“A propagação da dengue no Brasil está relacionada com a libertação dos ‘mosquitos geneticamente editados’ de Bill Gates? Frank Bergman: um surto de um vírus mortal está a espalhar-se no Brasil depois de milhões de ‘mosquitos geneticamente editados’ terem sido soltos na natureza”, destaca-se num tweet de 3 de março, entre muitos outros exemplos de recentes publicações nas redes sociais que responsabilizam Bill Gates pelo surto de dengue naquele país da América do Sul que, até 16 de março, já tinha provocado mais de 1,3 milhões de infetados e 350 mortes.
No tweet em causa aponta-se para uma citação atribuída a Frank Bergman que, num artigo escrito em língua castelhana e publicado no site “Tierra Pura” (considerado fonte de desinformação desde que surgiu no final de 2020), sugere uma “relação entre a propagação de dengue no Brasil e a libertação de mosquitos geneticamente modificados de Bill Gates”.
Nesse texto, Bergman alegava que “o dinheiro de Bill Gates está envolvido em todos os aspetos da situação, desde os mosquitos geneticamente modificados que possivelmente exacerbaram a crise da dengue até ao financiamento de empresas que fornecem a tão procurada vacina contra a dengue ao Brasil”.
Esta história tem algum fundamento?
Não passa de uma teoria da conspiração que surgiu no X/Twitter e entretanto já saltou para várias outras redes sociais. Aliás, há tinha sido difundida anteriormente, com diferentes versões (e doenças). Em agosto de 2023, por exemplo, um tweet apontava para a pretensa ligação entre “uma empresa financiada por Bill Gates” e um surto de malária, outra teoria que se demonstrou ser falsa.
A nova versão adaptada à dengue começou a circular na sequência de um novo surto dessa doença no Brasil que, desde o início de 2024 já causou mais de 1,7 milhões de potenciais casos de infeção e 513 óbitos confirmados até ao dia 18 de março, segundo dados apurados pelo Ministério da Saúde do Brasil.
Quanto ao artigo, está em causa o Programa Mundial de Mosquitos das Nações Unidas – uma iniciativa financiada por Bill Gates que começou a atuar no Brasil em 2015 e combate doenças transmitidas por mosquitos ao nível global – e a tecnologia Wolbachia.
Ao contrário do que se alega, o método Wolbachia é aquele que é utilizado no Brasil e não a modificação genética de mosquitos. Ou seja, o método em causa consiste em inserir a bactéria Wolbachia em espécimes do Aedes aegypti para que acasalem e criem uma nova população de mosquitos. Estes novos mosquitos têm já em si a bactéria Wolbachia que impede o desenvolvimento dos vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela urbana nos mosquitos.
“Não há qualquer modificação genética no método Wolbachia, nem no mosquito nem na Wolbachia”, garante-se nas páginas oficiais do Programa Global de Mosquitos das Nações Unidas e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que conduz o programa no Brasil.
Mais, este método não é capaz de infectar humanos e já revelou ter eficácia na redução de 70% de casos de dengue na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro.
O artigo confunde esta técnica com mosquitos geneticamente modificados que têm como propósito combater doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. Neste último caso, espécimes do mosquitos são produzidos em laboratório para carregar um gene auto-limitante, responsável por impedir que as fêmeas sobrevivam até a idade adulta, e um gene marcador, que facilita a identificação.
Na fase adulta, esses espécimes acasalam com fêmeas do Aedes aegypti, gerando outras fêmeas que, por possuírem esse gene, não sobrevivem até à idade adulta. Deste modo, reduz-se a disseminação de doenças, porque só as fêmeas do Aedes aegypti picam e, consequentemente, transmitem vírus.
Joshua Van Raalte, porta-voz da empresa britânica de biotecnologia Oxitec responsável pela modificação genética de mosquitos, esclareceu em declarações à AFP que “os mosquitos da Oxitec que foram libertados no Brasil são apenas machos, o que significa que são incapazes de picar humanos. Então a propagação de qualquer doença é cientificamente impossível“.
______________________________
Avaliação do Polígrafo: