O primeiro jornal português
de Fact-Checking

Ribeiro e Castro (CDS-PP): “Nos EUA, a selvajaria é de tal ordem que se pode fazer um aborto até ao fim da gravidez”

Política
O que está em causa?
No programa "Explicador" da rádio "Observador", o ex-presidente do CDS manifestou-se contra a possibilidade de um alargamento do prazo da Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) que, na sua opinião, só faria sentido se se realizasse "um novo referendo". Em tom crítico e alarmista, alegou que nos EUA "a selvajaria" é de tal ordem que se pode realizar um aborto até ao fim da gravidez. É mentira.
@ Shutterstock

Em debate esta manhã, na rádio “Observador”, com Miguel Costa Matos, líder da JS, sobre se o prazo para a Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) deve ser alargado para as 12 ou 14 semanas, José Ribeiro e Castro, ex-presidente do CDS, acusou a proposta da JS de ser “oportunismo político” e uma “manifestação do extremismo que cresce no PS”, equiparando-a até com o referendo à imigração do Chega.

Na sua perspectiva, um alargamento só faria sentido se se realizasse um novo referendo ao aborto, como o de 2007, e que limitou às 10 semanas a realização da IVG em Portugal.

Confrontado pelo moderador do debate sobre o prazo em Portugal ser “dos mais restritos da Europa”, Ribeiro e Castro argumentou que este “foi o prazo escolhido pelas promotoras da regulação do aborto que resultou do referendo” e que “nos Estados Unidos (EUA), a selvajaria é de tal ordem que até se pode fazer [um aborto] até ao fim da gravidez, portanto… isto depende dos Estados, quer dizer…”

Depois deste exemplo, sobre o qual não teceu mais detalhes, Ribeiro e Castro quis voltar à razão pela qual é contra o aborto. Na sua visão, “dentro do ventre da mãe, o que existe é uma criança”. Isso, defendeu, “não é uma crença religiosa”, mas sim “uma experiência pessoal” resultante do facto de ser pai.

O problema no exemplo dado pelo ex-presidente do CDS é que não existe nenhum estado nos EUA que permita a realização do aborto até “ao fim da gravidez”, salvo em casos excecionais de risco de vida.

Nos EUA, o limite legal varia significativamente de acordo com o estado, havendo estados em que é proibido e outros que é permitido até às 24 semanas. Esta diferença deve-se à decisão do Supremo Tribunal dos EUA, em junho de 2022, no caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization, que anulou o estabelecido por Roe vs. Wade (1973), que garantia o direito constitucional ao aborto mediante a viabilidade do feto (geralmente em torno de 24 semanas de gestação, mas que varia em função da gestação e inclui fatores como a idade gestacional, o peso e sexo do feto e as intervenções médicas disponíveis).

Com a revogação de Roe vs. Wade, o poder de regular o aborto passou a dizer respeito a cada estado com limites e exceções distintas. Atualmente, há 14 estados com proibição total ou quase total do aborto, tais como o Alabama, Texas ou Oklahoma (ver aqui outros exemplos), com exceções diferentes, mas limitadas. Por exemplo, a exceção a esta proibição no Alabama é o risco de vida, saúde ou anomalias fetais. Já no Arkansas, a exceção é única e exclusivamente o risco de vida.

Além disso, há estados com limites de semanas gestacionais, que podem ir até às seis, 12, 15, 20 ou (e este é o limite máximo) às 24 semanas de gestação. Neste último caso, apenas quatro estados permitem um prazo tão alargado.

O aborto além das 24 semanas é extremamente raro e apenas permitido em circunstâncias excecionais, como em caso de risco de vida, em que esteja em causa a saúde da mãe ou ainda de anomalias fetais graves justificadas. Mesmo nessas circunstâncias, há estados que exigem o parecer de um segundo médico, por escrito, a concordar com a prática.

Contactado pelo Polígrafo, Ribeiro e Castro justificou não ter verificado a informação: Não é uma afirmação científica e baseada no estudo da legislação dos Estados Unidos, são notícias que às vezes surgem neste tipo de debate ou de questões políticas.” As notícias que Ribeiro e Castro remeteu ao Polígrafo (artigo da NRP e artigo do “The Washinton Post“) não sustentam, porém, a sua afirmação.

Ao Polígrafo, o advogado Paulo Saragoça da Matta confirmou que a alegação de Ribeiro e Castro não é fundamentada. O limite legal pode chegar às 24 semanas em alguns estados (poucos), mas só vai além desse período em casos excecionais.

______________________________

Avaliação do Polígrafo:

Partilhe este artigo
Facebook
Twitter
WhatsApp
LinkedIn

Relacionados

Em destaque