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Rui Rio acusa Eduardo Cabrita de ter mentido no Parlamento sobre os festejos do Sporting. Tem razão?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Na entrevista publicada hoje no jornal "Expresso", o líder do PSD reitera a acusação de que o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, terá mentido no Parlamento, ao responder a perguntas dos deputados sobre a sua intervenção no processo de organização dos festejos de adeptos do Sporting Clube de Portugal (SCP) no dia 11 de maio de 2021, em Lisboa. Verificação de factos.

Questionado sobre se “faria sentido criar uma comissão de inquérito”, depois de ter acusado o ministro Eduardo Cabrita de mentir ao Parlamento, Rui Rio explicou que “houve deputados do PSD que me disseram que devíamos fazer isso. Mas, face a tudo o que se passou e se sabe, apesar de ser grave, acho que não devemos vulgarizar as comissões de inquérito. Podia querer dar mais visibilidade a isto com uma comissão de inquérito, mas está tudo razoavelmente claro”.

Em entrevista ao jornal “Expresso” (publicada na edição de hoje, 30 de julho), apesar de não defender a criação de uma comissão de inquérito, o líder do PSD sublinhou que “já sabemos que [Eduardo Cabrita] mentiu“.

Esta alegação, em particular, tem fundamento?

Recuemos até ao dia 2 de junho de 2021, quando o ministro da Administração Interna participou em audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República. O deputado Carlos Peixoto, do PSD, referindo-se aos festejos dos adeptos do SCP, questionou então o ministro sobre se “em Lisboa, há ou não há interferência do Governo, ou da tutela, ou ordens superiores para a PSP, relativamente àquilo que aconteceu? (…) Há ou não há correspondência trocada entre o seu Ministério [da Administração Interna] e a Direção Nacional da PSP relativamente à situação de Lisboa?”

“O organizador, quer da final da Taça de Portugal, quer da Champions [Liga dos Campeões], o organizador foi o mesmo, foi a Federação Portuguesa de Futebol. A PSP adoptou, quer num caso, quer noutro, a resposta adequada. E é uma infâmia estar a ser porta-voz da mentira de que o ministro dá indicações sobre como é que esta ou aquela técnica operacional, como é que esta ou aquela unidade deve interferir. Também relativamente a Lisboa [festejos de adeptos do SCP], tudo é transparente“, respondeu Cabrita.

“A iniciativa das celebrações efetuadas foram articuladas entre o SCP e a Câmara Municipal de Lisboa, como aliás o senhor presidente da Câmara Municipal disse relativamente àquele que era o modelo de uma deslocação que visava exatamente distribuir ao longo da cidade a presença de pessoas”, garantiu o ministro, perante os deputados.

Em causa estão os festejos de adeptos do SCP no dia 11 de maio de 2021, em Lisboa, celebrando a vitória da equipa profissional de futebol masculino no campeonato nacional. O descontrolo da situação em pleno quadro de restrições no âmbito da pandemia de Covid-19 motivou a elaboração de um inquérito à intervenção da PSP pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), cujo relatório foi divulgado no dia 16 de julho de 2021 (pode consultar aqui).

Entre os factos apurados no relatório destaca-se um e-mail remetido pelo gabinete do secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Antero Luís, à PSP, na véspera dos festejos, em resposta a um ofício da Direção Nacional da PSP que desaconselhava a “utilização do trio eléctrico/desfile pela via pública”, um dos três cenários equacionados.

“Por comportar um elevado grau de imprevisibilidade relativamente à manutenção da ordem pública e riscos elevados, desaconselhamos o terceiro cenário -​ utilização do trio eléctrico/desfile pela via pública”, sublinhara a Direção Nacional da PSP no referido ofício, também entre os factos apurados no relatório do IGAI.

 

A PSP indicou que “o formato preferencial é o referido no primeiro cenário – celebração no interior do recinto desportivo. Em alternativa, deve ser considerado o segundo cenário – recinto improvisado no Marquês de Pombal”.

Na resposta do MAI, às 22h30m de 10 de maio, porém, o ministro Eduardo Cabrita comunica que “as três alternativas referidas foram analisadas na reunião de sexta-feira passada. A Câmara de Lisboa e o SCP acordaram com a terceira alternativa“.

Contudo, outro facto apurado no relatório da IGAI é que a reunião que se realizou no dia 7 de maio nas instalações do MAI, em que foram debatidos os três cenários, acabou por “terminar após as 19h00m sem qualquer decisão“.

Não obstante eventuais responsabilidades da Câmara Municipal de Lisboa e do SCP no processo, o facto é que o MAI validou a realização dos festejos de adeptos do SCP, ainda para mais no formato que tinha sido desaconselhado pela PSP, “por comportar um elevado grau de imprevisibilidade relativamente à manutenção da ordem pública e riscos elevados”.

No Parlamento, a 2 de junho, perante os deputados, Cabrita omitiu a correspondência trocada entre o MAI e a Direção Nacional da PSD (apesar de ter sido questionado direta e explicitamente sobre essa correspondência) e negou qualquer intervenção do MAI no processo, em contradição flagrante com os factos posteriormente apurados no relatório da IGAI.

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