maO apuramento dos votos nos dois círculos do Estrangeiro (Europa e Fora da Europa), através dos quais serão atribuídos os quatro mandatos que faltam para completar os 230 deputados à Assembleia da República, continua a gerar especulação em torno de cenários e soluções de Governo. Nesse âmbito, embora o próprio líder do PS, Pedro Nuno Santos, tenha atribuído a vitória aos adversários da Aliança Democrática (AD) logo na noite eleitoral de 10 de março, ainda há quem alimente a esperança de o PS vir a formar Governo com base numa maioria relativa parlamentar baseada nos partidos mais à esquerda (BE, PCP, Livre e PAN, além do PS) no espectro político.
Sim, o líder do Livre, Rui Tavares, que acaba de formar um grupo parlamentar (quatro deputados) pela primeira vez na sua (ainda) breve História. Em entrevista no programa informativo “360º” da RTP3, emitido ontem à noite, Tavares voltou a apontar para esse cenário, motivado aliás pela hipótese de os votos nos círculos do Estrangeiro virem a resultar numa ultrapassagem da AD pelo PS ao nível nacional. E importa sublinhar: perante uma diferença de apenas dois mandatos e cerca de 54 mil votos, os cerca de 300 mil votos dos círculos do Estrangeiro poderão gerar essa ultrapassagem, embora seja muito improvável.
Foi neste contexto que Tavares foi confrontado com a seguinte pergunta: “Havendo um empate, ou até uma vitória do PS, mas uma maioria de direita no Parlamento, o que deve fazer o Presidente da República? Indigitar o vencedor ou partir logo para a segunda opção?”
Ao que o líder do Livre respondeu com uma advertência: “Desde logo, não é claro na Constituição o que é que determina que é o vencedor, se é quem tem mais mandatos ou mais votos.”
De qualquer modo, Tavares ainda reconheceu que “a interpretação mais corrente – e aquela que eu faço também – é que em primeiro lugar estão os mandatos, quantos deputados é que são eleitos por cada partido ou, não havendo maioria absoluta, pelo bloco ou campo político mais coerente e mais abrangente que consiga fazer uma aliança. E, em segundo lugar, para critério de desempate serve o número de votos”.
É verdade que “não é claro na Constituição o que é que determina que é o vencedor” das eleições legislativas?
De facto, no Artigo 187.º (Formação) da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece-se que “o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais“.
Mais, “os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro“.
Ou seja, a CRP nem sequer determina que o Primeiro-Ministro nomeado pelo Presidente da República tenha que ser “o vencedor” das eleições legislativas. E muito menos especifica se “o vencedor” corresponde ao partido que acumula mais mandatos ou mais votos.
Mas tem sido essa a prática corrente – “tendo em conta os resultados eleitorais” -, mesmo quando “o vencedor” enfrenta uma maioria parlamentar antagónica e disposta a formar um Governo alternativo, tal como aconteceu em 2015 (o segundo Governo de Pedro Passos Coelho durou menos de um mês, até ser derrubado pela “geringonça”).

Importa também ter em atenção que nunca se registou um resultado tão próximo do empate entre os dois principais partidos. O resultado mais próximo desse cenário verificou-se em 2002, quando o PSD de Durão Barroso conquistou 105 mandatos (40,2% dos votos), a curta distância do PS de Ferro Rodrigues que ficou com 96 mandatos (37,7% dos votos). Mas uma coligação pós-eleitoral do PSD com o CDS-PP de Paulo Portas, que elegera 14 deputados, permitiu então formar um Governo baseado em maioria absoluta parlamentar, afastando quaisquer dúvidas sobre o desenlace das legislativas desse ano.
Quando o padrão do “bipartidarismo” sofreu o abalo do PRD (17,9% dos votos, 45 mandatos) nas legislativas de 1985, a diferença entre o primeiro e o segundo partidos mais votados foi superior em comparação com 2002 e 2024: o PSD de Cavaco Silva obteve então 88 mandatos (29,8% dos votos), enquanto o PS de Almeida Santos não foi além de 57 mandatos (20,7% dos votos). Nessas circunstâncias, o PSD formou um Governo baseado em maioria relativa que durou menos de dois anos.
_______________________________
Avaliação do Polígrafo: