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Rita Matias acusa Rui Tavares de ser um “avençado de George Soros”. É verdade?

Política
O que está em causa?
Na sequência da acusação da deputada do Chega e de um contacto do Polígrafo a pedir esclarecimentos, Tavares interveio no debate parlamentar para sublinhar que não era a primeira vez que tal "atoarda" lhe era dirigida e que "há jornalistas a perguntarem-me se isto tem algum fundo de verdade". Afinal existem ou não "avenças" de George Soros?
© Agência Lusa / Miguel A. Lopes

Esta quinta-feira, 13 de março, durante uma reunião plenária dedicada ao tema “Europa, Segurança e Democracia”, eclodiu uma discussão acesa entre Rita Matias (deputada do Chega) e Rui Tavares (deputado do Livre), envolvendo também a condução dos trabalhos por Rodrigo Saraiva (deputado do Iniciativa Liberal) que substituía o Presidente da Assembleia da República.

Ao intervir no debate, Tavares fez uma referência crítica ao deputado Nuno Simões Melo, do Chega (e ex-militante do Iniciativa Liberal), e foi interrompido pelo ruído e protestos oriundos da respetiva bancada parlamentar. Após um breve interregno, Saraiva declarou: “Senhor deputado Rui Tavares, pode continuar porque estava a ir bem e a resposta estava a ser ouvida, independentemente das tentativas de interrupção.”

A expressão “estava a ir bem” motivou mais protestos da bancada do Chega, cujos deputados acusaram então Saraiva de parcialidade. A deputada Rita Matias avançou mesmo com uma interpelação à Mesa da Assembleia da República, tendo afirmado:

“O Grupo Parlamentar do Chega não fica particularmente confortável quando vê um deputado do Livre, avençado de [George] Soros, criticar um ex-membro do Iniciativa Liberal e vê que o Presidente da Assembleia da República, que por acaso também é membro do Iniciativa Liberal, se dirige a esta declaração e diz ‘está a ir bem’. Isto não é conduzir os trabalhos, isto é zero imparcial.”

Entretanto, Saraiva contrapôs que estando na Mesa não é de “nenhum partido“, que estando na Mesa “não assume dores que possa ter quando está na bancada” e que a expressão – anódina – que utilizou visava incentivar o orador a continuar: “Era operacional, não sobre o conteúdo.”

Para verificar a acusação de Matias dirigida a Tavares – “avençado de [George] Soros” -, o Polígrafo contactou o deputado do Livre para obter esclarecimentos, o qual assegurou desde logo ser “completamente mentirosa“.

Escassos minutos depois do contacto do Polígrafo, Tavares voltou a intervir no debate em curso, recorrendo à figura do ponto de ordem:

“Há pouco, durante a intervenção da deputada Rita Matias foi utilizada uma expressão sobre mim para indicar que eu seria ‘avençado de Soros’. Como já ocorreu noutras ocasiões em que esta atoarda foi aqui utilizada nesta câmara, tentei não interromper os trabalhos então. Só que, entretanto, há jornalistas a perguntarem-me se isto tem algum fundo de verdade. Para facilitar o trabalho da Mesa, da câmara e da imprensa, cumpre-me relembrar aqui – e as atas são facilmente recuperadas – que em cada ocasião que a bancada do Chega utiliza esta mentira tem-se perguntado qual é o documento ínfimo que têm que comprova tal ideia.”

Da parte da Mesa, Saraiva notou que esta troca de acusações entre o Chega e o Livre – evocando o nome de Soros – era “repetitiva“, causando sempre o mesmo impasse nos trabalhos.

Posteriormente, o Polígrafo contactou também Rita Matias, pedindo para fundamentar a acusação. A deputada do Chega, através de mensagem escrita, remeteu para um relatório da Open Society Foundations com informação detalhada sobre a sua atividade na Europa em 2015. Na lista de financiamentos de projetos consta um apoio de 82 mil dólares norte-americanos, em forma de “bolsa operacional” para um “gestor de redes” pelo período de “um ano”, à European Alternatives.

A suposta ligação ao investidor e filantropo George Soros (de origem húngara e raízes familiares judaicas, tendo sobrevivido à ocupação nazi da Hungria e posteriormente emigrado para o Reino Unido e EUA) advém do facto de ser o fundador da Open Society Foundations, uma rede de fundações que financia iniciativas voltadas para a promoção de democracia, direitos humanos, justiça social e educação.

Além deste relatório, Matias aponta para uma notícia de 2016 na página do partido Livre em que se informa que Tavares foi eleito para o Conselho do European Alternatives.

“Este grupo congrega movimentos da sociedade civil bem como indivíduos empenhados na construção de um continente Europeu que vá para lá da soma de simples Estados-nação, assente na democracia, igualdade e cultura. Estes são também valores partilhados pelo Livre, na sua luta por uma União Europeia radicalmente mais democrática e aberta aos cidadãos e à sua participação cívica e política. Movimentos como o European Alternatives são essenciais na construção de uma União Europeia mais justa e onde ninguém seja deixado para trás. O Livre congratula-se assim com esta eleição, estando certo que, como já provou em várias ocasiões, Rui Tavares será uma mais-valia na definição do projecto europeu que queremos construir”, lê-se no texto em causa.

Em resposta ao Polígrafo, Tavares diz que “vêm volta e meia com essa história que publicaram falsamente no ‘Folha Nacional’, pasquim mentiroso deles, que já foi desmentida logo na altura e para a qual não apresentam qualquer fundamentação. Chegaram a alegar que o próprio Livre fosse financiado pelo Soros, o que seria ilegal, e é desmentido pelas nossas contas validadas pelo Tribunal Constitucional”.

De facto, em fevereiro de 2024, o Polígrafo publicou um artigo de verificação de factos sobre essa acusação de que o Livre teria sido financiado por Soros em 300 mil euros.

“O máximo que conseguem ir buscar é que fiz parte do conselho consultivo de uma organização não-governamental europeia, a European Alternatives, que teve vários financiamentos de fundos da União Europeia, geridos pela Comissão Europeia, e que terá recebido alguma bolsa da Open Society Foundations”, prosseguiu Tavares. “De qualquer forma tratava-se de uma atividade não remunerada numa organização que não pertence a qualquer fundação ou empresa de Soros, pelo que chamar-me avençado é não só abusivo, como pura e simplesmente falso. Aliás, já desafiei deputados do Chega a fazerem a mesma declaração prescindindo da imunidade parlamentar, para eu ter oportunidade de levar a injúria a tribunal.”

“Então pelos vistos a coisa é mais ridícula ainda. Eu fiz parte do Conselho Consultivo dessa associação durante dois anos, o que é uma posição não remunerada. Pelos vistos eles tiveram uma bolsa da Open Society para pagar um gestor de redes por um ano, nem sequer foi nesse período. E como é bom de ver eu não sou gestor de redes, não tive esse trabalho, e não tenho nada – nem o Livre – a ver com tal financiamento”, garantiu Tavares.

Importa aqui salientar que o referido apoio para um gestor de redes foi concedido em 2015, ao passo que Tavares só foi eleito para o Conselho Consultivo da European Alternatives em 2016. Ou seja, nem sequer coincide no período temporal.

De resto, Tavares assegura que a sua atividade no Conselho Consultivo “consistia basicamente em fazer duas reuniões por ano e dar opiniões e ideias sobre temas europeus, de forma pro bono“.

E conclui: “Para se ser avençado, que é o que a deputada do Chega caluniosamente me chamou, é preciso estar a receber dinheiro!

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Avaliação do Polígrafo:

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