realidade?  

Não. Em primeiro lugar, o vírus Mpox, inicialmente designado como varíola dos macacos, é uma infeção causada por um vírus designado “monkeypox”, como está expresso no site do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Trata-se de uma doença zoonótica, ou seja, pode ser transmitida de animais para humanos, bem como entre pessoas.

Quando detetado, o isolamento é fundamental de forma a evitar a propagação da infeção. Em segundo lugar, o vírus da imunodeficiência humana (VIH) é um vírus causador da SIDA que “ataca e destrói o sistema imunitário do nosso organismo”, ou seja, “os mecanismos de defesa que nos protegem de doenças”. 

Este é transmitido através das relações sexuais desprotegidas com pessoas infetadas por VIH, mas também através da “partilha de agulhas, seringas ou outro equipamento utilizado na preparação de drogas ilícitas para injeção” ou transmissão de mãe para filho durante a gravidez, parto ou através do leite materno.

Ao Polígrafo, António Sarmento, professor catedrático e chefe de serviço de doenças infecciosas do hospital de São João no Porto, desmente a alegação feita no tweet sublinhando que se tratam de vírus completamente diferentes”, pois o “Mpox é um vírus de ADN ao passo que o HIV é um vírus de ARN [ácido ribonucleico]“, sendo esta “uma diferença colossal”. Vítor Duque, virologista e professor na Universidade de Coimbra, vai ao encontro do que indicou António Sarmento, apontando que “são vírus com genomas diferentes, com estruturas diferentes e com propriedades biológicas diferentes”. 

No que diz respeito à sintomatologia, as doenças numa fase inicial têm quadros clínicos inespecíficos. Quer isto dizer que, “os sintomas da infeção inicial pelo HIV podem ser os mesmos de muitas outras doenças, desde a mononucleose, uma gripe ou muitas outras doenças víricas, entre as quais o Mpox”, garantiu o chefe dos serviços infecciosos do hospital do Porto. 

Desta forma, explicou António Sarmento, pessoas com VIH podem ter um maior risco de serem infetadas com o vírus Mpox porque algumas formas de contágio são comuns às duas doenças. Além disso, pessoas que vivem com VIH têm um sistema imunitário mais comprometido e por isso são mais suscetíveis a outras infeções. 

O virologista esclareceu ainda que a vacinação contra a Mpox não origina possíveis casos de VIH, “a não ser que alguém erradamente achasse que por estar vacinado contra o Mpox estava protegido da infeção pelo VIH e deixasse de tomar as precauções necessárias para a evitar”.

De acordo com um estudo desenvolvido pelo “Meeting Targets and Maintaining Epidemic Control (EpiC)” [Alcançar metas e manter o controle epidémico], “o que está claro é que qualquer pessoa exposta ao vírus Mpoxs por contacto físico direto (pele com pele, beijos ou abraços), gotículas respiratórias ou contacto com materiais contaminados pode ficar infetada.” 

A publicação verificada alega também que a vacina contra a Covid-19 é responsável pela destruição do sistema imunológico, favorecendo a suscetibilidade a outras infeções. Vítor Duque garante que não é possível tirar esta conclusão. António Sarmento concorda, esclarecendo que “não há até agora qualquer evidência de que a vacina da Covid-19 destrua o sistema imunológico”, antes “pelo contrário, reforça alguns aspetos da nossa imunidade”. 

De salientar que, segundo o EpiC, a “maioria dos medicamentos utilizados para o tratamento contra o VIH são considerados seguros para as pessoas em tratamento contra o Mpox.” 

Assim, os sintomas do vírus Mpox não são resultado da fase inicial do vírus do HIV, como dava a entender o tweet. É falso que os sintomas de ambas as doenças possam estar relacionados. 

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Geração V

Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto “Geração V – em nome da Verdade”, uma rede nacional de jovens fact-checkers. O projeto foi concretizado em parceria com a Fundação Porticus, que o financia. Os dados, informações ou pontos de vista expressos neste âmbito, são da responsabilidade dos autores, pessoas entrevistadas, editores e do próprio Polígrafo enquanto coordenador do projeto.

*Texto editado por Marta Ferreira.

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Avaliação do Polígrafo:

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