“A função de um Primeiro-Ministro não é ser comentador, é ser fazedor. É fazer, executar, identificar soluções para os problemas… Cada um tem a sua função. Quando nos confundimos nos papéis é que as coisas vão correr mal”. António Costa falava à margem da abertura de um centro infantil no Montijo, um dia antes do discurso de abertura da rentrée socialista, em Évora, no mês passado. O veto do Presidente da República ao programa do Governo para a habitação era ainda recente, pelo que as palavras de Costa seguiram um caminho cego até São Bento.
Além de Marcelo Rebelo de Sousa, também a oposição foi acalmada com declarações de gestão de crise: situações de carência habitacional continuam por zerar, mas “se nós não tivéssemos começado, elas [as casas] nunca estariam prontas”. Além desta promessa, que outras continuam por cumprir? E em que estado vai a saúde do mercado habitacional português?
Costa prometeu habitação para todos até 2024 mas até hoje só entregou 1.400 de 26 mil fogos
Em 2018, Costa tinha uma “meta” muito clara: “Podermos chegar a 2024, quando, daqui a seis anos, comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril, podendo dizer que eliminámos todas as situações de carência habitacional e que, 50 anos depois de Abril garantimos a todas e a todos os portugueses o direito a uma habitação adequada.”
O PM falava no final da sessão de apresentação do novo pacote legislativo do Governo, intitulado “Nova Geração de Políticas de Habitação”. Quase seis anos depois, quão longe estará o Governo de zerar o número de famílias sem habitação digna?
António Costa não guarda segredo quanto ao facto de não ter conseguido cumprir aquilo a que se propôs: no programa de Governo de 2019, a medida que em 2017 garantia a erradicação de todas as carências habitacionais até ao 50.º aniversário do 25 de Abril passou a funcionar apenas como analgésico para a crise habitacional. Afinal, Costa já só conseguiria “erradicar as principais carências habitacionais identificadas no Levantamento Nacional de Necessidades de Realojamento Habitacional de 2018″. A data limite manteve-se.
É nas “principais carências habitacionais” que estão as cerca de 26 famílias a quem Costa prometeu uma casa. No âmbito do PRR, o Governo conseguiu um financiamento substancial de 2.700 milhões de euros “para aumentar a oferta pública de habitação”. Até ao momento, dos 26 mil fogos que deveriam ser entregues até abril do próximo ano, apenas 1.400 estão concluídos.
António Costa faz, porém, outros cálculos: “Neste momento, entre casas em projeto, casas em obra, em concurso ou já concluídas, 17 mil das 26 mil já estão a andar e a entrar no terreno.” A estimativa é positiva, mas não contraria os dados da ministra da Habitação sobre os fogos efetivamente entregues. O calendário deverá estender-se além de 2024, como reconheceu Costa no seu discurso em Évora: “É verdade, as 26 mil casas não estão prontas. Mas há uma coisa que posso garantir: se nós não tivéssemos começado, elas nunca estariam prontas.”
Governo prometeu 7.500 casas de renda acessível em 2016, mas nenhuma foi entregue
Garantia foi dada por António Costa, logo em 2015, quando o PM assegurava que o Governo ia “ele próprio investir, através do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, 1.400 milhões de euros, desde logo na reabilitação do património público que aguarda reabilitação, alargando as fontes de financiamento da Segurança Social”. Estes 1,4 mil milhões de euros resultariam na entrega de 7.500 casas para habitação acessível, mas o Ministério da Habitação voltou a confessar, em agosto, que “não há qualquer casa para arrendamento acessível construída”.
Assim, o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE), que mobilizava verbas da Segurança Social, ainda não teve consequências práticas no mercado da habitação. Em março, o ministério de Marina Gonçalves justificava este atraso com o “aumento dos custos de construção” que dificultou a garantia de “rendibilidade exigida pelo FEFSS, para investir no FNRE”.
Governo prometeu 170 mil casas a custos controlados até 2025 mas disponibilizou apenas 6.800
Ao intervir no debate quinzenal de 4 de outubro de 2017 no Parlamento, o Primeiro-Ministro declarou: “No último debate do ‘Estado da Nação’ enunciei a habitação como nova área prioritária nas políticas públicas (…) São assumidas duas metas a atingir num prazo de oito anos, que nos permitirão aproximar-nos das tendências europeias: Reduzir a taxa de esforço das famílias com as despesas de habitação de 35% para 27%; Aumentar o peso da habitação com apoio público na globalidade do parque habitacional de 2% para 5%, o que representa um acréscimo de cerca de 170 mil fogos.”
Em julho deste ano, Costa corrigiu no Parlamento: “O desígnio nacional de garantir o direito à Habitação, onde depois de anos de abandono das políticas públicas, estamos em parceria com os municípios, a atuar em todas as frentes, para aumentar a oferta. Disponibilizamos 26 mil fogos até 2026 para responder às situações de maior carência identificadas nas diversas estratégias locais de Habitação, e 6.800 fogos a custos acessíveis.”
Valor de “entrada” para comprar casa em Lisboa aumentou de 30 para 56 mil euros desde 2017
Esta é uma das principais conclusões de um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, intitulado como “A crise da habitação nas grandes cidades – uma análise” (pode consultar aqui), da autoria de Paulo M. Rodrigues (coordenador), Rita Fradique Lourenço e Hugo de Almeida Vilares. Foi apresentado no dia 27 de julho de 2023.
“O capital inicial que é necessário dar de ‘entrada’ aumentou (para a casa mediana) de cerca de 30 mil para 56 mil euros no concelho de Lisboa, e de cerca de 16 mil para 37 mil euros no concelho do Porto, entre 2017 e 2022″, informa-se no estudo.
Portugal sobressai como o 4.º país da UE que tem maior percentagem de jovens a viver com os pais
Segundo um estudo da Pordata sobre os jovens portugueses, divulgado a 31 de julho, “em 2022, a esmagadora maioria dos jovens (95%) vivia com os pais, valor que traduz uma mais difícil independência, sobretudo considerando que este valor era de 86% em 2004. Portugal é o 4.º país da União Europeia, a seguir à Itália (97%), Croácia (96%) e Espanha (96%), em que mais jovens vivem com os pais, acima da média europeia (83%). Na Suécia e na Dinamarca, os jovens que vivem com os pais são menos de metade do total de jovens”.
“Em Portugal, de acordo com dados de 2022 do Eurostat, a idade média de saída de casa dos pais era aos 30 anos, mais três anos do que a média europeia”, sublinha-se.