Foi na comissão parlamentar de Agricultura e Pescas, no dia 27 de julho, que Tiago Oliveira, presidente da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), lançou a declaração polémica que desencadeou a revolta dos bombeiros e um comunicado da Liga dos Bombeiros Portugueses a desmenti-lo no dia seguinte.

“Saiam da discussão do meio aéreo e da discussão do eucalipto”, pediu Oliveira em resposta aos deputados que o questionavam a propósito do relatório de atividades do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais de 2022. No seguimento deste apelo, o presidente da AGIF frisou que "enquanto se estiver sempre a falar do eucalipto e dos meios aéreos, as questões de base não se resolvem" e questionou o porquê de “os corpos de bombeiros receberem em função da área ardida".

É verdade que os bombeiros recebem em função da área ardida?

A Lei n.º 94/2015, de 13 de agosto, é a legislação que define as regras de financiamento das Associações Humanitárias de Bombeiros (AHB), enquanto entidades detentoras de corpos de bombeiros. Esta determina que o financiamento das AHB se processe “de acordo com critérios objetivos, assentes em medidas do risco e da atividade dos corpos de bombeiros”.

Anualmente, o Estado apoia financeiramente as AHB. As variáveis a ter em conta para determinar a verba a atribuir a cada corpo de bombeiros são o orçamento de referência, a área abrangida, a população abrangida, o índice de risco da área abrangida de acordo com cartas de suscetibilidade, o número de ocorrências e o número de bombeiros elegíveis.

A área, a população, o índice de risco da área abrangida e o número de bombeiros elegíveis representam o dobro (20%) do peso do orçamento de referência e número de ocorrências (10%) na fórmula. A área queimada anualmente também entra nas contas por via da Carta de Suscetibilidade, ou seja, na variável índice de risco de incêndio.

Questionado pelo Polígrafo, o gabinete de comunicação da AGIF indica que a declaração proferida por Tiago Oliveira “tem os seus fundamentos na Lei n.º 94/2015, de 13 de agosto, que estabelece o modelo de financiamento dos bombeiros”.

A declaração “é dita num contexto de sensibilização dos deputados para alteração da lei do financiamento das autarquias e dos bombeiros, como aliás está previsto num dos projetos do Programa Nacional de Ação (PNA), o projeto n.º 4.1.3.3, e da revisão dos incentivos fiscais e patrimoniais, prevista no projeto n.º 1.3.1.1 do PNA, por forma a que sejam desenhados pela positiva”, indica o gabinete. Acrescenta-se ainda que “a conversa estabeleceu-se a nível estratégico no lugar onde são feitas as leis, a Assembleia da República”.

“O que se procurou fazer no âmbito da AR foi promover uma alteração à Lei para um financiamento mais adequado, justo e transparente para todos os agentes do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, nomeadamente para os bombeiros. Este financiamento deve ser baseado em incentivos suportados em contratos-programa e também orientados para a prevenção, tendo em conta indicadores como a redução do número de ignições, redução da área ardida, a gestão do combustível e o apoio às populações. É necessário, de facto, mudar este paradigma”, conclui em resposta ao Polígrafo.

O Polígrafo contactou António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), que desmentiu Oliveira. “Não há nada na lei, em nenhuma lei, e os bombeiros só recebem aquilo que está na lei ou nos protocolos. Portanto, não há nenhuma contratualização com ninguém que se vá receber por área ardida”, sublinhou o presidente da LBP, que sublinha que as declarações em causa “não fazem sentido” - e que, quanto à forma como é distribuído o financiamento aos corpos de bombeiros, "é feito pelo índice de risco, mas quando há um incêndio de grandes dimensões são mobilizados os bombeiros de todo o país, que não recebem mais por isso".

"A fórmula é o índice de risco de onde os corpos de bombeiros pertencem, mas cada corpo de bombeiros nunca pode receber mais de 10% do que no ano anterior", indica o presidente da LBP. Esse critério está disposto no ponto 6 do financiamento permanente disposto na Lei n.º 94/2015 em que se lê que "da aplicação do disposto no presente artigo não pode resultar, em cada ano económico, uma variação negativa do financiamento superior a 5 % ou uma variação positiva do financiamento superior a 10% a atribuir a cada AHB por reporte ao montante atribuído no ano precedente".

Nunes afirma que "mesmo que o concelho ardesse todo, os bombeiros não receberiam mais do que aqueles 10% no ano seguinte" e que, por isso, estão "indignados". "As pessoas depois pensam que deixamos arder para recebermos mais dinheiro e isso não é verdade", frisa.

Com base na informação recolhida, o Polígrafo opta pela classificação de “impreciso”. Ou seja,  o que está em causa na declaração proferida por Tiago Oliveira é a verba a atribuir aos corpos de bombeiros e, de facto, a área queimada entra na fórmula através da variável índice de risco. Esta, porém, é apenas uma das quatro variáveis que mais pesam nas contas para determinar esse montante. No entanto, este não é o único critério e não se pode com isto afirmar, sem mais contexto, que os corpos de bombeiros recebem em função da área ardida.

____________________________

Avaliação do Polígrafo:

Assine a Pinóquio

Fique a par dos nossos fact checks mais lidos com a newsletter semanal do Polígrafo.
Subscrever

Receba os nossos alertas

Subscreva as notificações do Polígrafo e receba os nossos fact checks no momento!

Em nome da verdade

Siga o Polígrafo nas redes sociais. Pesquise #jornalpoligrafo para encontrar as nossas publicações.