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Reformado do BCP alega que todos os meses lhe é retirado dinheiro da pensão. Prática é inconstitucional?

Sociedade
O que está em causa?
A dúvida surgiu num "e-mail" enviado ao Polígrafo com um caso específico: Um pensionista que descontou para a Segurança Social e para o fundo de pensões do banco onde trabalhou durante 38 anos vê mensalmente retirado da sua conta o montante de 324 euros pelo banco que o empregou. Pergunta se "é inconstitucional visto que as reformas são dadas pelos fundos".
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“Comecei a trabalhar aos 12 anos e comecei logo a descontar para a Segurança Social”, começa por dizer um leitor num e-mail enviado ao Polígrafo com pedido de verificação de factos.

Segue-se o contexto: “Entrei para a banca onde trabalhei 38 anos. Até 2011 descontamos para o fundo de pensões do banco, mas a partir daí passámos a descontar para a Segurança Social. Reformei-me da banca – bastava 35 anos para ter a reforma – mas também pedi a minha reforma da Segurança Social. É aqui a minha indignação. O banco [Millennium BCP] retira-me todos os meses da reforma 324 euros. Quero saber se isto é inconstitucional visto que as reformas são dadas pelos fundos.”

Perante este cenário – e partindo do pressuposto de que se trata de um caso real -, a que se deve o valor retirado da reforma? E será mesmo inconstitucional?

Ao Polígrafo, o banco visado justifica que “a regra geral é a de que o BCP adianta aos trabalhadores reformados também abrangidos pelo regime geral da segurança social as mensalidades e os valores correspondentes a diuturnidades a que pelo ACT aplicável tiverem direito, entregando os trabalhadores reformados ao BCP a totalidade das quantias que receberem dos serviços de Segurança Social a título de benefícios da mesma natureza, com o limite do valor das mensalidades e diuturnidades adiantadas a que tenham direito, relativamente ao período de antiguidade no setor bancário”.

Nesse sentido, justifica que “o trabalhador reformado, deve devolver um valor que o Banco lhe está a adiantar relativamente a períodos comuns” de descontos.

Em termos práticos, se um colaborador “foi trabalhador bancário do BCP desde 28.10.1993 e no dia 30.11.2023 atingiu a idade legal de reforma e passou à respetiva situação de reforma”, então , nessa data, terá “o nível 10”, o que significa que “de acordo com o ACT BCP FEBASE, o colaborador tem direito, no mínimo, a uma pensão de reforma (mensalidades + diuturnidades) de 1.635,05 euros a adiantar pelo Banco”, para a qual foi considerado todo o período em que trabalhou.

Ora, “a partir de 01.01.2011, por força da extinção e integração da CAFEB no Instituto de Segurança Social pelo Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de janeiro (‘DL 1-A/2011’), os trabalhadores bancários passaram a estar protegidos pelo regime geral da Segurança Social” em caso de maternidade, paternidade e adoção ou velhice.

Assim, este colaborador receberá da Segurança Social uma reforma de 636,07 euros pelo período entre 01.01.2011 e 30.11.2023, na qualidade de trabalhador bancário. Portanto, “tem que devolver ao Banco 636,07 euros mensalmente, uma vez que a sua pensão de reforma corresponde a 1.635,05 euros, sendo 998,98 euros pagos pelo Fundo de Pensões do Banco e 636,07 euros pagos pela Segurança Social”.

Se, por outro lado, as contribuições para a Segurança Social deste colaborador não forem consideradas para reforma no setor bancário, então apresenta-se outro cenário: “Se, porventura, da pensão de reforma da segurança social de 636,07 euros, metade correspondesse a período contributivo do colaborador fora do setor bancário (por exemplo, se tivesse trabalhado numa empresa antes de integrar o Banco), o colaborador já só teria que devolver ao Banco 318,04 euros dos 636,07 euros”.

Logo, “a totalidade da pensão de reforma do colaborador corresponderia a 1953,09 euros, sendo 1.317,02 euros pagos pelo Fundo de de Pensões do Banco e 636,07 euros pago pela Segurança Social”.

Pedro Matias Pereira, advogado associado coordenador da TELLES (especializado em direito administrativo e contratação pública), explica que “não está em causa” a constitucionalidade da prática, “sobretudo em termos de poder ser suscitado perante o Tribunal Constitucional”.

De acordo com o advogado, “uma disposição pode ser objeto de uma interpretação jurídica que, podendo ser discutível (do ponto de vista dos seus destinatários diretos), não infringe normas ou princípios constitucionais“.

Neste caso em concreto, “pode dizer-se que uma outra interpretação (ou mesmo uma nova redação da disposição) seria mais justa ou adequada, mas não se pode dizer que a interpretação das entidades bancárias infrinja a Constituição, dado que não há princípios ou valores fundamentais em causa”, há sim “uma discordância, legítima, de uma interpretação, mas essa interpretação (podendo não ser a juridicamente mais correta) não afeta normas constitucionais“, conclui.

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Avaliação do Polígrafo:

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