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Ramalho Eanes: “Reduzida dimensão do círculo eleitoral de Portalegre ou Beja limita possibilidade de partido com 10% dos votos ser eleito”

Política
O que está em causa?
"A reduzida dimensão do círculo eleitoral de, por exemplo, Portalegre ou Beja - que têm dois ou três candidatos, respetivamente -, limita a possibilidade de um candidato de um partido com 5 ou 10 por cento dos votos ser eleito. E isto já não acontece nos grandes círculos eleitorais", declarou o antigo Presidente da República, na entrevista que serve de base ao novo livro "Ramalho Eanes - Palavra que Conta".
© Agência Lusa / Tiago Petinga

O terceiro Presidente da Terceira República – e o primeiro eleito democraticamente por sufrágio universal após o 25 de Abril de 1974 – está preocupado com “uma crise na representação política“, além de um “encastelamento partidário” que “corta o cordão umbilical” que “deveria existir entre os partidos políticos e a sociedade civil”.

Na entrevista que serve de base ao novo livro “Ramalho Eanes – Palavra que Conta”, o general adverte que “muitos dos eleitores não se sentem representados pelos partidos políticos, porque têm a percepção de que eles não atendem, pelo menos com oportunidade e suficiência, às exigências sociais, às reivindicações e esperanças, às exigências crescentes de uma mundialização que a tudo se estende e tudo muda, ou promete mudar”.

Para António Ramalho Eanes, um dos motivos na origem dessa crise de representatividade está no sistema eleitoral “caracterizado por listas fechadas, em que o eleitor não pode expressar as suas preferências pessoais sobre os candidatos”.

“Um eleitor que vota num conjunto de 40 ou 50 deputados dificilmente se revê num seu representante concreto”, sublinha Ramalho Eanes, concluindo que “o eleito é, assim, mais um delegado dos partidos políticos do que um representante do eleitor”.

Mais, o sistema eleitoral “trata de forma desigual, no espaço nacional, os eleitores portugueses”, na medida em que “um eleitor de um distrito de menor dimensão está mais limitado na sua escolha política do que um eleitor de Lisboa ou do Porto”.

“A reduzida dimensão do círculo eleitoral de, por exemplo, Portalegre ou Beja – que têm dois ou três candidatos, respetivamente -, limita a possibilidade de um candidato de um partido com 5 ou 10 por cento dos votos ser eleito. E isto já não acontece nos grandes círculos eleitorais”, afirma o ex-Presidente da República, na entrevista transposta para livro.

Esta última alegação tem fundamento?

De facto, nas eleições legislativas de 2024, apenas o PS (34,05% dos votos) e o Chega (24,59%) conseguiram eleger um deputado cada pelo círculo de Portalegre. Apesar de ter conquistado 23,30% dos votos expressos nesse distrito, a coligação Aliança Democrática (PSD, CDS-PP, PPM) não conseguiu eleger um único representante de Portalegre para a Assembleia da República.

O mesmo já tinha acontecido nas eleições legislativas de 2022, quando apenas o PS (47,21% dos votos) elegeu dois deputados pelo círculo de Portalegre. Quer o PSD (23,23%), quer o Chega (11,46%), apesar de terem superado a fasquia de 10%, ficaram sem representação de Portalegre na Assembleia da República.

Aliás, desde 1987 – quando a CDU elegeu um deputado pela última vez – que nenhum outro partido além do PS e PSD conseguia obter representação no distrito de Portalegre, até ao feito inédito do Chega em 2024. Este predomínio dos dois maiores partidos acentuou-se a partir de 2005, quando o distrito de Portalegre passou a ter apenas dois (em vez de três) mandatos de deputados para atribuir, de acordo com o sistema proporcional à população residente.

Quanto ao distrito de Beja, o cenário é ligeiramente distinto. Até 1991 foi um bastião do PCP que costumava eleger três deputados por Beja, ao passo que o PS e o PSD ficavam com um cada. Quando a representação total do distrito passou de cinco para quatro deputados, em 1991, o PCP ainda permaneceu à frente com dois mandatos. A partir de 1995, porém, o PS começou a dominar nesse círculo eleitoral.

Após uma nova diminuição para um total de três mandatos por Beja, em 1999, o PSD deixou de eleger. Mais recentemente assistiu-se a uma repartição entre PS, PSD e PCP dos três mandatos, ao longo de várias legislativas consecutivas. Até que, em 2024, o Chega substituiu o PCP como segundo partido a obter representação parlamentar em Beja.

De qualquer modo, nas eleições legislativas de 2024, mesmo tendo alcançado 15,03% dos votos, o PCP não conseguiu eleger em Beja – pela primeira vez desde o 25 de Abril de 1974. O que mais uma vez confirma a alegação de Ramalho Eanes.

O antigo Presidente da República também tem razão quando diz que “isto já não acontece nos grandes círculos eleitorais”. Basta atentar no exemplo do maior círculo, Lisboa, nas legislativas de 2024: o PAN elegeu uma deputada com apenas 2,49% dos votos; o PCP, o Bloco de Esquerda e o Livre conseguiram dois deputados cada, a partir de 3,73%, 4,96% e 5,47% dos votos, respetivamente; o Iniciativa Liberal assegurou três mandatos com 6,58% dos votos, ainda a grande distância da fasquia de 10% que não é suficiente para um único mandato nos círculos mais pequenos.

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