“Eles não sabem o que é estar numa sala de espera horas e horas e horas e ter que ver pessoas de outras nacionalidades passarem à frente, porque isto acontece”, afirmou Rita Matias em recente entrevista à empresa de produção audiovisual “Brasil Paralelo”. Referia-se aos “burocratas” e “ministros” no poder que “não sabem” o que é a imigração “porque os filhos deles estudam na escola privada” e “vão a um hospital privado”.
Saltando entre a escola e o hospital, a deputada do Chega acaba por referir que “há uma priorização, por exemplo, no acesso à creche, no acesso àqueles cuidados infantis, o imigrante passa à frente do português. E isto gera revolta e insatisfação”.
Esta última alegação tem fundamento?
Não. Tal como o Polígrafo já tinha verificado em agosto de 2024, no que concerne ao regime de matrícula e frequência no âmbito da escolaridade obrigatória das crianças e jovens entre os 6 e os 18 anos, a legislação que estabelece os procedimentos e normas na distribuição de crianças e alunos consiste no Despacho Normativo n.º 10-B/2021. Nos respetivos Artigos 10.º e 11.º definem-se as “prioridades na matrícula ou renovação de matrícula”, sendo o primeiro caso referente à educação pré-escolar e o segundo ao ensino básico.
No Artigo 10.º indica-se que a prioridade relativamente a crianças em educação pré-escolar é dada em primeiro lugar em função da idade, ou seja, “crianças que completem os 5 e os 4 anos de idade até dia 31 de dezembro, sucessivamente pela ordem indicada”; “crianças que completem os 3 anos de idade até 15 de setembro” e “crianças que completem os 3 anos de idade entre 16 de setembro e 31 de dezembro”.
De seguida, “e como forma de desempate em situação de igualdade”, as prioridades passam a ser “crianças com necessidades educativas específicas“; “filhos de mães e pais estudantes menores” e “crianças com irmãos ou com outras crianças e jovens, que comprovadamente pertençam ao mesmo agregado familiar, a frequentar o estabelecimento de educação e de ensino pretendido”.
As prioridades seguintes dizem respeito a beneficiários de ASE (Ação Social Escolar) “cujos encarregados de educação residam, comprovadamente, na área de influência do estabelecimento de educação e de ensino pretendido”, ou “cujos encarregados de educação desenvolvam a sua atividade profissional, comprovadamente, na área de influência do estabelecimento de educação e de ensino pretendido”. Depois posicionam-se os alunos sem este benefício, mas cujos encarregados de educação residam na área de influência do estabelecimento.
Por último, existem “outras prioridades e ou critérios de desempate definidos no regulamento interno do estabelecimento de educação e de ensino”. Já na renovação de matrícula é dada “prioridade às crianças que frequentaram no ano anterior o estabelecimento de educação e de ensino que pretendem frequentar, aplicando-se sucessivamente as prioridades definidas nos números anteriores”.
O mesmo tipo de prioridades é estabelecido no Artigo 11.º relativamente ao ensino básico, à exceção da prioridade dada a crianças filhas de pais estudantes menores e somado o critério de que “no ano letivo anterior tenham frequentado a educação pré-escolar ou o ensino básico no mesmo agrupamento de escolas” e alunos “mais velhos, no caso de matrícula, e mais novos, quando se trate de renovação de matrícula, à exceção de alunos em situação de retenção que já iniciaram o ciclo de estudos no estabelecimento de educação e de ensino”.
Acresce ainda a Portaria n.º 198/2022, de 27 de julho, que “regulamenta as condições específicas” relativamente à gratuitidade das creches e creches familiares. No Artigo 9.º determina-se que “os critérios de admissão e priorização para as vagas” são “os definidos no anexo à presente portaria, que dela faz parte integrante”.
Nesse anexo define-se que têm prioridade as crianças que “frequentaram a creche no ano anterior“, “com deficiência/incapacidade“, “crianças filhos de mães e pais estudantes menores, ou beneficiários de assistência pessoalno âmbito do Apoio à Vida Independente ou reconhecido como cuidador informal principal, ou crianças em situação de acolhimento ou em casa abrigo”, e “crianças com irmãos, que comprovadamente pertençam ao mesmo agregado familiar, que frequentam a resposta social”.
Seguem-se as crianças beneficiárias da prestação social Garantia para a Infância e/ou com abono de família para crianças e jovens (1.º e 2.º escalões), cujos encarregados de educação residam ou desenvolvam a atividade profissional, comprovadamente, na área de influência da resposta social.
Nas prioridades constam ainda “crianças em agregados monoparentais ou famílias numerosas“, cujos encarregados de educação residam ou desenvolvam a atividade profissional, comprovadamente, na área de influência da resposta social e crianças cujos encarregados de educação residam ou desenvolvam a atividade profissional, comprovadamente, na área de influência da resposta social.
Em nenhum dos pontos prioritários, tanto no Despacho Normativo n.º 10-B/2021 como na Portaria n.º 198/2022, está expresso que os alunos vindos do exterior têm prioridade sobre os restantes.
Em suma, a legislação não contempla qualquer prioridade relacionada com alunos estrangeiros. Há apenas a indicação de que o estabelecimento de educação pode definir no regulamento interno “outras prioridades e ou critérios de desempate”, mas tal não pressupõe que as escolas definam como critério prioritário a criança ser estrangeira ou filha de imigrantes.
Aliás, depois da publicação do referido artigo do Polígrafo, o Ministério da Educação confirmou a inexistência de uma priorização concedida aos imigrantes: “A nacionalidade do aluno não é critério nas matrículas dos alunos e em nenhum dos artigos da legislação em vigor está expresso que as crianças e os alunos vindos do exterior têm prioridade sobre os restantes.”
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Avaliação do Polígrafo: