Questionado sobre se “faria sentido criar uma comissão de inquérito”, depois de ter acusado o ministro Eduardo Cabrita de mentir ao Parlamento, Rui Rio explicou que “houve deputados do PSD que me disseram que devíamos fazer isso. Mas, face a tudo o que se passou e se sabe, apesar de ser grave, acho que não devemos vulgarizar as comissões de inquérito. Podia querer dar mais visibilidade a isto com uma comissão de inquérito, mas está tudo razoavelmente claro”.
Em entrevista ao jornal “Expresso” (publicada na edição de hoje, 30 de julho), apesar de não defender a criação de uma comissão de inquérito, o líder do PSD sublinhou que “já sabemos que [Eduardo Cabrita] mentiu“.
Esta alegação, em particular, tem fundamento?
Recuemos até ao dia 2 de junho de 2021, quando o ministro da Administração Interna participou em audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República. O deputado Carlos Peixoto, do PSD, referindo-se aos festejos dos adeptos do SCP, questionou então o ministro sobre se “em Lisboa, há ou não há interferência do Governo, ou da tutela, ou ordens superiores para a PSP, relativamente àquilo que aconteceu? (…) Há ou não há correspondência trocada entre o seu Ministério [da Administração Interna] e a Direção Nacional da PSP relativamente à situação de Lisboa?”
“O organizador, quer da final da Taça de Portugal, quer da Champions [Liga dos Campeões], o organizador foi o mesmo, foi a Federação Portuguesa de Futebol. A PSP adoptou, quer num caso, quer noutro, a resposta adequada. E é uma infâmia estar a ser porta-voz da mentira de que o ministro dá indicações sobre como é que esta ou aquela técnica operacional, como é que esta ou aquela unidade deve interferir. Também relativamente a Lisboa [festejos de adeptos do SCP], tudo é transparente“, respondeu Cabrita.
“A iniciativa das celebrações efetuadas foram articuladas entre o SCP e a Câmara Municipal de Lisboa, como aliás o senhor presidente da Câmara Municipal disse relativamente àquele que era o modelo de uma deslocação que visava exatamente distribuir ao longo da cidade a presença de pessoas”, garantiu o ministro, perante os deputados.
Em causa estão os festejos de adeptos do SCP no dia 11 de maio de 2021, em Lisboa, celebrando a vitória da equipa profissional de futebol masculino no campeonato nacional. O descontrolo da situação em pleno quadro de restrições no âmbito da pandemia de Covid-19 motivou a elaboração de um inquérito à intervenção da PSP pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), cujo relatório foi divulgado no dia 16 de julho de 2021 (pode consultar aqui).
Entre os factos apurados no relatório destaca-se um e-mail remetido pelo gabinete do secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, Antero Luís, à PSP, na véspera dos festejos, em resposta a um ofício da Direção Nacional da PSP que desaconselhava a “utilização do trio eléctrico/desfile pela via pública”, um dos três cenários equacionados.
“Por comportar um elevado grau de imprevisibilidade relativamente à manutenção da ordem pública e riscos elevados, desaconselhamos o terceiro cenário - utilização do trio eléctrico/desfile pela via pública”, sublinhara a Direção Nacional da PSP no referido ofício, também entre os factos apurados no relatório do IGAI.
A PSP indicou que “o formato preferencial é o referido no primeiro cenário – celebração no interior do recinto desportivo. Em alternativa, deve ser considerado o segundo cenário – recinto improvisado no Marquês de Pombal”.
Na resposta do MAI, às 22h30m de 10 de maio, porém, o ministro Eduardo Cabrita comunica que “as três alternativas referidas foram analisadas na reunião de sexta-feira passada. A Câmara de Lisboa e o SCP acordaram com a terceira alternativa“.
Contudo, outro facto apurado no relatório da IGAI é que a reunião que se realizou no dia 7 de maio nas instalações do MAI, em que foram debatidos os três cenários, acabou por “terminar após as 19h00m sem qualquer decisão“.
Não obstante eventuais responsabilidades da Câmara Municipal de Lisboa e do SCP no processo, o facto é que o MAI validou a realização dos festejos de adeptos do SCP, ainda para mais no formato que tinha sido desaconselhado pela PSP, “por comportar um elevado grau de imprevisibilidade relativamente à manutenção da ordem pública e riscos elevados”.
No Parlamento, a 2 de junho, perante os deputados, Cabrita omitiu a correspondência trocada entre o MAI e a Direção Nacional da PSD (apesar de ter sido questionado direta e explicitamente sobre essa correspondência) e negou qualquer intervenção do MAI no processo, em contradição flagrante com os factos posteriormente apurados no relatório da IGAI.
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Avaliação do Polígrafo: