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Registou-se um “aumento brutal” dos casos de violência doméstica por “responsabilidade deste Governo”?

Sociedade
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Publicação da página "Direita Política" acusa o atual Governo liderado por António Costa de nada fazer "para alterar, debelar, ou diminuir" os casos de violência doméstica em Portugal, a não ser um "minuto de silêncio" no Parlamento e a criação de um Dia de Luto Nacional. E sublinha: "O aumento brutal dos casos de violência doméstica é também responsabilidade deste Governo incompetente". Estas críticas baseiam-se em factos verdadeiros?

“O aumento brutal dos casos de violência doméstica é também responsabilidade deste Governo incompetente”, acusa-se no título de uma publicação da página “Direita Política”, datada de 8 de março de 2019, Dia Internacional da Mulher. “Só nos primeiros dois meses de 2019 foram assassinadas, devido a violência doméstica, 14 mulheres”, destaca-se no primeiro parágrafo do texto.

 

 

“Pergunta: Em quase quatro anos, o que fez o Governo para alterar, debelar, ou diminuir a atual situação, e proteger as vítimas? Resposta: Deu-nos um minuto de silêncio na Assembleia da República, e criou o ‘Dia de Luto Nacional‘ em memória das vítimas de violência doméstica. Caras vítimas, com estas medidas, finalmente podeis dormir tranquilas e retomar em paz e segurança as vossas vidas”, conclui-se no mesmo texto. No final surge ainda uma tabela com “os números da violência doméstica”, aparentemente copiada de um jornal.

 

 

Ao ser difundida na página “Direita Política” da rede social Facebook, esta publicação é acompanhada de outro texto que passamos a transcrever:

“A Blocada a propor a criação de tribunais especiais! Fica bem à vista o objetivo inicial: o de meter a patita na magistratura e de atropelar o princípio de separação de poderes. Ora, o que constitui violência doméstica será, mais ou menos, consensual; mas o que figura violência de género? Negar-me a manter relações sexuais com um travesti? Abrem-se precedentes dúbios e perigosos.

Com tantos deputados e cada vez mais mulheres no Parlamento, quantas iniciativas existiram para endurecer a legislação? A justiça tem de ser branda para safar pessoas como o 44 ou o amigo do selfies, Ricardo Salgado”.

Vários leitores do Polígrafo solicitaram uma verificação de factos relativamente a esta publicação. A presente análise centra-se na questão do suposto “aumento brutal” dos casos de violência doméstica e na atribuição de responsabilidade ao atual Governo liderado por António Costa. Os demais elementos da publicação em causa são deixados de parte, na medida em que são essencialmente opinativos, resvalando por vezes para o insulto gratuito e a acusação descabida.

Cingimo-nos portanto à componente mais tangível da publicação: os dados sobre o fenómeno da violência doméstica em Portugal. No que respeita ao número de femicídios e tentativas de femicídio, os dados mais fidedignos são recolhidos e compilados anualmente pelo Observatório das Mulheres Assassinadas (iniciativa da UMAR – União de Mulheres Alternativa e Resposta) que define o conceito de femicídio da seguinte forma: “Termo utilizado pela primeira vez por Diana Russell para designar ‘a morte das mulheres pelo simples facto de serem mulheres’. Falamos, pois, de violência de género contra as mulheres e na sua expressão mais dramatizada e fatal. Artigo 3.0 da Convenção de Istambul”.

Ora, consultando os relatórios anuais do Observatório das Mulheres Assassinadas, desde 2011 (quanto o anterior Governo, liderado por Pedro Passos Coelho, tomou posse), obtemos os seguintes números:

 

2011

27 femicídios

44 tentativas de femicídio

 

2012

40 femicídios

53 tentativas de femicídio

 

2013

37 femicídios

36 tentativas de femicídio

 

2014

43 femicídios

49 tentativas de femicídio

 

2015

29 femicídios

39 tentativas de femicídio

 

2016

22 femicídios

31 tentativas de femicídio

 

2017

20 femicídios

28 tentativas de femicídio

 

2018

24 femicídios

 

2019

12 femicídios

 

O atual Governo de Costa tomou posse em novembro de 2015. No primeiro ano em funções, 2016, o número de femicídios baixou (de 29 para 22) em comparação com o ano anterior, tal como o número de tentativas de femicídio. A partir da definição de femicídio, devemos ressalvar que nem todos os femicídios são enquadráveis no contexto de violência doméstica. Mas são estes dados da UMAR que as próprias autoridades utilizam – na maior parte das vezes – para analisar o fenómeno da violência doméstica.

Prosseguindo, em 2017 registou-se o número mais baixo de femicídios da presente década, 20 mulheres assassinadas, menos de metade das 43 que foram mortas em 2014. Ou seja, nos dois primeiros anos do atual Governo, o número de femicídios baixou substancialmente. Em 2018 voltou a subir para 24 casos e nos primeiros meses de 2019 mantém um ritmo acelerado, já com 12 femicídios. É inegável que o número de casos voltou a aumentar em 2018 e 2019, mas ainda assim continua distante dos números registados entre 2011 e 2015.

No limite, o Governo em funções é sempre responsável por qualquer evolução (positiva ou negativa) destes números, embora a publicação em análise não fundamente essa responsabilidade com factos concretos. É uma responsabilidade no abstrato que se aceita, no âmbito de uma interpretação subjetiva. Mas o facto é que não detetamos iniciativas do atual Governo que possam ter contribuído para esse aumento dos casos de violência doméstica em 2018 e no início de 2019, a não ser numa perspetiva de inação que parece ser o argumento central da publicação. Pelo contrário, detetamos várias iniciativas do actual Governo no sentido, precisamente, de combater e prevenir o fenómeno da violência doméstica. Mas essa apreciação no global acaba por ser demasiado subjetiva e não permite chegar a uma conclusão segura.

O mesmo não se aplica ao suposto “aumento brutal” dos casos de violência doméstica. Os números da UMAR são claros: o número de femicídios baixou substancialmente na presente legislatura, em comparação com a anterior, mesmo tendo em conta o mais recente aumento em 2018 e no início de 2019. Aliás, repita-se, em 2017 registou-se o número mais baixo de femicídios da presente década. Pelo que a publicação em análise difunde uma ideia falsa (ou extrapolada e descontextualizada), gerando assim desinformação.

Avaliação do Polígrafo:

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