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PS votou contra a criação de “programa nacional para a prevenção dos maus tratos na infância”?

Política
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
Numa publicação no Instagram destacam-se quatro propostas do Bloco de Esquerda relacionadas com apoios ou proteção de crianças que terão sido chumbadas no Parlamento com os votos contra dos deputados do PS, apesar dos votos a favor de todos os outros partidos. Um leitor do Polígrafo pede uma verificação de factos sobre esta matéria.

“Propostas do Bloco de Esquerda”, salienta-se num post de Instagram, datado de 13 de janeiro, em que se especificam quatro propostas apresentadas no Parlamento – três projetos de resolução e um projeto de lei – que foram reprovadas com o voto contra do PS.

A primeira proposta, Projeto de Resolução n.º 779/XV/1.ª, “recomenda ao Governo a criação do programa nacional para a prevenção dos maus tratos na infância“. Todos os partidos votaram a favor à exceção do PS, segundo a publicação. A segunda, Projeto de Resolução n.º 778/XV/1.ª, “recomenda ao Governo a implementação de formação específica de famílias de acolhimento e de candidatos a adoção com vista à sensibilização e capacitação para a adoção de crianças mais velhas” e teve exatamente a mesma votação que a anterior.

O Projeto de Lei n.º 834/XV/1.ª surge também com a mesma votação, e, neste caso, “altera os requisitos e os impedimentos para a candidatura a família de acolhimento e alarga os apoios concedidos ao abrigo da medida de apoio junto de outro familiar e de confiança a pessoa idónea”.

O último caso tem uma variação nos votos. O Projeto de Resolução n.º 780/XV/1.ª, que “recomenda ao Governo o reforço da preparação das crianças e jovens em acolhimento para a vida independente e a contratação e formação de técnicos das casas de acolhimento”, contou, além do voto contra do PS, com a abstenção do Iniciativa Liberal.

Relativamente às votações, o Polígrafo verificou que todas se confirmam. O que justifica então os votos contra do PS?

O Polígrafo contactou o Grupo Parlamentar do PS (GPPS) solicitando um esclarecimento sobre cada um dos votos contra. Em resposta, fonte oficial do GPPS destacou o Projeto de Lei 834/XV/1.ª, votado na generalidade no dia 11 de janeiro de 2024, que “em bom rigor, mesmo que votado favoravelmente, cairia de imediato sem que houvesse a possibilidade de uma discussão na especialidade”. De acordo com o GPPS, o projeto de lei “revela absoluto desconhecimento do quadro das políticas e o conjunto de recursos públicos alocados”, e, por isso, o voto contra.

As razões concretas apresentadas por fonte oficial do GPPS são: o art.º 3º do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17 de janeiro, que “já prevê a possibilidade de apoio psicopedagógico e social e, quando necessário, de apoio económico de caráter regular (mensal) e/ou pontual”, além de o montante deste apoio económico ter sido “atualizado para todas as medidas em meio natural de vida, através do art.º 35.º do Decreto-Lei n.º 139/2019, de 16 de setembro, sendo o equivalente a 50% do valor do apoio pecuniário devido no âmbito do acolhimento familiar”.

Quanto à obrigatoriedade de ausência de relação de parentesco da família de acolhimento com a criança, cujo projeto de lei refere não vislumbrar “a razão de ser deste impedimento”, o GPPS argumenta que “em Portugal, ao contrário do que acontece nos outros países”, existem já “medidas em meio natural de vida de apoio junto de outro familiar ou de confiança a pessoa idónea, e o acolhimento familiar é uma medida de colocação, a par do acolhimento residencial”.

Relativamente à adoção e acolhimento familiar, estas “são medidas com princípios, objetivos e intencionalidades diferentes”. No primeiro caso a medida é definitiva e, por isso, implica “processos de seleção e capacitação dos candidatos” que devem ter em conta “a preparação para o exercício da parentalidade adotiva” e no segundo “é uma medida transitória, preferencialmente quando se perspetiva o retorno da criança” ao meio familiar ou outro adequado. Assim, neste último caso, “os candidatos terão de ter competências no exercício de uma multiparentalidade em articulação com a equipa de acompanhamento e a família de origem das crianças e jovens acolhidas”.

O projeto de lei dos bloquistas detalha ainda “outra limitação”: o “impedimento estipulado na lei segundo o qual a família candidata a acolhimento familiar não pode ser candidata a adoção”. Sobre este ponto, o GPPS releva que a incompatibilidade legal se refira “à coexistência destes dois projetos em simultâneo, por se considerar que a exigência e a disponibilidade, nomeadamente emocional que ambos comportam, não devem ser cumuláveis”. Ainda assim, acrescenta que “nada impede que uma família de acolhimento possa vir a adotar a criança/jovem que acolheu” ou “de uma família que adotou uma criança poder ser família de acolhimento, devendo todas estas situações serem alvo de cuidada e ponderada análise casuísticas”.

Quanto às demais propostas, fonte oficial indica que são recomendações ao Governo que “não terão qualquer eficácia já que o Governo se encontra em gestão”. Ainda assim, justifica que face à Estratégia Nacional para os Direitos da Criança aprovada para o período 2021-2024, “a criação de um Programa Nacional para a Prevenção dos Maus Tratos na Infância é absolutamente redundante, senão mesmo ineficaz face ao conjunto de instrumentos já disponíveis”.

As restantes propostas – o Projeto de Resolução n.º 778/XV/1.ª e Projeto de Resolução n.º 780/XV/1.ª – “fazem referência a medidas de formação para a adoção e acolhimento, bem como a preparação de crianças e jovens para a vida independente”, porém, indica o grupo parlamentar, esse “trabalho continuado” tem vindo a ser desenvolvido por equipas técnicas no terreno e “está vertido” na Portaria 278-A/2020 de 4 de dezembro.

Conclui a mesma fonte que “sem prejuízo das intenções – seguramente louváveis e meritórias – as propostas em nada contribuiriam para melhorar a natureza e a gestão adequada destes dois importantes institutos: a adoção de crianças e jovens e o acolhimento familiar”.

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Avaliação do Polígrafo:

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