- O que está em causa?Na noite de 20 de dezembro, no Largo do Corpo Santo, em Lisboa, um agente da polícia municipal foi agredido. As imagens do que aconteceu foram divulgadas já este mês. O facto de o polícia não recorrer à sua arma para se defender gerou perplexidade. Podia fazê-lo?

“Pois é, mas as armas… sabe como é que a gente pode dar (…) usar uma arma?”. A frase é do polícia municipal agredido, audível durante a própria gravação de um dos dois vídeos que esta semana se tornaram virais, em resposta a quem filmava o ataque e o questionava porque não usava a arma que tinha. A publicação dos vídeos tornou-se viral em várias redes sociais.

A dado momento, é mesmo o agressor que desafia o agente a usar a pistola, em tom de provocação – “dá lá tiro, pau, pau, pau”. No rescaldo do sucedido, depois das estações de televisão divulgarem as imagens do sucedido, o Sindicato Nacional das Polícias Municipais e a Associação Sindical dos Profissionais de Polícia da PSP lamentaram o facto da lei impedir os respetivos agentes de usarem a arma de fogo que trazem consigo, mesmo para se defenderem de violência física.

O Polígrafo contactou o presidente do Sindicato Nacional das Polícias Municipais, Pedro Oliveira, que referiu: “A percepção é mesmo essa. Pelos casos já ocorridos com forças de segurança e pelos problemas que vários agentes tiveram - correndo o risco de cumprir penas e de serem demitidos das suas funções -, os polícias municipais, tal como os da PSP, apenas puxam da arma se estiverem a ser confrontados por alguém que também tenha uma pistola ou arma branca que possa pôr em risco a sua vida. Agora isso é muito relativo, porque há situações sem arma – por exemplo se houver desproporção física entre o delinquente e o agente ou no respetivo número de elementos – que podem pôr em risco a vida de um polícia. Na prática, a autoridade do Estado é desafiada, humilhada mesmo: um polícia é agredido e não pode responder da mesma forma nem usar a sua arma. Só pode imobilizar o agressor, o que não é realista, pois raramente se consegue fazer dessa maneira.”

A atividade da polícia é, desde logo, legalmente enquadrada pela Constituição da República Portuguesa – Artigo 272.º - que refere, no seu ponto 2, que as “medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário”.

Do ponto de vista mais específico, o uso de armas é regulado pelo Decreto-Lei n.º 457/99 - “Utilização de armas de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança”.
Para Paulo Graça, especialista em direito administrativo, a legislação aponta, de facto, no sentido de apenas ser autorizado o uso de arma de fogo na circunstância de, no lado contrário, haver uso ou ostentação de arma (pistola/revólver ou qualquer tipo de faca), daí resultando risco de vida para os envolvidos (polícias ou terceiros).
O advogado explicou ao Polígrafo que o artigo 2.º do Decreto Lei n.º 457/99 é determinante para parametrizar o modo como as forças de segurança podem fazer uso das armas de fogo: “Os princípios da necessidade e da proporcionalidade expressos no artigo 2.º são tudo nestas situações e delimitam todo o campo de ação permitido ao agente da força de segurança. Se estão perante alguém sem qualquer tipo de arma, o uso da pistola é considerado desproporcional à luz da lei, independentemente de se concordar ou não com a sua redação”.
Recorde-se que o primeiro ponto do artigo respeitante a estes princípios refere que o “recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que proporcionado às circunstâncias”.
Apesar do Artigo 3.º desse mesmo diploma discriminar, logo na primeira das diversas circunstâncias em que é autorizado o “recurso a arma de fogo”, a de “repelir agressão actual e ilícita dirigida contra o próprio agente da autoridade ou contra terceiros”, tal não legitimaria o uso da arma. Isto porque, sublinha Paulo Graça, “todo este artigo é subordinado ao anterior, ao 2.º, que estipula a necessidade e, em especial neste caso, proporcionalidade da ação policial”.
De facto, a frase inicial do Artigo 3.º, que antecede a elencagem das circunstâncias autorizadas para o uso de arma de fogo é clara: “No respeito dos princípios constantes do artigo anterior e sem prejuízo do disposto no n.º 2 do presente artigo, é permitido o recurso a arma de fogo.”
Paulo Graça considera, porém, que perante o que as imagens mostraram relativamente ao ocorrido na noite de 20 de dezembro no Largo do Corpo Santo, em Lisboa, e à luz da legislação, “o agente da polícia municipal poderia perfeitamente ter usado o cassetete”.
Sobre o facto do agente da Polícia Municipal de Lisboa se encontrar sozinho – facto criticado pelos sindicatos de polícia – o gabinete de comunicação da Câmara de Lisboa informou o Polígrafo que “o número de efetivos policiais a alocar, depende da missão/tarefa que desempenham, podendo ser designados dois ou um elemento, considerando as missões que estão cometidas à Polícia Municipal, que é um corpo de polícia administrativa e não um órgão de polícia criminal”. O mesmo gabinete sublinha ainda a existência de “meios de proximidade uns dos outros” - como a “rede rádio devidamente estruturada” e o “sistema de quadrícula na distribuição de meios policiais” – que permite mitigar o facto de um agente não estar acompanhado por um colega.
É, pois, verdadeiro que a lei não permite aos agentes da PSP, Polícia Municipal ou outra força de segurança o uso da arma de fogo se estiverem a ser agredidos por outrem que não tenha qualquer arma.
Artigo atualizado às 16h19 com as declarações do gabinete de comunicação da Câmara de Lisboa
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Nota editorial: este conteúdo foi selecionado pelo Polígrafo no âmbito de uma parceria de fact-checking (verificação de factos) com o Facebook, destinada a avaliar a veracidade das informações que circulam nessa rede social.
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Verdadeiro: as principais alegações do conteúdo são factualmente precisas; geralmente, esta opção corresponde às classificações "Verdadeiro" ou "Maioritariamente Verdadeiro" nos sites de verificadores de factos.
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