“O comunismo fracassou no Ocidente e os trabalhadores não aderiram em massa às ideias revolucionárias de Marx. (…) Atribuíram então a culpa ao Ocidente. O Ocidente onde uma família é um homem, uma mulher e os seus filhos. (…) Desenvolveram também as teorias de género que atentam contra as verdades mais básicas e elementares como: um homem é um homem e nunca poderá ser uma mulher. (…) Há quem venha chorar o assédio no desporto hoje, mas abra a porta ao assédio e violação nos balneários das escolas. Estes que aqui hoje trazem palavras bonitas são os mesmos que apresentaram propostas para que os balneários, por exemplo destes jovens que nos ouvem aqui hoje, sejam mistos e que homens e mulheres possam partilhar estes espaços de intimidade”.
Estas são as frases de Rita Matias, deputada do Chega, que surgem compiladas num clip de vídeo difundido na página do PAN no X/Twitter, em publicação de 20 de outubro. “Infelizmente, já é habitual ouvirmos do partido Chega discursos homofóbicos e transfóbicos“, comenta-se no tweet do partido liderado por Inês Sousa Real. “Desta vez, para além do projeto extremamente discriminatório que foi apresentado, a intervenção foi tão absurda e fora do contexto do debate que não podemos deixar de responder!”

As declarações em causa de Matias foram recolhidas a partir de uma sua intervenção na reunião plenária de 20 de outubro na Assembleia da República. Naquela circunstância estavam a ser debatidas propostas relacionadas com o setor do desporto, nomeadamente um projeto de lei do PAN que “consagra o assédio como infração disciplinar no âmbito do regime jurídico das federações desportivas e prevê a criação de canais de denúncia de infrações de normas de defesa da ética desportiva”, o qual acabou por ser aprovado (inclusive com os votos a favor dos deputados Chega) nessa mesma sessão parlamentar.
Por seu lado, o Chega apresentava um projeto de resolução que “recomenda ao Governo que adopte um conjunto de medidas que impactam os atletas de alta competição”. Acabou por ser chumbado, obtendo apenas os votos a favor dos deputados do Chega e do PSD.
No âmbito dessa proposta recomendava-se que o Governo “tome as medidas necessárias para assegurar a liberdade de pensamento de todos os atletas de alta competição, por forma a combater comportamentos anti-desportivos que coloquem em causa a verdade desportiva assim como os direitos, liberdades e garantias dos mesmos”; “crie mecanismos que evitem a politização ideológica do desporto“; “promova um sistema de integração dos atletas de alta competição que queiram retomar o percurso académico, assim como a nível profissional, no setor público e privado”; “promova uma campanha no mundo desportivo focada no pós-carreira, através de formações entre atletas mais experientes e novos, não só ao nível do empreendedorismo profissional mas também ao nível do bem-estar mental e emocional”.
Em relação à “liberdade de pensamento” e “politização ideológica”, na exposição de motivos remetia-se para um “caso recente, em que vários jogadores da 1.ª e 2.ª Liga francesa de futebol se recusaram a usar camisolas ‘especiais’, com as cores arco-íris, numa campanha alusiva à agenda e lobby ‘LGBT‘”. Daí também a acusação de discurso homofóbico e transfóbico por parte do PAN.
Mas o que disse afinal Matias sobre o “marxismo” e os balneários mistos? A partir da gravação em vídeo da intervenção (arquivada na ARTV) transcrevemos uma versão quase integral:
“O comunismo fracassou no Ocidente e os trabalhadores não aderiram em massa às ideias revolucionárias de Marx. A implementação destas ideias foi um fracasso e, na primeira oportunidade, o cidadão comum fugia do comunismo. E basta apenas pensarmos para que lado correram os alemães após a queda do Muro de Berlim. Antes mesmo desse acontecimento, os académicos marxistas perceberam este fracasso. E, por exemplo, na ‘Escola de Frankfurt’, tentaram perceber porque é que as massas rejeitavam o comunismo e atribuíram então a culpa ao Ocidente, o Ocidente de matriz cristã. O Ocidente onde uma família é um homem, uma mulher e os seus filhos. Ou o Ocidente onde as nações são amadas.
Então decidiram derrotar o Ocidente, não pela via económica, mas através da cultura. E desenvolveram as teorias de controlo populacional, como o pós-colonialismo e as teorias raciais, que obrigam o Ocidente a pedir desculpa pela sua História, como nunca foi exigido a qualquer país asiático ou do Médio Oriente, onde também abundam invasões e mortes em função do credo, da raça e do sexo.
Desenvolveram também as teorias de género que atentam contra as verdades mais básicas e elementares como: um homem é um homem e nunca poderá ser uma mulher. E isto tem permeado todos os setores, nomeadamente também o desporto.
(…)
Há quem venha chorar o assédio no desporto hoje, mas abra a porta ao assédio e violação nos balneários das escolas. Estes que aqui hoje trazem palavras bonitas são os mesmos que apresentaram propostas para que os balneários, por exemplo destes jovens que nos ouvem aqui hoje, sejam mistos e que homens e mulheres possam partilhar estes espaços de intimidade.”

De facto, Matias partiu de uma tese de crítica aos “académicos marxistas” que “desenvolveram as teorias de controlo populacional, como o pós-colonialismo e as teorias raciais” [sic] e desembocou numa denúncia de quem vem “chorar o assédio no desporto hoje, mas abra a porta ao assédio e violação nos balneários das escolas“, em referência aos balneários mistos.
Em abril deste ano, porém, quando o Polígrafo verificou que o Chega foi o único partido a propor a instalação de casas-de-banho mistas nas escolas, a própria Matias assegurou que não foi um “erro”, mas sim “um mal menor“. Por outro lado, garantiu que se fosse aprovada, a medida seria revogada assim que o Chega tivesse condições governativas para o fazer.
No Projeto-Lei 705/XV/1.a, assinado pelo grupo parlamentar do Chega, o partido de Matias defendia um reforço na “proteção e privacidade das crianças e jovens nos espaços de intimidade em contexto escolar”, através da regulamentação, nomeadamente, da “abertura da possibilidade à partilha da casa-de-banho ou balneários por pessoas de diferentes sexos“.
Ou seja, além das casas-de-banho, também propunha balneários mistos – algo que Matias diz agora que abre “a porta ao assédio e violação nos balneários das escolas”.
“A criação de espaços específicos, determinados e devidamente identificados respeita a privacidade de todos quantos querem frequentar a casa-de-banho do seu sexo e salvaguarda também as pessoas com disforia de género ou em ‘processo de transição social’, salvaguardando o seu bem-estar e garantindo que no âmbito desse processo não estão expostas a olhares indiscretos ou jocosos”, considerava o partido no referido projeto de lei que, nestes termos, veio a defender que “os estabelecimentos do sistema educativo, independentemente da sua natureza pública ou privada, devem garantir as condições necessárias, sem comprometer a privacidade e segurança da comunidade escolar, para que as crianças e jovens se sintam respeitados de acordo com a identidade de género e expressão de género manifestadas e as suas características sexuais”.
Além disso, “os espaços escolares devem assegurar o acesso a instalações sanitárias e balneários divididos pelo critério de sexo masculino e feminino, sem prejuízo de também poderem disponibilizar espaços não caracterizados a que se pode aceder sem qualquer critério de género“.
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Avaliação do Polígrafo: