A busca por uma cura para Covid-19 tem mobilizado a comunidade científica. Mas enquanto não é descoberta uma forma de tratamento para a doença, são muitas as receitas milagrosas que vão sendo partilhadas nas redes sociais. Num vídeo que tem sido largamente disseminado no Facebook e no YouTube desde 20 de fevereiro – mas que, entretanto, foi eliminado da plataforma de vídeos por violar os termos de utilização do site – os utilizadores são incentivados a respirar ar quente durante alguns minutos para matar o coronavírus.
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A premissa de base está relacionada com a vulnerabilidade do SARS-CoV-2 à temperatura. De facto, a comunidade científica constatou que o coronavírus é sensível a temperaturas altas, sendo inativado em cinco minutos quando está em temperatura de incubação superior a 70ºC, como explica um estudo publicado na The Lancet – e que tem sido utilizado como referência pelos investigadores.
O autor do vídeo, que se identifica como Dän Lee Dimke, começa por explicar que o coronavírus não sobrevive a temperaturas elevadas e, por isso, o ato de respirar ar quente irá matar os vírus que se reproduzem no nariz e nas cavidades nasais humanas. Deste modo, um ambiente desértico e uma sauna são apontados pelo autor como locais a visitar para evitar a contaminação. “Respirando fundo durante alguns minutos em qualquer destes lugares quentes matará uma alta percentagem de qualquer coronavírus que esteja a invadir o sistema respiratório alto. E uma segunda ou uma terceira exposição, com uma hora de intervalo, irá eliminar o resto”, avança Lee Dimke.
“O ar quente vai entrar, de facto, para os brônquios ou para os pulmões, mas o vírus está a multiplicar-se dentro das nossas células e estas vão continuar vivas. Se morressem, nós morríamos também”, explica ao Polígrafo Celso Cunha, virologista e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa.
“Nenhum deserto ou sauna disponível? Não há problema. O comum e altamente disponível secador, usado para secar o cabelo, contém um elemento de calor e uma ventoinha que instantaneamente distribui temperaturas do ar forçadas que matam o coronavírus ainda mais rápido”, prossegue o autor, acrescentando que “poderá utilizar esta técnica mesmo que já tenha febre”.
Este conselho é falso e pode até ser perigoso, contribuindo para uma maior propagação do vírus. Primeiro, o vírus SARS-CoV-2 não se reproduz nas cavidades nasais, como é afirmado no vídeo, mas sim nos alvéolos pulmonares, ou seja, ao nível dos pulmões. Mesmo assim, caso optássemos por inspirar ar quente, o vírus não iria morrer.
“O ar quente vai entrar, de facto, para os brônquios ou para os pulmões, mas o vírus está a multiplicar-se dentro das nossas células e estas vão continuar vivas. Se morressem, nós morríamos também”, explica ao Polígrafo Celso Cunha, virologista e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa. “Sendo que a temperatura e as condições da sauna não matam as células onde o vírus está, o vírus vai continuar a multiplicar-se. Vamos sair da sauna e ele vai continuar a sair das células para infetar outros”, prossegue o virologista.
Celso Cunha recusa também a ideia de que esta técnica possa ter um efeito preventivo contra a doença, como é sugerido no vídeo: “Não previne nada. Imagine que sai da sauna e encontra uma pessoa infetada. Entra em contacto com ela e inala algumas gotículas infetadas. Não é por termos estado na sauna antes que vamos deixar de ficar infetados. Vamos ficar infetados na mesma”.
Avaliação do Polígrafo: