“O portal ‘Mais Transparência’ é um compromisso do Governo. Orientado para o cidadão, com linguagem clara, pesquisa simples e dados desagregados por tema, região, projeto e beneficiários, nele encontrará toda a informação sobre a utilização de fundos públicos”, destaca-se num tweet de 29 de abril na página do Governo.
Exibe-se também um retângulo com o logótipo do XXII Governo Constitucional da República Portuguesa, liderado por António Costa, acrescentando a seguinte mensagem: “‘Mais Transparência’, toda a informação sobre a utilização de fundos públicos num só site. Um compromisso presente no Programa do Governo“.
O lançamento do portal “Mais Transparência” foi marcado por uma sessão de apresentação que contou com a presença do primeiro-ministro António Costa, da ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, e do ministro do Planeamento, Nelson de Souza.
“O portal ‘Mais Transparência’ arranca com uma área dedicada aos fundos europeus. Esta área temática vai disponibilizar, de imediato e de forma acessível, a informação sobre o ‘Portugal 2020’ e sobre o Plano de Recuperação e Resiliência, cuja candidatura foi recentemente submetida. O portal foi desenhado como uma plataforma evolutiva, que ganhará novas funcionalidades e separadores, com informação relevante e de qualidade à disposição dos cidadãos, garantindo a sua acessibilidade, atualidade e usabilidade”, lê-se num comunicado sobre a sessão de apresentação, publicado na página do Governo.
“A concepção do portal da transparência teve por base a auscultação das necessidades dos cidadãos, através de questionários públicos, workshops e entrevistas, estando prevista a realização de testes de usabilidade com cidadãos comuns ao longo do desenvolvimento do projeto”, salienta-se no mesmo texto.
Começando pelo suposto “compromisso presente no Programa do Governo”. O Polígrafo consultou o Programa do XXII Governo Constitucional e não encontrou qualquer referência à criação de um portal com informação sobre a aplicação (ou execução) de fundos da União Europeia.
O mais aproximado que conseguimos detectar está no capítulo “I.III.3 – Travar um combate determinado contra a corrupção”, no qual se inscreve o compromisso (no abstracto) de “consagrar o ‘princípio dos quatro olhos‘, segundo o qual qualquer decisão administrativa que conceda uma vantagem económica acima de determinado valor tem de ser assinada por mais do que um titular do órgão competente ou confirmada por uma entidade superior, e publicitada num portal online onde possa ser escrutinada por qualquer cidadão”.
Quanto à suposta iniciativa do Governo, na verdade trata-se de uma obrigação inscrita no Orçamento do Estado para 2021, através de uma proposta de alteração do partido Iniciativa Liberal no Parlamento. Aliás, no portal “Mais Transparência” sobressai desde logo a informação de que “a área temática ‘Fundos Europeus’ do ‘Mais Transparência’ evoluirá para a total concretização do Art. 360.º da Lei do Orçamento de Estado (Lei n.º 75-B/2020 de 31 de dezembro)”.
No referido Artigo 360.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 (pode consultar aqui) determina-se a criação de um “portal da transparência do processo de execução dos fundos europeus“.
Mais concretamente: “Em 2021, o Governo cria um portal online da transparência do processo de execução dos fundos europeus, nomeadamente referentes ao Programa Next Generation EU e ao Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027, de acesso público e cujos dados sejam de extração fácil e automática, reforçando para o efeito os meios da AD&C”.
Ora, esta medida foi inscrita na Lei do Orçamento do Estado para 2021 através de uma proposta de alteração da autoria de João Cotrim de Figueiredo, deputado único e líder do partido Iniciativa Liberal.
“Independentemente do modo como os vários partidos alocariam os fundos europeus que Portugal vai receber nos próximos 10 anos, é consensual que a sua alocação deve ser o mais transparente possível para a sociedade. Não só por ser o que é moralmente correto numa democracia como a nossa, mas também porque tal contribui para o escrutínio que a sociedade civil, a comunicação social, a Assembleia da República e demais entidades têm a obrigação de levar a cabo. Só assim se garantirá uma melhor e mais cuidada utilização desses mesmos fundos”, sublinha-se na nota justificativa da proposta.
“O Iniciativa Liberal propôs aquando da discussão do Orçamento deste ano a criação de um portal de transparência para evitar que a execução do Plano de Recuperação e Resiliência se transformasse num foco de desperdício ou compadrio ou sobretudo numa oportunidade perdida. Ter operacional o portal de transparência para acompanhamento dos fundos europeus foi um calvário, mas felizmente vitorioso”, recorda fonte oficial do partido, em declarações ao Polígrafo.
“O Iniciativa Liberal sempre defendeu uma maior agilização de procedimentos para uma mais rápida e eficaz execução dos fundos. No entanto, as alterações que têm sido implementadas pelo Governo devem aumentar a nossa vigilância quanto à aplicação do elevado volume de fundos europeus que Portugal irá receber. Acresce que é hoje extremamente difícil analisar os dados relativos à contratação pública. A extração de dados do Portal Base é essencialmente manual e devolve informação extremamente deficitária, com uma grande percentagem de contratos públicos não publicados, não abertos por padrão e impossíveis de trabalhar de forma automática, o que impede várias análises importantes. Torna-se, por isso, urgente e essencial a criação de um portal online de acesso público. Um portal onde todos os cidadãos possam monitorizar e escrutinar todo o processo relacionado com a execução dos fundos europeus, de forma transparente e que permita a fácil extração de dados”, conclui-se.
De acordo com os dados registados na página da Assembleia da República, a proposta dos liberais começou por ser chumbada no dia 23 de novembro de 2020, na Comissão de Orçamento e Finanças. Apenas os deputados do PS votaram contra, além da abstenção do PCP. Todos os restantes deputados (do PSD, BE, CDS-PP, PAN, Chega e IL) votaram a favor.
No dia seguinte, porém, ocorreu uma reviravolta. Figueiredo insistiu na votação da proposta em plenário (mediante avocação) que acabaria mesmo por ser aprovada, contando então com a presença (e apoio) das deputadas independentes Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.
Mais uma vez, apenas os deputados do PS votaram contra, além das abstenções do PCP e do PEV. Todos os restantes deputados (do PSD, BE, CDS-PP, PAN, Chega e IL, mais as duas deputadas não inscritas) votaram a favor.
Resultado final: 110 votos a favor, 108 contra.
A criação de um portal online de transparência e monitorização do processo de execução dos fundos europeus tem sido uma das principais bandeiras políticas do Iniciativa Liberal na presente legislatura.
Não por acaso, logo no dia 24 de novembro de 2020, o partido fez questão de destacar nas redes sociais a aprovação da proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2021 que consagrou essa medida, agora promovida como um “compromisso” e iniciativa do Governo, apesar dos sucessivos votos contra dos deputados do PS.
Questionada pelo Polígrafo sobre a forma como o Governo está a promover o lançamento do portal “Mais Transparência”, fonte oficial do Iniciativa Liberal começa por recordar que “como se já adivinhasse, o Iniciativa Liberal propôs aquando da discussão do Orçamento deste ano a criação de um portal de transparência para evitar que a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) se transformasse num foco de desperdício ou compadrio ou sobretudo numa oportunidade perdida. Ter operacional o portal de transparência para acompanhamento dos fundos europeus foi um calvário, mas felizmente vitorioso. Foi necessário um projecto resolução e uma proposta no Orçamento do Estado, tendo esta sido primeiro chumbada em comissão e só após avocação para plenário foi aprovada. E mais tarde, após apresentação do PRR foi necessário fazer pergunta formal ao Governo pelo estado de desenvolvimento do portal”.
“Entretanto uma proposta para que o portal fosse desenvolvido e gerido por uma entidade independente selecionada por concurso público foi chumbada“, prossegue a mesma fonte. “Se isto já demonstra que mesmo com a existência do portal todos teríamos de estar atentos, recentemente soubemos que no âmbito do PRR existe um plano oculto a ser negociado com Bruxelas. Tudo isto é mais uma demonstração de que o Governo não é confiável e a falta de transparência é uma marca do Governo do PS. Nem nos vários debates, nem na conversa direta com o ministro Nelson de Souza, foi alguma vez mencionado que haveria condições, sob a forma de reformas ou outras, a ser negociadas com Bruxelas. Mesmo que as reformas exigidas, que a esta hora desconhecemos, possam até melhorar o enquadramento do PRR, esta falta de transparência do Governo é absolutamente inaceitável. E será ainda pior se tal opacidade tem como objetivo a gestão da comunicação política do Governo”.
“Convém, por isso, recordar dois factos essenciais. Primeiro, que mesmo as subvenções terão, mais tarde ou mais cedo, de ser pagas pelos portugueses. E segundo, que a propaganda do PS não tem limites“, conclui.
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Nota editorial: Na sequência da publicação deste artigo fomos alertados para o facto de o PAN também ter apresentado uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2021 no sentido de criar um “portal de transparência para os fundos europeus”; tanto a proposta do PAN como a do Iniciativa Liberal foram aprovadas na Assembleia da República, pelo que mantemos a conclusão de que não se tratou de uma iniciativa do Governo, além de não estar inscrita no Programa do Governo.
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Avaliação do Polígrafo: