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Rita Matias disse que ia distribuir estudo do IPCC que afinal não existe com conclusão que também não existe?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
A deputada que já protagonizou vários episódios caricatos em comissões parlamentares volta a estar no centro da polémica, desta vez durante a audição desta quarta-feira ao ministro do Ambiente. Matias estava confiante de que muitas "predições" científicas foram falhando ao longo dos anos, nomeadamente a de que várias nações ficariam submersas no virar do século (por volta do ano 2000). A fonte era um estudo do IPCC de 1989 que, quando distribuído pelos deputados, passou a ser apenas uma notícia da Associated Press (AP), sem as conclusões mencionadas pela deputada.

Aconteceu durante a audição do ministro do Ambiente e da Ação Climática, sobre conclusões e decisões resultantes da COP27 que podem influenciar diretamente a economia de Portugal e o dia a dia dos portugueses a requerimento do Chega: Rita Matias quis provar que o seu partido não nega a ciência, ou pelo menos que não a nega sem ter fontes para isso. Começou com um professor do MIT, mas logo encontrou outros dados mais coesos, quando incentivada pelo ministro Duarte Cordeiro.

“A senhora deputada vai sempre encontrar uma referência qualquer científica, mas eu queria-lhe explicar o que é o painel do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas): tem 195 membros, países. É um contributo internacional alargadíssimo. Existe desde 1988, faz parte das Nações Unidas. Não é um contributo de uma pessoa, como a senhora deputada cita, são 195 membros. Não é uma coisa que se rebate com um cientista, é um consenso generalizado do ponto de vista científico que tem um trabalho de décadas e que nos diz quais são as consequências do impacto das alterações climáticas. Ignorar isto é muito arriscado”, desafiou o ministro do Ambiente.

Pouco depois, Rita Matias alertava o presidente daquela Comissão Parlamentar, Tiago Brandão Rodrigues, deputado do PS, de que o seu partido iria fazer chegar aos serviços um “relatório do IPCC de 1989 que dizia que algumas nações poderiam estar submergidas nos anos 2000. Pasmem-se, chegamos a 2023 e nenhuma das nações foi submersa (sic). Este relatório foi feito pelos 195 membros, pelo orgão enaltecido pelo ministro. Às vezes as predições falham”.

Na terceira e última parte daquela audição, Tiago Brandão Rodrigues avisou que o documento já tinha sido distribuído, mas fez questão de confrontar Rita Matias com a natureza do suposto “relatório”: “Senhora deputada, quero dizer-lhe uma coisa, na dialética parlamentar não serve tudo. A senhora deputada disse que ia distribuir um relatório do IPCC, que era importante para entender um conjunto de questões sobre a posição do IPCC em relação às alterações climáticas, mas fez-nos distribuir uma notícia, sem fonte ou data, praticamente não se consegue ler. Não pode dizer que vai distribuir uma coisa e distribuir outra completamente diferente. Parecia que trazia um livro que era quase uma obra mundial e depois traz um livro do ‘Tio Patinhas’. Só queria saber onde está o relatório do IPCC.”

O relatório de 1989 não existe e Matias acaba por confirmá-lo já no fim da audição ao ministro do Ambiente: “A referência que eu fiz era à UNEP (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). A notícia que divulguei tinha aquilo que referi, a questão de estar predito que algumas zonas estariam inundadas à data de hoje, que é uma questão que não existe.”

Momento insólito com a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, decorreu a 9 de maio, numa audição requerida pelo Chega a propósito do aumento dos casos de violência no namoro em Portugal. Com início marcado para as 14h, Rita Matias apareceu na sala 10 minutos mais tarde, não tendo acompanhado a intervenção inicial da ministra. Poucos minutos depois, a deputada pedia para intervir e fazia o aviso: o Grupo Parlamentar do Chega teria que se ausentar. As respostas da ministra, ouviam-nas "pela ARTV".

The Oshkosh Northwestern“. É este o nome do jornal onde consta a peça partilhada por Rita Matias, na sua edição de 30 de junho de 1989. A notícia, distribuída pela Associated Press (AP) um dia antes, tem por base uma entrevista o diretor da sede de Nova York do UNEP. O primeiro parágrafo dizia: “Alto funcionário ambiental da ONU diz que nações inteiras podem ser apagadas da face da Terra por causa do aumento do nível do mar se a tendência do aquecimento global não for revertida até ao ano 2000.”

Este funcionário da ONU era Noel Brown, na altura diretor regional do UNEP, que, alerta-se, não era cientista. Embora reconhecidamente alarmistas, as declarações deste alto funcionário da ONU foram muitas vezes distorcidas, nomeadamente por Rita Matias, que sugeriu que a declaração de Brown significava que as nações estariam submersas no ano 2000. Na verdade, Brown empurrava a consequência para um futuro mais distante. Isto, “se a tendência do aquecimento global não for revertida até 2000.” Os cenários nos artigos citados pela AP descreveram projeções que mencionavam inclusivamente o ano 2100.

No final da década de 1980, mais precisamente em novembro de 1988, o UNEP e a Organização Meteorológica Mundial criaram o IPCC e “direcionaram-no para avaliar a ciência, os impactos e as possíveis respostas às alterações climáticas globais”. Como parte dessa criação, foi realizada uma conferência em Miami que se prolongou de 27 de novembro a 1o de dezembro de 198  e que “focou nas implicações do aumento do nível do mar para a África Ocidental, as Américas, a Bacia do Mediterrâneo e o resto da Europa”.

Brown, o funcionário do UNEP, parece ter feito referência a declarações feitas em artigos preparados para esta conferência, como um relatório da EPA publicado em maio de 1990 e intitulado “Mudança do Clima e da Costa: Respostas Adaptativas e as suas Implicações Económicas, Ambientais e Institucionais”. Este artigo incluía projeções futuras para inundações em países de baixa elevação. Apesar disso, nenhum destes artigos científicos assegurou que isso aconteceria até 2000.

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