“Em Lisboa, quem vota são os carros”: a legenda acompanha uma fotografia partilhada na rede social X/Twitter, que pretende mostrar que, algures na capital portuguesa, terá sido colocada sinalização que possibilita o estacionamento parcial em cima do passeio. Uma situação que terá suscitado várias questões entre os internautas, muitos deles convencidos de que a situação relatada tenha acontecido na freguesia de Belém.
“Sinais de duvidosa legalidade porque previstos num regulamento [Regulamento de Sinalização do Trânsito] que contraria a lei. Uma vergonha em pleno século XXI. Na última alteração lá consegui que tais sinais só em situações que não comprometam o trânsito de peões. Mas de nada valeu”, lê-se numa das respostas ao referido tweet.
Mas será que se confirma que este é um sinal de “duvidosa legalidade”, que contraria o que está atualmente previsto na lei?
Através de pesquisa reversa, foi possível constatar que a imagem que acompanha este post foi primeiramente publicada, esta quinta-feira, num artigo do jornal “Público”, com o título: “Junta de Belém ‘legaliza’ estacionamento em cima dos passeios no centro do Restelo.” Na notícia, esclarece-se que a Junta de Freguesia local decidiu “colocar sinalização de trânsito que autoriza o estacionamento de automóveis em parte dos passeios em três dos principais arruamentos daquela zona”.
No que diz respeito ao sinal em causa, segundo um documento do Instituto de Infraestruturas Rodoviárias (InIR) que sistematiza as disposições normativas que enquadram este tipo de legislação, constata-se que o mesmo se trata do “Modelo 12c”, tratando-se, de facto, de um painel indicador da posição autorizada para estacionamento.
Ora, de acordo com o previsto no artigo 46.º do Regulamento de Sinalização do Trânsito, “os painéis dos modelos n.os 12c, 12d, 12e e 12f podem ser utilizados apenas em situações que não comprometam o trânsito dos peões” – questão essa que tinha levantado as questões acerca da legalidade da instalação da referida sinalização. Além disso, o modelo pode “utilizar-se apenas com o sinal de informação H1”, que apresenta um “P” branco em fundo azul – tal como acontece no caso analisado.
A Junta de Freguesia de Belém já tinha dado a conhecer esta sua decisão por via de um comunicado publicado na rede social Facebook, dando conta de que a intervenção abrangeria os “arruamentos Rua Dom Cristóvão da Gama, Rua Tristão da Cunha e Rua São Francisco Xavier”, de modo a “permitir o estacionamento de veículos em cima dos passeios com duas rodas, em ambos os lados da via”.
Pela mesma via, é requerida, ainda, “aos condutores dos veículos as necessárias precauções e cuidados de maneira a deixarem espaço (cerca de 1,20m) para os peões poderem circular em segurança nos passeios, muito especialmente aqueles que circulam em cadeira de rodas ou empurram carro de bebé”.
Ao Polígrafo, o presidente da Junta de Freguesia de Belém, Fernando Ribeiro Rosa, esclareceu que este aviso foi feito tendo em conta que as “cadeiras de bebés e de pessoas com deficiência” têm “cerca de 70 centímetros de largura” – com a preocupação de garantir que, além dos pedestres, também quem circulasse por esta via conseguisse fazê-lo sem problemas.
Acrescentou, ainda, que há décadas “que se estaciona assim” nos referidos arruamentos e que, por isso, a Junta optou por “legalizar uma situação que, de facto, não estava legalizada” até ao momento – de forma a dar aos residentes “a garantia de poderem estacionar sem ser penalizadas”, mas “permitindo também que os passeios sirvam para os peões circularem normalmente”. Tudo com vista a “salvaguardar o interesse das pessoas”.
Quanto à fiscalização do cumprimento desta disposição, Fernando Ribeiro Rosas deixou ainda uma garantia: “Se nós detetarmos veículos mal estacionados, por exemplo, com quatro rodas em cima do passeio, em que ninguém pode passar, imediatamente pediremos à Polícia Municipal para rebocar o carro, porque isso é perfeitamente ilegal.”
Ao Polígrafo, fonte oficial da associação Prevenção Rodoviária Portuguesa considerou que “a solução proposta cumpre a legislação em vigor, uma vez que a sinalização cumpre com o estabelecido no Regulamento de Sinalização de Trânsito e a distância de 1,2m cumpre o definido no Decreto-Lei 163/2006”. O qual prevê, de facto, que os “percursos pedonais devem ter em todo o seu desenvolvimento um canal de circulação contínuo e desimpedido de obstruções com uma largura não inferior a 1,2m, medida ao nível do pavimento”.
Ainda assim, a Prevenção Rodoviária Portuguesa notou que para “garantir a segurança dos peões há a necessidade de fomentar o cumprimento do 1,2m, por exemplo através de marcas delimitadoras de estacionamento ou reforço de fiscalização”.
“Na sinalização das vias públicas devem ser utilizados, exclusivamente, os sinais de trânsito fixados no Regulamento de Sinalização de Trânsito (RST), aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de outubro, na redação atual, dada pelo Decreto Regulamentar n.º 6/2019, de 22 de outubro, com a Declaração de Retificação n.º 60-A/2019, 20 de dezembro, respeitando cumulativamente o Código da Estrada na redação atual, dada pelo Decreto-lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro”, explicou, por sua vez, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).
Entidade que, ao Polígrafo, confirmou que “a sinalização se encontra em conformidade com o RST, devendo, contudo, ser acautelado e verificado que tal não compromete o trânsito de peões”.
“Sem prejuízo das competências da ANSR, a garantia da segurança e da sinalização das vias públicas compete à entidade gestora da via, no caso presente à Câmara Municipal de Lisboa, a que cabe verificar e avaliar in loco se o estacionamento nas vias indicadas na posição autorizada por tais sinais, não compromete o trânsito de peões”, completou a ANSR.
Perante estes dados, consideramos ser falso que esta sinalização colocada em Belém, que possibilita o estacionamento parcial em cima dos passeios, não cumpre o previsto na lei.
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Avaliação do Polígrafo: