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Proprietários de casas devolutas vão poder ser “expropriados” para alojar “desfavorecidos”?

Economia
Este artigo tem mais de um ano
O que está em causa?
"A um passo do comunismo. Os municípios vão poder tomar conta de habitações devolutas e colocar os imóveis no mercado de arrendamento acessível. (...) Portanto, se tiveres uma casa desabitada o Governo pode expropriar-te para a dar aos 'desfavorecidos'", informa recente publicação divulgada no Facebook. Será assim?

Segundo a publicação de dia 6 de agosto, “os municípios vão poder tomar conta de habitações devolutas e colocar os imóveis no mercado de arrendamento acessível”, sendo que a suposta proposta do Governo se “insere na Lei das Bases da Habitação, que obriga o Estado a garantir uma casa condigna para todos”.

“A ‘venezuelização’ em curso e o povo adormecido bate palmas e vota nos mesmos”, lê-se num comentário deixado no post em questão. Mas será mesmo assim? O Governo pode mesmo expropriar proprietários de casas desabitadas para “dar aos desfavorecidos”?

Sim, os municípios “vão poder tomar conta de habitações devolutas e colocar os imóveis no mercado de arrendamento acessível” e esta proposta insere-se na Lei de Bases da Habitação, em vigor desde setembro de 2019, que estabelece as “bases do direito à habitação e as incumbências e tarefas fundamentais do Estado na efetiva garantia desse direito a todos os cidadãos, nos termos da Constituição”.

Ainda assim, é necessário entender que uma casa “desabitada” pode não se tratar necessariamente de uma casa “devoluta”. São consideradas devolutas as casas para habitação localizadas em aglomerados urbanos e onde não existam contratos de eletricidade, água e/ou gás em vigor, resultando num agravamento fiscal. “Não são consideradas devolutas as segundas habitações, as habitações de emigrantes e as habitações de pessoas deslocadas por razões profissionais ou de saúde.”, ressalva ainda a Lei de bases da habitação.

Desta forma, as casas nessas condições podem ser habitadas por famílias, na medida em que são os municípios as entidades responsáveis pelos imóveis, estabelecendo um contrato de arrendamento das casas com os proprietários e colocando-as no mercado de arrendamento acessível. Assim, e de acordo com este programa, a renda deve estar 20% abaixo do valor de mercado.

De acordo com o jornal Público, os municípios devem comunicar ao proprietário a intenção de usar o imóvel para arrendamento acessível aquando da classificação do mesmo como devoluto. Em caso de obras ou necessidade de remodelar a habitação, são as autarquias as responsáveis por todos os encargos, sendo o proprietário do imóvel a arcar com as despesas.

É um cartaz do PSD Lisboa que está afixado no centro da cidade e também tem sido difundido nas redes sociais. Na imagem destaca-se Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, associado à seguinte mensagem: "Prometi mais habitação acessível mas deu barraca. Menos de 350 casas entregues em 6.000 prometidas".

Segundo a lei de bases da habitação, “todos têm direito à habitação, para si e para a sua família, independentemente da ascendência ou origem étnica, sexo, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, género, orientação sexual, idade, deficiência ou condição de saúde”. Nesse sentido, fica o Estado obrigado a promover “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade pública” e a incentivar “o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada”.

Depois de a notícia ter sido avançada pelo jornal Público, no dia 6 de agosto, as reações não tardaram a surgir, vindas inclusive de figuras políticas, como é exemplo Nuno Melo: “E que tal começarem pelas habitações devolutas do próprio Estado ? Não faltam por aí. Nacionalizar, ocupar, viver com o que é dos outros. Um PS cada vez dominado por uma ala esquerda de dirigentes que melhor estariam no BE do que no PS”, escreveu o deputado do CDS na sua conta de Twitter.

nuno melo

Em suma, a Lei de Bases da Habitação institui que a habitação é um direito universal e que o Estado está obrigado a garantir a todos os cidadãos uma habitação condigna e adequada. No decreto-lei com que o Governo se prepara agora para regulamentar a lei em vigor há dois anos, define-se que as entidades públicas ficam com o “dever objectivo” de encontrar uma solução alternativa às pessoas em situação de carência e prestar o apoio necessário a esses agregados.

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Nota editorial: Na sequência da publicação deste artigo, recebemos a seguinte informação por parte da secretária de Estado da Habitação:

“Não é verdade que o diploma em discussão confira ao governo a possibilidade de expropriação para dar um imóvel a qualquer cidadão, com base na classificação como devoluto. Apesar de o diploma ainda não ter sido aprovado em Conselho de Ministros, é importante esclarecer que este diploma visa antes garantir uma maior eficácia dos instrumentos já existentes em matéria de intervenção no património devoluto e de incentivo ao uso efetivo de habitações devolutas, sem pôr em causa a propriedade privada.

Com efeito, o Decreto-Lei n.º 159/2006, de 8 de agosto, no seu artigo 2.º-A, já prevê o procedimento para a classificação de um imóvel de uso habitacional como devoluto, quando o mesmo se situe em zona de pressão urbanística. O que se pretende com a alteração agora em discussão é salvaguardar que à classificação de um imóvel como devoluto, a par com as consequências fiscais já existentes,  se associa uma reposição do imóvel no mercado habitacional, contribuindo para a prossecução do objetivo nacional de garantir a todos uma habitação condigna:

  • Através da possibilidade de o município propor ao proprietário, em contrapartida à classificação de um imóvel como devoluto, o arrendamento do imóvel para posterior subarrendamento ao abrigo do programa de arrendamento acessível;
  • Através da aplicação aos prédios devolutos do processo já hoje previsto no artigo 89.º e seguintes do RJUE, salvaguardando que, ao abrigo do dever de conservação do edificado, são feitas as obras necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade.”

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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.

Na escala de avaliação do Facebook, este conteúdo é:

Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações “Verdadeiro” ou “Maioritariamente Verdadeiro” nos sites de verificadores de factos.

Na escala de avaliação do Polígrafo, este conteúdo é:

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