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Santos Silva na RTP: “O PS tem discutido o ‘caso Sócrates’, aliás até discutiu em Congresso”

Política
O que está em causa?
Na "Grande Entrevista" à RTP, questionado sobre se o PS cometeu um erro ao não discutir o "caso José Sócrates", o Presidente da Assembleia da República garantiu que "não". Pelo contrário, "o PS discutiu, tem discutido, aliás discutiu em Congresso". Verdadeiro ou falso?

“A propósito do tema das relações entre o poder político e o poder económico, temos visto vários observadores e alguns militantes do PS a sublinhar que o PS cometeu um erro quando não discutiu ocaso José Sócrates‘, nem falou das questões de corrupção no aparelho do Estado”, apontou o jornalista Vítor Gonçalves, na parte final da “Grande Entrevista” a Augusto Santos Silva, atual Presidente da Assembleia da República, emitida a 15 de novembro.

“Alexandra Leitão, por exemplo, voltou hoje a fazer essa referência numa entrevista ao ‘Público’, a dizer que esse caso devia ter levado a um maior debate interno“, sublinhou, para depois perguntar: “O senhor concorda com esta apreciação? Acha que este tema tornou-se um tabu?”

Não. O PS discutiu, tem discutido, aliás discutiu em Congresso. Eu vi várias intervenções que o discutiram”, respondeu Santos Silva que, importa lembrar, exerceu os cargos de ministro dos Assuntos Parlamentares e ministro da Defesa Nacional nos dois Governos liderados por José Sócrates.

Tem razão?

Há quase nove anos, por volta das 22 horas de 21 de novembro de 2014, ao aterrar no Aeroporto de Lisboa, quando regressava de Paris, França, José Sócrates foi detido no âmbito da “Operação Marquês”. A notícia caiu literalmente em cima do processo de sucessão de António José Seguro por António Costa na liderança do PS. Logo no dia seguinte, o jornal “Público” revelou que “Costa enviou um SMS aos militantes do PS em que separa ‘os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais’ da apreciação de um processo’ que ‘só à Justiça cabe conduzir'”.

“Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a ação política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de direito, só à Justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos”, escreveu Costa na altura, em mensagem dirigida aos militantes do PS.

Seguiu-se o XX Congresso Nacional do PS, nos dias 29 e 30 de novembro de 2014, que formalizou a ascensão de Costa à liderança do partido. Como notou o jornal “Expresso” na altura, “foi um Congresso ‘controladíssimo’, onde o tema Sócrates só por duas vezes subiu ao púlpito – uma por António Costa e outra por Manuel Alegre – e nem foi preciso pronunciar-lhe o nome. O novo líder do PS queria o partido com os olhos postos no futuro, e não no passado. E conseguiu”.

“A sombra de José Sócrates. Foi o ausente mais presente ao longo dos dois dias do XX Congresso socialista. Temia-se – sobretudo depois das emotivas palavras em defesa do ex-primeiro-ministro proferidas por Mário Soares, quando o foi visitar à prisão de Évora –  que o conclave se pudesse transformar numa gigantesca manifestação de apoio ao ex-primeiro-ministro e, pior, de crítica do sistema judicial. Mas António Costa não deixou. Logo a abrir os trabalhos, no sábado de manhã,  arrumou o assunto em breves palavras: assumiu o ‘choque brutal’, felicitou os socialistas pela ‘responsabilidade e serenidade que têm revelado ao enfrentar uma prova para que ninguém está preparado’ e voltou a lembrar a necessidade de ‘confiança no Estado de Direito e no seus valores essenciais’. Ponto final”, descreveu o mesmo jornal.

Analisando os principais discursos proferidos no XX Congresso Nacional do PS, de facto, não encontramos sequer vestígios de uma qualquer discussão sobre o “caso Sócrates”. Aliás, o nome do ex-primeiro-ministro quase não foi evocado durante a reunião magna dos socialistas, exceto em algumas entrevistas rápidas à entrada para o pavilhão da Feira Internacional de Lisboa, quase todas alinhadas com a diretriz de Costa.

Aplausos no Congresso de 2018

Já em maio de 2018, quando o próprio Sócrates anunciou a sua desfiliação do PS, Ana Gomes defendeu prontamente que “o PS tem agora de refletir e identificar o que falhou nos seus controlos internos e externos ‘para se credibilizar junto do povo português'”.

“Só espero é que esta atitude de Sócrates facilite e estimule o PS a fazer o exercício de introspeção que é imperativo e que não pode mais ser adiado face ao que se sabe já e ao que ainda não se sabe sobre a teia de corrupção que tinha em Sócrates um ponto central”, afirmou a então deputada ao Parlamento Europeu e futura candidata (em 2021) à Presidência da República.

Mas no subsequente XXII Congresso Nacional do PS, realizado cerca de duas semanas depois, Costa voltou a “pedir aos seus militantes que façam no Congresso do partido um debate sobre o futuro, procurando afastar casos do presente, como o que envolve José Sócrates”.

“Não faz sentido que o nosso Congresso do PS seja sobre o presente, mas sobre o futuro do nosso país“, indicou Costa a 8 de maio de 2018, numa sessão de esclarecimento com militantes socialistas da Federação da Área Urbana de Lisboa, poucos dias depois de Sócrates ter anunciado a sua desfiliação.

Mais uma vez, o “caso Sócrates” não foi discutido no Congresso Nacional do PS, pelo menos nas principais intervenções. Aliás, quando a imagem de Sócrates surgiu num vídeo de homenagem a todos os fundadores e secretários-gerais do partido, exibido durante o evento, ouviram-se mesmo “fortes aplausos” dos militantes.

Mais recentemente, em abril de 2021, o deputado Pedro Delgado Alves sugeriu que o PS deveria fazer uma reflexão auto-crítica em relação ao “caso Sócrates” e foi criticado por causa dessa ideia em reunião da bancada parlamentar do partido, sobretudo por Ana Catarina Mendes.

Segundo reportou o “Público” na altura, “Ana Catarina Mendes reagiu de forma dura à posição do seu vice-presidente da bancada. A presidente do grupo parlamentar do PS insurgiu-se contra a tese de que se deverá suscitar a discussão sobre a conduta de José Sócrates, tendo em vista uma auto-crítica, alegando que é preciso separar as questões dos processos judiciais e a esfera da ação política”.

Quase em simultâneo, Ana Gomes insistiu no mesmo apelo para uma reflexão no interior do PS sobre o “caso Sócrates”, lamentando o “silêncio ensurdecedor” da Direção do partido.

“Este silêncio é, de facto, ensurdecedor, porque dá ideia de que, ou há comprometimento, ou há demissão de uma assunção de responsabilidades que o PS também tem de fazer, porque o PS tem de aceitar que se deixou instrumentalizar por um indivíduo que tinha muitas qualidades mas também tinha tremendos defeitos, designadamente o de se aproveitar do cargo para tirar proveito pessoal”, declarou Gomes em entrevista ao “Público” e rádio Renascença.

Entretanto, a 15 de novembro de 2023, em entrevista ao “Público”, a deputada Alexandra Leitão apontou no mesmo sentido, já no rescaldo da demissão do Governo de Costa.

“Os partidos, os sistemas, as instituições devem fazer auto-reflexão e devem estar até em permanente reflexão, não para se auto-flagelarem. Acho que se deveria ter feito uma reflexão no pós-socratismo e veremos que tipo de reflexão é que é preciso fazer agora”, afirmou a ex-ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública.

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Avaliação do Polígrafo:

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