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Pobreza atinge “cerca de 20% da população” e “32,9% são trabalhadores”?

O que está em causa?
"Quem são os nossos pobres? 27,5% são reformados, 26,6% são precários, 13% são desempregados e maior fatia, 32,9%, são trabalhadores, muitos dos quais com vínculos há 10-20 anos", destaca-se em recente publicação no Facebook.

“A pobreza em Portugal abrange cerca de 20% da população e é um problema estrutural: grande parte dos pobres vivem nessa situação ao longo de muitos anos. Quem são os nossos pobres? 27,5% são reformados, 26,6% são precários, 13% são desempregados e maior fatia, 32,9%, são trabalhadores, muitos dos quais com vínculos há 10-20 anos”, sublinha-se num post de 14 de janeiro no Facebook, remetido ao Polígrafo com pedido de verificação de factos.

“Ter trabalho não é, portanto, garantia de se sair de uma situação de pobreza. E os principais motivos para alguém cair – e manter-se – em situação de pobreza são o divórcio, o desemprego e/ou uma doença incapacitante no agregado familiar”, conclui-se no texto.

Estes dados foram recolhidos a partir do estudo “Pobreza em Portugal – Trajetos e Quotidianos” (pode consultar aqui), promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) e coordenado pelo investigador e professor universitário Fernando Diogo. O estudo foi divulgado em 2021, mas baseia-se em dados estatísticos de 2018, importa ressalvar.

“De acordo com os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), 17,2 % da população em Portugal estava em risco de pobreza em 2018 (ICOR de 2019, dados de 2018). Se olharmos bem para aquele número, observamos que é composto por três algarismos e por dois sinais matemáticos. No entanto, condensa as vidas de mais de 1,7 milhões de pessoas“, realça-se na introdução.

“O valor da taxa oficial de pobreza dá-nos conta da singularidade da pobreza e é um bom ponto de partida para a gestão das políticas públicas que visam combatê-la. As estatísticas oficiais, tão bem representadas por esse número síntese que é a taxa de risco de pobreza, cumprem a função de nos mostrar a extensão da pobreza, mas dizem-nos pouco sobre a sua diversidade. Na verdade, a compreensão da diversidade de situações de pobreza é uma exigência para percebermos a sociedade portuguesa no seu todo. Afinal, estamos a falar de, sensivelmente, um quinto da população residente em Portugal”, adverte-se. “Sem sabermos quem é e como vive esta parte da população, a partir da perspetiva dos mais pobres, dificilmente compreenderemos o país no seu todo. Neste caso, a quantidade é uma qualidade em si própria. Para se compreender a diversidade da pobreza foi preciso, portanto, ir mais além: entrevistar pessoas em situação de pobreza e ouvi-las, conhecer as suas trajetórias e perceber como vivem, de forma aprofundada”.

O primeiro-ministro vestiu a pele de secretário-geral do PS e, sob o mote "Prestar Contas", discursou ontem numa sessão do partido em Viseu, fazendo um balanço de mais de sete anos de governação ininterrupta, o último com maioria absoluta. Entre os feitos evocados, destaque para a redução da pobreza que, apesar do "grande revés durante o período da pandemia", terá resultado em "menos 700 mil pessoas em situação de pobreza ou exclusão social", comparando com 2015. O Polígrafo verifica esta alegação.

“Com base nos cálculos específicos feitos a partir do ICOR de 2017, começámos por identificar os quatro perfis da pobreza presentes no país e referentes a indivíduos adultos, com 18 anos ou mais: ‘Reformados‘ – 27,5 %; ‘Precários‘ – 26,6 %; ‘Desempregados‘ – 13 %; ‘Trabalhadores‘ – 32,9 %“, detalha-se no estudo, indicando neste âmbito que “é importante fazer uma ressalva. Atrás mencionámos que 11 % dos indivíduos adultos que trabalham vivem em situação de pobreza. Contudo, quando consideramos apenas as pessoas com 18 anos ou mais chegamos à conclusão de que 32,9 % dos pobres em Portugal são trabalhadores (praticamente um terço). São dados estatísticos com bases de cálculo distintas, mas a realidade não muda, antes a perspetiva como a olhamos – ora tendo por referência a totalidade da população trabalhadora, ora a totalidade da população em situação de pobreza. Em qualquer dos casos, esta constatação sugere que ter um trabalho (em muitos casos um emprego) não é garantia para se sair da situação de pobreza“.

Dados estatísticos mais recentes

De acordo com o último boletim do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre “Rendimento e Condições de Vida”, divulgado no dia 20 de janeiro de 2023 (pode consultar aqui), “o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2022 sobre rendimentos do ano anterior, indica que 16,4% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2021, menos 2,0 pontos percentuais (p.p.) do que em 2020. A taxa de risco de pobreza correspondia, em 2021, à proporção de habitantes com rendimentos monetários líquidos (por adulto equivalente) inferiores a 6.608 euros (551 euros por mês)”.

“A diminuição da pobreza abrangeu todos os grupos etários, embora tenha sido mais significativa para a população idosa (menos 3,1 p.p.); o risco de pobreza dos menores de 18 anos diminuiu 1,9 p.p. e o dos adultos em idade ativa diminuiu 1,6 p.p. O risco de pobreza diminuiu quer para a população empregada, de 11,2% em 2020 para 10,3% em 2021, quer para a população desempregada, de 46,5% em 2020 para 43,4% em 2021″, informou o INE.

As transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social, contribuíram para a redução do risco de pobreza em 5,1 p.p. (de 21,5% para 16,4%), um contributo superior ao do ano anterior (4,6 p.p.)”, sublinha-se no boletim. “Em 2022 (rendimentos de 2021), 2.006 milhares de pessoas encontravam-se em risco de pobreza ou exclusão social (pessoas em risco de pobreza ou vivendo em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa). Consequentemente, a taxa de pobreza ou exclusão social foi 19,4%, menos 3,0 p.p. do que no ano anterior”.

“Considerando apenas os rendimentos do trabalho, de capital e transferências privadas, 43,3% da população residente em Portugal estaria em risco de pobreza em 2021. Os rendimentos provenientes de pensões de reforma e sobrevivência contribuíram, em 2021, para um decréscimo de 21,8 p.p. no risco de pobreza, resultando assim numa taxa de risco de pobreza após pensões e antes de transferências sociais de 21,5%. As transferências sociais, relacionadas com a doença e incapacidade, família, desemprego e inclusão social contribuíram para a redução do risco de pobreza em 5,1 p.p. (de 21,5% para 16,4%), sendo este contributo superior ao registado no ano anterior (4,6 p.p.)”, especifica-se.

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Avaliação do Polígrafo:

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